A lei 9.532/97, em seu artigo 64, caput, permite que as autoridades fiscais federais procedam ao arrolamento de bens e direitos do sujeito passivo sempre que o valor dos créditos tributários de sua responsabilidade for superior a R$ 2.000.000,00 e, cumulativamente, represente trinta por cento de seu patrimônio1 conhecido.
Considerando o disposto no artigo 121 do CTN, é certo que a lei 9.532/97 admite que as autoridades fazendárias arrolem bens e direitos não apenas dos contribuintes, mas também dos responsáveis. Ainda assim, para as situações em que há pluralidade de sujeitos passivos ? contribuinte e responsável figurando conjuntamente no polo passivo da obrigação tributária, por exemplo ?, o legislador ordinário não estabeleceu critérios objetivos para que o fisco proceda ao arrolamento.
Ao regulamentar a matéria, a SRF editou a IN 1.565/15, por meio da qual estabeleceu um critério que se mostra razoável para o arrolamento de bens em face dos responsáveis que figuram no polo passivo da obrigação tributária conjuntamente com os contribuintes. A indigitada norma estabelece que (i) o somatório dos valores de todos os bens e direitos arrolados dos sujeitos passivos não deve ultrapassar o montante do crédito tributário e (ii) a parcela em que há responsabilidade tributária será computada uma única vez.
No que diz respeito à hipótese em que contribuinte e responsáveis figuram no polo passivo da obrigação tributária, em respeito ao comando veiculado pela IN 1.565/15, a SRF deve observar o limite objetivo de bens e direitos sobre os quais pode recair o arrolamento2 ? isto é, arrolar, no máximo, até o valor do próprio crédito tributário.
A questão que exsurge desta regra é concernente à ordem em que deve ser promovido o arrolamento dos bens nesta hipótese. É que, embora a SRF tenha estabelecido critérios para sua efetivação, temos nos deparado com situações práticas em que as autoridades fiscais efetuam o arrolamento de bens tanto do próprio contribuinte como dos responsáveis, de modo que o valor do arrolamento supera largamente o montante do crédito tributário ? o que, em nossa opinião, configura um ilegítimo excesso de arrolamento.
Com efeito, no que tange à responsabilidade subsidiária3, a própria IN 1.565/15 prevê que o arrolamento sobre bens e direitos dos responsáveis é medida que só tem aplicabilidade há hipótese de o patrimônio do contribuinte não ser suficiente para satisfazer do crédito tributário. Neste caso, portanto, o arrolamento tem o fito de complementar o patrimônio "cadastrado pelo fisco com o objetivo de viabilizar o acompanhamento da evolução patrimonial do sujeito passivo da obrigação tributária."4
Todavia, a IN 1.565/15, não conferiu um procedimento específico para que se opere o arrolamento em face dos responsáveis solidários. Aparentemente, isso se deve ao fato de que, em relação à responsabilidade solidária, existe uma incompatibilidade com o estabelecimento de um benefício de ordem, conforme estabelece o parágrafo único, do artigo 124, do CTN.
Ocorre que, sem que haja um critério específico para que esse procedimento administrativo seja efetivado, há margem para que as autoridades administrativas simplesmente escolham qual dos sujeitos passivos deve ter seu patrimônio arrolado, ou mesmo elejam todos eles para que tenham o patrimônio arrolado, o que, segundo temos verificado, acarreta excesso de arrolamento, em descompasso com o objetivo da própria IN 1.565/15.
Em virtude disso, como boa medida de praticabilidade, as autoridades fiscais devem, como critério, priorizar o patrimônio dos contribuintes, de modo que o patrimônio dos responsáveis seja arrolado apenas em caráter excecional, de forma supletiva. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que regem a Administração Pública, impõem tal medida, para que haja justiça na administração tributária.
Ademais, a priorização do patrimônio do contribuinte é um critério que encontra amparo também no princípio da finalidade, especialmente quando se pondera que o objetivo da IN 1.565/15 é simplesmente garantir a existência de um patrimônio suficiente para satisfazer o montante do crédito tributário que ensejou o arrolamento, de modo a não haver prejuízo ao Erário em um momento futuro.
Também em apoio a essa linha de argumentação, cabe sublinhar que o STJ já enfrentou genericamente o tema, à luz do artigo 121 do CTN, e concluiu pela viabilidade do arrolamento de bens dos responsáveis tributários, porém em caráter excepcionalíssimo. Eis a ementa do julgado:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ARROLAMENTO DE BENS E DIREITOS DOS SÓCIOS DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA DEVEDORA. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO CUJA CONCLUSÃO RESULTA NA ANÁLISE DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 SO STJ.
1. À míngua de previsão específica na lei 9.532/97, razoável aplicar ao arrolamento administrativo regras previstas para o deferimento de medida cautelar fiscal, principalmente, no que se refere à possibilidade de averbação de sua ocorrência em registros públicos de bens de terceiros.
2. Embora o arrolamento administrativo, via de regra, refira-se somente aos bens do próprio devedor tributário, há situações em que a responsabilidade pelo pagamento do tributo poderá ser atribuída a terceiros, de forma solidária ou subsidiária, de tal sorte que, na constatação da existência de fraude, ilícitos penais correlatos ou de alguma das situações previstas nos artigos 132, 133, 134 e 135 do CTN, pode o fisco proceder ao arrolamento de bens que não sejam da propriedade do devedor originário, desde que comprove os requisitos legais necessários à responsabilização.
3. Além de ser excepcionalíssima a permissão para o arrolamento administrativo de bens de terceiros, sua averbação em registros públicos está condicionada, obrigatoriamente, à comprovação dos requisitos legais para a responsabilização, solidária ou subsidiária, não se permitindo que simples inadimplemento de tributo seja motivação adequada e suficiente para sua ocorrência. A propósito, mutatis mutandis: MC 7.531/MT, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 22/03/2004; REsp 722.998/MT, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 28/04/2006; REsp 962.023/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 16/03/2012; REsp 1141977/SC, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 04/10/2010.
4. Especificamente no caso em análise e considerando o contexto fático-probatório delineado no acórdão recorrido, conclui-se pela adequação do arrolamento dos bens dos sócios e a respectiva averbação, mormente porque revelador de ‘indícios de abuso da personalidade jurídica, especificamente, pela confusão patrimonial entre a empresa autuada, sócios e administrador (art. 50, do CC)’. Essa conclusão não pode ser infirmada sem o reexame das provas dos autos, o que é vedado em recurso especial, conforme entendimento contido na Súmula 7 do STJ.
5. Agravo regimental não provido."
(STJ – AgRg no REsp 1.420.023/RS)
A questão é relevante para o cenário atual, sobretudo porque temos notado um aumento exponencial de casos em que a SRF atribui a terceiros a responsabilidade pelo crédito tributário lançado de ofício. Com isso, há nítida tendência de elevação do número de arrolamentos de bens dos responsáveis tributários.
De todo modo, a fim de que não haja excesso de arrolamento ? e, como consequência disso, judicialização do tema ?, as autoridades fiscais devem respeitar o limite do patrimônio sobre o qual pode ser efetivado o arrolamento e, como medida de praticabilidade, priorizar o patrimônio dos contribuintes, de modo que os bens e direitos dos responsáveis ? independentemente de serem estes últimos solidários ou subsidiários ? sejam arrolados apenas em caráter excepcional, de forma supletiva.
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1 A regulamentação deste dispositivo estabelece critérios para mensurar o patrimônio conhecido de pessoas físicas e jurídicas.
2 Limite este fixado pela própria Lei nº 9.532/97, artigo 64-A, caput.
3 Não é o objetivo do presente artigo discutir a natureza jurídica da responsabilidade tributária qualificada pela SRF como subsidiária na IN SRF nº 1.565/15.
4 Conforme reafirmado pelo STJ no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.572.557/SC, o arrolamento de bens consiste em mecanismo de mero cadastro para acompanhamento da evolução patrimonial do sujeito passivo.
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*Marcelo Rocha é advogado da área tributária do Demarest Advogados.