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A regra é clara

A legislação do PROFUT concedeu aos clubes de futebol a prerrogativa de utilizar as suas penhoras de dinheiros para quitar parcelas vincendas do Programa de Recuperação Fiscal, o que só pode ser interpretado como as parcelas que se encontram em vias de vencer.

30/8/2018

Em um momento em que se discute a utilização de árbitros de vídeo (VAR, na sigla em Inglês) para a revisão de decisões dos árbitros de futebol, alguns clubes do futebol brasileiro vêm recorrendo aos Juízes togados para anular interpretações dadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional quanto às regras do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, o chamado PROFUT.

 

De fato, no passado recente, a administração de alguns Clubes de Futebol usou e abusou das chamadas "má gestões administrativas", o que acabou acarretando o crescimento do endividamento dessas entidades desportivas.

 

No final do ano de 2014, a situação chegou a um patamar insustentável em que vários Clubes da chamada "elite do esporte" encontravam-se à beira da falência, com a penhora das suas receitas mais significativas para quitação de débitos em fase final de execução.

 

O cenário era tão sombrio que naquele ano matérias jornalísticas colocavam em dúvida a participação de grandes clubes de futebol nos respectivos campeonatos regionais.

 

Ocorre que, se é verdade que tais dívidas chegaram a tal patamar por conta da má gestão administrativa dos Clubes, não se pode negar que o desporto tem inegável e importante função social para o país.

 

Diante desse cenário tornou-se necessária a elaboração de um Plano de Recuperação Fiscal que concedesse aos Clubes de Futebol um desafogo financeiro para os tirar da situação pré-falimentar em que se encontravam, possibilitando o equacionamento das dívidas.

 

No entanto, tal plano de recuperação não poderia constituir-se em um simples perdão fiscal. Mostrava-se necessário a elaboração de um novo marco regulatório de gestão dos Clubes de Futebol, que obrigasse os seus dirigentes a se alinharem às melhores práticas de gestão desportiva com o objetivo de buscar a tão sonhada profissionalização e moralização do futebol brasileiro.

 

Após acaloradas discussões na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, em 4 de agosto de 2015, foi publicada a lei 13.155/15 que instituiu o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro-PROFUT.

 

Alinhando-se ao seu primordial objetivo de estabelecer um novo marco de gestão profissional aos Clubes de Futebol, o PROFUT instituiu uma série de contrapartidas aos benefícios fiscais concedidos. A inobservância das contrapartidas previstas em lei, passaram a implicar gravíssimas sanções econômicas e desportivas como o rebaixamento à divisão inferior do campeonato brasileiro; a proibição do registro de novos contratos de trabalho desportivos, a exclusão do próprio PROFUT, dentre outros.

 

Diante do cenário de absoluto caos financeiros, percebe-se na legislação do PROFUT grande preocupação do legislador em garantir um desafogo de caixa aos Clubes, especialmente nos primeiros anos após a adesão.

 

Em consonância com o objeto de garantir um desafogo financeiros nos primeiros meses pós adesão, o artigo 9º da lei 13.155/15, estabelece que as penhoras de dinheiro nos processos judiciais, cujos débitos foram incluídos no Programa de Recuperação Fiscal, poderiam "ser utilizadas para quitação automática do saldo da dívida OU de prestações vincendas".

 

O dispositivo legal é claro ao estabelecer que as penhoras de dinheiro podem ser utilizadas para redução do saldo devedor e consequentemente das parcelas do Programa ou para adiantamento das prestações vincendas.

 

Ocorre que a Fazenda Nacional, atribuindo uma interpretação restritiva ao benefício fiscal, ao arrepio do que dispõe o artigo 111 do Código Tributário1, tem adotado o entendimento de que o termo parcelas vincendas corresponderia às últimas parcelas a serem pagas no Programa de Recuperação Fiscal.

 

No entendimento da Fazenda Nacional, caso determinado Clube parcele um débito em 240 parcelas e possua saldo de penhora de dinheiro suficiente para quitação de 20 parcelas, o adiantamento das parcelas quitaria as parcelas últimas parcelas, de número 220 a 240.

 

No entanto, com certeza não foi essa a intenção do legislador ordinário com o dispositivo legal em comento. A única interpretação lógica, direta, literal e semântica que pode ser dada ao termo "prestações vincendas" é a de que correspondem às próximas parcelas, ou seja, aquelas que se encontram em vias de vencer.

 

Caso fosse a intenção do legislador estabelecer que o termo parcelas vincendas corresponde às últimas parcelas do Programa, certamente teria incluído tal ressalva na legislação.

 

Com base no que está expressamente previsto no artigo 9º da lei 13.155/15, se o contribuinte possui saldo de penhora de dinheiro suficiente para quitação de 20 parcelas, faz jus ao adiantamento das parcelas de número 1 a 20 e somente deveria efetuar desembolsos financeiros a partir do vencimento da vigésima primeira parcela.

 

Esta é a única interpretação cabível para o benefício fiscal expressamente previsto na legislação do PROFUT.

 

Para demonstrar quão descabida é a interpretação dada pela Fazenda Nacional, imaginemos uma situação hipotética em que uma montadora anuncie um veículo com a seguinte promoção "Financiamento em 60 parcelas, com as três parcelas vincendas quitadas pela fábrica." Imagine que 30 dias após a aquisição do veículo o cidadão receba um carnê para quitação da primeira parcela, com base no argumento de que as parcelas vincendas seriam as últimas parcelas do financiamento.

 

Sem dúvida alguma, estaríamos diante de um nítido caso de propaganda enganosa. Guardadas as devidas peculiaridades é esta interpretação elástica que pretende a Fazenda Nacional conferir à regra prevista na legislação do Profut.

 

Portanto, como diria Arnaldo, "A Regra é Clara", a legislação do PROFUT concedeu aos clubes de futebol a prerrogativa de utilizar as suas penhoras de dinheiros para quitar parcelas vincendas do Programa de Recuperação Fiscal, o que só pode ser interpretado como as parcelas que se encontram em vias de vencer.

 

Para o bem do futebol brasileiro, é esta a interpretação que em sendo dada pelos Tribunais Regionais Federais da 1ª e da 2ª Região sobre o disposto no artigo 9º da lei 13.155/15, impedindo assim o fracasso do único Programa de Recuperação Fiscal que realmente pretendeu profissionalizar e moralizar a gestão administrativa dos Clubes de Futebol do país.

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1 "Art. 111: Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: (...)
II. outorga de isenção."

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*Thiago Carvalho é advogado tributarista e sócio do Takachi & Carvalho Advogados.

 

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