As notícias falsas têm tomado de assalto os veículos de comunicação, especialmente o tráfego de informações via mídias sociais. Não é recente a noção, conhecida popularmente como fake news, correspondendo a uma circunstância que se distancia da mera enganação de interlocutor pela sua potencialidade de desinformar em massa por meio de notícias fabricadas.
Na sociedade de informação em que vivemos é, de fato, perniciosa - mas eficaz - a instrumentalização de notícias falsas para obter uma vantagem. Deste modo, diante do mar de informação ao dispor de todos, é de se questionar objetivamente até que ponto a promoção de notícias falsas é imoral e quando se torna atividade criminosa.
Fixemos que ao nos referir a notícias falsas tratamos sobre a distribuição deliberada de desinformação ou boatos, realizada por meio de qualquer veículo de grande circulação, incluindo mídias sociais com capacidade de alastrar a notícia. Seu conteúdo é comumente identificado como textos sensacionalistas, exageros, ou mesmo evidentemente falsos (como textos com imagens rudemente alteradas). Considera-se, ainda, a intenção da publicação de enganar, orientada a obtenção de ganhos indevidos, especialmente financeiros e políticos.
A legislação brasileira não criminaliza categoricamente qualquer elaboração, promoção, ou divulgação de notícia falsa, mas opta por distinguir circunstâncias específicas em que o emprego de uma notícia falsa é penalmente relevante.
Pois bem, a legislação penal brasileira estabelece alguns poucos delitos que referenciam a produção de notícia falsa, especialmente na lei de crimes financeiros, na lei de falências, e no código eleitoral.
A lei de crimes financeiros criminaliza a prática de divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira, com a pena de reclusão de dois a seis anos e multa.
A regulamentação sobre recuperação judicial de empresas estabelece o crime de divulgar ou propalar, por qualquer meio, informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter vantagem, fixando as balizas da pena entre dois e quatro anos de reclusão, além de multa.
Já no Código Eleitoral foi instituído o tipo penal de divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado, crime este apenado com dois meses a um ano e multa, mas agravado se cometido pela imprensa, rádio ou televisão.
Os tipos penais se distinguem justamente no objetivo de cada um deles. Veja, a lei de crimes financeiros se preocupa com evitar o "pânico financeiro"1 e só existe se a notícia deturpa informação a respeito de instituição financeira.
Por outro lado, o delito indicado da lei de falências tem como objetivo proteger o patrimônio de credores, criminalizando quem divulgar informação falsa que possa contribuir à falência do devedor e, consequentemente, prejudicar o andamento do processo de recuperação judicial. Portanto, é crime que incide apenas no contexto de um processo de falência, exigindo que quem propala a falsidade tenha a intenção de "levar o devedor a falência ou obter qualquer tipo de vantagem"2.
Quanto à divulgação de fatos inverídicos em propaganda eleitoral, é delito que atinge candidatos e partidos políticos, e pode ser praticado por qualquer pessoa. Nesse caso o legislador tutela a veracidade da propaganda política, a liberdade de escolha dos eleitores - que devem exercer sua opção de sufrágio ativo sem qualquer espécie de pressão externa. Além disto, a proibição tem como escopo "zelar pela primazia de um padrão ético no transcorrer do processo eleitoral"3.
De certo os delitos mencionados possuem suas particularidades, no entanto, nos interessa a semelhança entre cada um desses delitos. É de notar que os crimes apontados estão unidos por um elemento em comum: a divulgação de informação falsa ou inverídica.
Da doutrina especializada se depreende que a divulgação de informação falsa significa “veicular notícia parcial, truncada ou deturpada, omitindo fatos ou aspectos relevantes do contexto onde estão inseridos, levando os destinatários da notícia a um errado julgamento sobre o que na verdade se passa”4.
Assim, a conduta criminosa em comento está especialmente atrelada ao verbo divulgar, de modo que manifestação da falsidade referida pelos crimes está vinculada ao momento em que se confere publicidade, disseminando-se a informação a número indeterminado de pessoas.
Igualmente, em qualquer caso é exigência para a concretização do tipo penal que aquele que divulga a notícia ou informação falsa realize a conduta sabendo tratar-se de conteúdo inverídico.
O ato de disseminar uma notícia falsa publicada anteriormente (ou no termo das mídias sociais: compartilhar) está contido no elemento correspondente à divulgação. Isso porque em todos os casos “a lei não exige que o fato inverídico seja inédito”5, por esse motivo é especialmente prudente que a propagação de informações de cunho sensacionalista ou exageradas seja precedida de cautela por qualquer pessoa.
Ainda, é importante ao tema examinar que há um contraste entre dar voz a uma notícia falsa e emitir uma opinião, eis que não se quer tolher o direito à liberdade de expressão, mas sempre preservar um bem vitimizado pela falsidade. Nesse sentido o STJ entendeu que na hipótese do alguém tornar pública ou divulgar informação tendo condição de conhecer a verdade dos fatos fica evidenciado o dolo de divulgar falsidade - portanto, a manifestação não será mera opinião, mas conduta criminosa. (Nota: In casu, entenderam as instâncias ordinárias que "diante das provas acostadas aos autos, evidenciando que as declarações prestadas pelo apelado não condiziam com a real situação do aludido Banco, entendo que não podemos tomá-las como mera opinião", pois evidenciado o dolo de divulgar informações falsas. (STJ, habeas corpus n. 238.481-ES, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª turma, j. 13.11.12.)
Embora criminosa a conduta em situações específica e satisfeitos diversos requisitos, a disseminação de notícias falsas é um problema concreto na atualidade. A fake news floresce no ambiente fértil da pós-verdade, que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos e emoção e crenças pessoais – ou seja, a informação sensacionalista ou puramente mentirosa é rapidamente disseminada nos meios sociais e causa impactos absolutamente deletérios.
Exemplo concreto dessa situação é a disseminação de notícias falsas durante a período eleitoral de 2018, em que uma dezena de instituições passaram a averiguar a disseminação de notícias falsas (para citar algumas: e-farsas.com, boatos.org, aos fatos, agência lupa). A proliferação dessas instituições permite arrazoar que houve um desmedido emprego de informações deturpadas para prejudicar adversário político. De fato, a fake news nas eleições parecer ter se tornado técnica de sucesso – ainda que criminosa – pela popularização em massa das mídias sociais, que permitem que deturpações da realidade, ainda que toscamente elaboradas, sejam rapidamente disseminadas a quantidade indeterminada de pessoas.
Aliás, as eleições americanas de 2016 prenunciaram o processo eleitoral praticamente realizado no ambiente virtual e marcado pela disseminação de notícias falsas. Circunstâncias que conduziu à vitória o candidato mais alinhado ao sensacionalismo e que se utilizou bem das redes sociais, tendo a onda de boatos naquela eleição determinado a pauta, agenda e foco da imprensa6.
No atual cenário, analisar a potencialidade criminosa da divulgação de uma notícia falsa a cada clique é uma necessidade. Mesmo que pareça mais grave a conduta do criminoso que fabrica a notícia falsa, é imprescindível ter em mente que quem retransmite também pode responder por um dos delitos que compreendem a divulgação de notícia ou informação falsa como um de seus elementos, ou mesmo incidir em crime contra a honra, a depender do conteúdo do texto veiculado.
Assim, a divulgação irrefletida de notícias falsas pode sim ser crime – bem por isso é recomendável cautela, especialmente pela verificação de fontes e averiguação dos fatos ao divulgar quaisquer informações que nos chega pelas famigeradas mídias sociais.
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1 JUNQUEIRA. Gustavo Octaviano Diniz (coord.). Legislação Penal Especial - vol 2. São Paulo: Ed. Premier, 2008, p. 122) (ou seja, protege a credibilidade do mercado financeiro
2 Nota: NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: RT, 2008, p. 565
3 ZILIO, Rodrigo Lopes. Crimes eleitorais. Salvador: Juspodium, 2017, p. 162
4 Tórtima. José Carlos. Crimes contra o sistema financeiro nacional. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2002, p. 24.
5 Cândido, Joel José. Direito penal eleitoral e processo penal eleitoral. São Paulo: Edipro, p. 281.
6 Cf. https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/24/internacional/1519484655_450950.html
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*Guilherme Lobo Marchioni é advogado criminal e sócio do Fernando Fernandes Advogados.