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Fungibilidade do recurso especial que versa sobre questão constitucional

Notas sobre a aplicação do art. 1.032 do Novo CPC.

19/7/2018

O art. 1.032 do Novo CPC, instituído pela lei 13.105, de 16/3/15, tem seguinte redação:

"Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional."

É típico do procedimento de conversão do recurso especial em recurso extraordinário que o ministro-relator, no STJ, conceda prazo de quinze dias ao recorrente, para que: (i) demonstre a existência de repercussão geral e; (ii) manifeste-se sobre a questão constitucional. São duas, portanto, as providências a serem tomadas pelo recorrente, ou seja, por quem interpôs o recurso especial, após ser intimado para as finalidades do art. 1.032.

O NCPC não deixou expresso qual é o prazo que deve ser concedido ao recorrente, para a prática do ato processual previsto no seu art. 1.032. Por analogia, é razoável entender que deve ser o mesmo prazo daquele de interposição do recurso extraordinário para o STF, que é de quinze dias, conforme previsto no § 5º do art. 1.003 do NCPC. Pela Emenda Regimental 24, de 2016, o Regimento Interno do STJ passou a prever, como atribuição do Relator (art. 34, inciso XXIII),

"…remeter o processo ao Supremo Tribunal Federal após juízo positivo de admissibilidade quando entender versar o recurso especial sobre matéria constitucional, dando vista ao recorrente pelo prazo de quinze dias para que demonstre a existência de repercussão geral e manifeste-se sobre a questão constitucional, bem como vista à parte adversa para, por igual prazo, apresentar contrarrazões."1

Assim, o prazo é de quinze dias, para ambas as partes, tanto para aditamento ao recurso especial, pelo recorrente, como para contrarrazões a tal aditamento, pelo recorrido.

A providência do art. 1.032 do NCPC decorre de decisão interlocutória, que reconhece haver questão constitucional no recurso especial, não se tratando, portanto, de mero despacho, razão pela qual é necessária a sua adequada fundamentação, sob pena de nulidade (NCPC, art. 11, caput e CF/88, art. 93, IX).

Cabe ao ministro-relator, no STJ, ao adotar o procedimento do art. 1.032 do NCPC, apontar claramente qual a questão constitucional envolvida. Tal decorre do próprio sistema legal. Do contrário, criar-se-ia, para o recorrente, uma dificuldade intransponível, ou uma surpresa.

Se o recorrente não cumprir o ônus processual, quanto ao aditamento ao recurso especial, então o ministro-relator do recurso especial negará seguimento ao mesmo, por inviabilidade de seu trânsito para julgamento (NCPC, art. 932, III). São hipóteses, por exemplo, o recorrente ter sido regularmente intimado para as providências do art. 1.032 e ter: deixado passar in albis o prazo; apresentado manifestação apenas sobre um dos dois tópicos obrigatórios; ou protocolizado petição intempestiva.

Se o recorrente cumprir o ônus processual, manifestando-se sobre a repercussão geral e sobre a questão constitucional posta, o recorrido será intimado para contrarrazões, no particular.2 Garante-se ao recorrido, por esse expediente, o direito à ampla defesa e ao contraditório, portanto. Mas, pela ocorrência da preclusão, não poderá o recorrido, nesse momento, argumentar sobre questões outras, se deixou de fazê-lo a tempo e a modo anteriormente, quando intimado para contrarrazões ao próprio recurso especial (NCPC, art. 1.030, caput).

No STF, ou será conhecido o recurso extraordinário, por conversão do recurso especial, ou, de outro modo, o feito será devolvido ao STJ (NCPC, art. 1.032, parágrafo único), que poderá julgar o mérito recursal.

Não cabe aplicar o art. 1.032 do NCPC se o acórdão recorrido foi publicado ainda na vigência do CPC/73. Tempus regit actum. Nesse sentido:

"Esta Corte Superior já firmou o entendimento de que procedimento previsto no art. 1.032 do CPC/2015, que prevê a abertura de prazo para fins de manifestação sobre a questão constitucional identificada pelo relator, somente deve ser aplicado para os recursos especiais interpostos já na vigência do novo estatuto processual civil, nos termos dos Enunciados Administrativos n. 2 e 3 do Plenário do STJ (sessão de 09/03/2016), o que não é o caso dos autos."3

Se o acórdão do tribunal de origem (i.e., acórdão recorrido) tiver, além da matéria infraconstitucional, também fundamento constitucional autônomo e suficiente para manter a decisão recorrida, obrigatoriamente a parte deve interpor o recurso extraordinário, além do recurso especial. Se, nessa situação, a parte interpuser apenas o recurso especial, este não deve ser conhecido. Continua, portanto, mesmo após o advento do NCPC, aplicável o entendimento da Súmula 126 do STJ, de seguinte teor:

"É inadmissível recurso especial, quando o acordão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário."

O art. 1.032 do NCPC não se presta, portanto, a corrigir o recurso especial solitariamente interposto contra acórdão que possui fundamento constitucional autônomo e suficiente para fazer prevalecer a decisão recorrida, além do fundamento infraconstitucional. Nesse caso, se a parte não interpôs, simultaneamente ao recurso especial, o recurso extraordinário, então o seu recurso especial não será conhecido.

Em casos tais, o STJ não pode conhecer o recurso especial porque, quanto à matéria constitucional, ocorreu a preclusão, suficiente para que o julgado do Tribunal a quo reste inalterado. Nem se pode transformar o recurso especial em recurso extraordinário, pelo procedimento do art. 1.032, porque aí a matéria infraconstitucional do acórdão recorrido restaria sem alteração, e o recurso extraordinário não poderia ser conhecido.4

A fungibilidade recursal de que trata o art. 1.032 do NCPC é de outra natureza. Busca solucionar a interposição equivocada do recurso especial, ao invés do recurso extraordinário, mas não tem o propósito de sanar a omissão da parte quanto à interposição do recurso extraordinário quando eram necessários tanto este como o recurso especial.

Ora, se o acórdão recorrido tem, além do fundamento infraconstitucional, também o fundamento constitucional, inexiste dúvida razoável que justifique a aplicação da fungibilidade recursal, no caso. A não interposição do recurso extraordinário é erro grosseiro e deve ser aplicada ao caso a Súmula 126/STJ, não merecendo conhecimento o recurso especial, portanto, nem conversão em recurso extraordinário. Por exemplo, no âmbito do AgInt no AREsp 1008763, do voto do exmo. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, constou o seguinte:

"Primeiramente, postula a agravante a aplicação do entendimento previsto no art. 1.032 do Código de Processo Civil de 2015, que assim dispõe: (…)

Tal dispositivo trata da aplicação do princípio da fungibilidade ao recurso especial que versar sobre questão constitucional, ou seja, hipótese em que há equívoco em relação à escolha do recurso apresentado.

Na hipótese dos autos, o acórdão impugnado está efetivamente calcado em fundamento constitucional e infraconstitucional, não tendo sido interposto o competente recurso extraordinário. Logo, é de rigor a incidência da Súmula nº 126/STJ ao caso: "é inadmissível o recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário’."5

Porém, se o acórdão recorrido tem apenas fundamento constitucional, e a parte interpõe somente o recurso especial, aí é caso de aplicação imediata do art. 1.032 do NCPC, pois nota-se aqui um equívoco quanto ao recurso escolhido, justificando-se o reconhecimento da fungibilidade recursal. Mesmo que o recorrente não tenha impugnado os fundamentos constitucionais do acórdão recorrido, quando escreveu o seu recurso especial, poderá agora fazê-lo, exatamente porque o art. 1.032 do NCPC lhe permite nova oportunidade de argumentar a respeito da "questão constitucional".

Já há inclusive julgados no STJ sinalizando que, se o acórdão recorrido adotou tão somente fundamentos constitucionais, a partir do CPC/15, a Súmula 126/STJ será aplicada apenas após o recorrente ter sido regularmente intimado para argumentar sobre a questão constitucional envolvida e a repercussão geral, nos moldes do seu art. 1.032, mas ainda assim recusar-se a adotar tais providências processuais de forma satisfatória. Exemplificativamente:

"(…) 3. Inviável a análise da pretensão da recorrente, uma vez que a adoção pela instância ordinária de fundamento exclusivamente constitucional na solução da lide inviabiliza o conhecimento do Recurso Especial. 4. Foi proferida decisão por este subscritor que concedia o prazo de 15 (quinze) dias para que a parte recorrente demonstrasse a existência de repercussão geral e se manifestasse sobre a questão constitucional. Se devidamente cumprida a diligência, o recurso seria enviado ao STF para juízo de admissibilidade. 5. A parte recorrente não cuidou de aviar o indispensável Recurso Extraordinário para questionar o decisum guerreado, tampouco cumpriu a diligência prevista no art. 1.032 do CPC, determinada pelo STJ, de demonstrar a existência de repercussão geral que autorize o envio do feito para o STF, o que faz incidir a Súmula 126 do STJ. 6. Recurso Especial não conhecido."6

Outro tratamento jurídico deve ser dado ao caso em que o recorrente já interpôs o recurso extraordinário. Aí, não se aplica o procedimento de conversão do art. 1.032 do NCPC no âmbito do recurso especial, ao qual deverá ser dado o destino que o STJ melhor julgar no caso concreto. Vejamos:

"O procedimento previsto no art. 1.032 do Código de Processo Civil - que prevê a abertura de prazo ao recorrente para fins de manifestação sobre a questão constitucional identificada pelo relator e para a demonstração de repercussão geral, para fins de remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal - se refere à aplicação do princípio da fungibilidade ao recurso especial que versar sobre matéria constitucional, ou seja, às hipóteses em que há um equívoco quanto à escolha do recurso cabível. Esse dispositivo, portanto, aplica-se somente às hipóteses em que o recorrente deixa de interpor recurso extraordinário, o que não é o caso dos autos, em que houve a interposição do referido recurso, inclusive já admitido na origem."7

Por fim, duas observações.

A situação prevista no art. 1.032 do NCPC é distinta daquela do § 2º do art. 1.031 do NCPC, porque ali existe um recurso extraordinário nos autos, cujo julgamento o relator do recurso especial considera prejudicial, em decisão irrecorrível, sobrestando o julgamento e remetendo os autos ao STF. Tal já vinha previsto na lei 8.038/90, art. 27, § 5º.

É possível que na prática forense constatemos outras ocasiões de aplicação do art. 1.032 do NCPC.

_________________

1 Grifos nossos. Igual atribuição foi prevista para o presidente do STJ, se a medida for tomada antes da distribuição do recurso especial (RISTJ, art. 21-E, inciso IX).

2 Inciso IX do art. 21-E ou inciso XXIII do art. 34 do Regimento Interno do STJ, incluídos pela Emenda Regimental n. 24/2016.

3 STJ, AgInt no REsp 1227754/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma, julgado em 28/11/2017, DJe 05/02/2018. Grifos nossos. Cf. item II da ementa do AgInt no REsp 1708206/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, 1ª Turma do STJ, julgado em 08/05/2018, DJe 15/05/2018.

4 “(…) 3. Subsiste fundamento infraconstitucional autônomo que permaneceu inatacado, uma vez que não fora objeto de recurso especial. Incidência da Súmula 283/STF. 4. (…)” (STF, ARE 873500 AgR, Relator: Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, julgado em 23/06/2015).

5 STJ, AgInt no AREsp 1008763/RS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017. Grifos nossos.

6 STJ, REsp 1662651/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 17/08/2017, DJe 13/09/2017. Grifos nossos. Ver também: STJ, REsp 1618862/MG, Rel. Ministro Og Fernandes, 2ª Turma, julgado em 24/04/2018, DJe 30/04/2018.

7 STJ, AgInt no REsp 1389634/RS, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 17/04/2018, DJe 02/05/2018. Grifos nossos.

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*Thiago Cássio D’Ávila Araújo é mestre em Direito (UniCEUB).

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