A licitação é instituto de Direito Administrativo presente no ordenamento jurídico brasileiro de forma expressa desde a edição do decreto-lei 200/67, que a ensejo de dispor sobre a organização da Administração Federal e estabelecer diretrizes para a reforma administrativa da época, disciplinou nos arts. 125 a 144 as licitações para compras, obras, serviços e alienações, cujas disposições foram posteriormente revogadas pelo decreto-lei 2.300/86.
Não obstante a inovação do decreto-lei 200/67 ao pretender sistematizar o processo obrigatório a preceder as compras, contratações e alienações públicas, vale registrar que, ainda na época do Império, foi aprovado o decreto 2.926/62, que passou a prever um processo bastante simplificado, porém isonômico, para que os interessados em contratar com a Administração Pública pudessem apresentar suas ofertas.
É de se ver que o estabelecimento de um rito procedimental que anteceda as contratações públicas é preocupação que sempre acompanhou o legislador brasileiro.
Com a promulgação da CF/88, a lei Maior passou a prever de forma expressa o dever de licitar, em seu art. 37, XXI, tornando o procedimento licitatório, então, por imposição constitucional, em uma regra geral, a compreender tanto as pessoas da Administração direta como indireta.
Para regulamentar a prescrição constitucional, foi editada a lei 8.666/93, que completa 25 anos regendo os processos licitatórios. Desde então, a lei Geral de Licitações passou por poucas alterações, embora o processo concorrencial que antecede às compras e contratações públicas vem mudando de contorno. Isso se dá em razão da edição de leis esparsas que, sem alterar a lei geral, impuseram modificações no cenário das compras governamentais. Nesse sentido, merecem destaque a lei 10.520/02 que institui a modalidade de licitação denominada pregão, a lei complementar 123/06 que, ao dispor sobre o estatuto nacional da microempresa e da empresa de pequeno porte, criou regras diferenciadas para a participação dessas empresas; e a lei 12.462/11 que cria o regime diferenciado de contratações públicas.
Atualmente, em um cenário em que se discute, já em nível bastante avançado, a criação de um novo regime jurídico para as licitações e contratos administrativos, o tema da integridade ganha os holofotes.
Desde a promulgação da lei 12.846/13, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de empresas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, as normas que tratam do tema vêm tomando contornos cada vez mais nítidos, especialmente no que diz respeito às contratações com a Administração Pública.
A citada lei Anticorrupção determina que para a aplicação das sanções por ela prescritas seja levada em consideração a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica infratora.
A deflagração da operação Lava Jato, em 2014, impulsionou a densificação da regulamentação para que as empresas contratassem conforme padrões éticos. Tal contexto resultou na regulamentação da lei Anticorrupção, em 2015, com a expedição do decreto 8.420/15.
O decreto define programa de integridade como “conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira” (art. 41).
Passados alguns anos da inauguração do tema - programas de integridade para empresas que se relacionam com o Poder Público - na ordem jurídica brasileira, a legislação pretende dar mais um passo, no sentido de não apenas fomentar, mas obrigar que empresas que contratem com o Poder Público instituam programas de compliance.
O Substitutivo IV ao PL 6.814/17, que trata da modernização da lei de Licitações e Contratos, consolidado em 12 de junho passado, estabelece que o edital de licitação pode prever a obrigatoriedade de implantação de Programa de Integridade pelo licitante vencedor.
A proposta tem a seguinte redação: “nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital poderá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da celebração do contrato, conforme orientações dos órgãos de controle” (art. 24, § 4º).
Embora a norma proposta se volte, a priori, apenas às contratações de grande vulto (o PL considera obras, serviços e fornecimentos de grande vulto aqueles cujo valor estimado seja superior a cem milhões de reais) e prescreva a opção de a Administração fazer a exigência no edital de licitação, não se pode ignorar que revela uma tendência: que os programas de compliance passem a ser condição para contratar com o Poder Público, ao menos em determinados cenários.
Essa tendência não se limita apenas ao mencionado PL, e vem se materializando em outras esferas.
Quanto a isso, destaca-se que a implantação de Programa de Integridade já é uma obrigatoriedade para as empresas que queiram contratar com o estado do Rio de Janeiro (lei 7.753/17) ou com o Distrito Federal (lei 6.112/18).
As leis, com redações equivalentes, exigem a implantação do programa de integridade para as empresas que celebrarem contrato, consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado com a respectiva administração, desde que atingido certo limite de valor e que o prazo do contrato seja igual ou superior a 180 (cento e oitenta) dias.
Mais recentemente, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento aprovou a portaria MAPA 877/18, por meio da qual tornou obrigatória a implementação de programa de integridade, no prazo de 9 (nove) meses, a contar da data da assinatura do contrato, pelas empresas que celebrem contrato com o órgão, quando o valor estimado seja igual ou superior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).
Essas inciativas, que podem ser mais ou menos rigorosas em relação ao valor estimado da contratação, revelam uma inegável tendência e impõem às empresas que contratam com o Poder Público que se organizem para desenvolver e implantar os programas de integridade para que não sejam surpreendidas com exigência que limite suas contratações.
Nesse sentido, também, as pequenas e médias empresas que, até então, não se preocupavam com o tema, terão que colocá-lo na lista de prioridades para que estejam prontas para atender as novas exigências quando elas se apresentarem.
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