Recentemente, não faltam exemplos de leis mais severas em nosso país: no dia 7 de novembro de 2017, a Câmara dos Deputados votou e aprovou o PL 2.862-B/04, que traz alterações ao Código Penal, relativas às atenuantes ali previstas nos artigos 65 e 115, que inicialmente beneficiavam jovens entre 18 e 21 anos e pessoas com mais de 70 anos de idade.
Com o projeto, o autor acredita estar "acabando com os privilégios" de certos grupos, visando "inegável alcance social", respaldado por exemplos de crimes bárbaros cometidos por menores (entre 7 e 16 anos de idade) e de um político paulista, supostamente beneficiado por prazos prescricionais reduzidos pela metade.
Ainda, no dia 26 de outubro de 2017, foi sancionada a lei 13.497/17, que tornou crime hediondo a posse ou o porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Em suas exposições de motivos, o autor alega estar combatendo a "avassaladora onda de criminalidade que vitima a sociedade brasileira", citando números absolutos de mortes por armas de fogo no Brasil. No entanto, não faz qualquer menção ao uso ou não dessas armas, de uso restrito.
Mais recentemente, no último dia 7 de março de 2018, a Câmara dos Deputados aprovou uma série de projetos em comemoração ao Dia Internacional da Mulher. Dentre eles, aprovou o crime de importunação sexual e aumentou a pena para estupro coletivo.
Outras tantas leis foram sancionadas com o intuito de enrijecer, aumentar penas ou criar novos crimes: a inovação legislativa do feminicídio1, a alteração no Código Penal para acabar com a prescrição retroativa entre o fato e o recebimento de denúncia, a recente alteração no Código de Transito Brasileiro, dentre outras tantas.
Apesar de todas essas alterações legislativas, não estamos mais seguros! E certamente a criminalidade não está intimidada com todas essas inovações legislativas.
Para combater a criminalidade e a impunidade, é preciso muito mais do que encrudescer o sistema e aumentar penas: é preciso punir efetivamente aquele que pratica crime, na medida da gravidade da infração; do crime mais grave, ao crime de menor potencial ofensivo ou, até mesmo, à contravenção penal. A letra fria da lei, por si, não é solução.
Tais alterações legislativas são o típico exemplo do Direito Penal Simbólico, frequentemente impulsionado pelo clamor social e midiático. Não é nada mais do que o Direito Penal do Engodo!
Isto porque, na prática, tais leis são meros símbolos de rigor que, efetivamente, não trazem resultado algum para a segurança pública. Trata-se de uma falsa ilusão de resposta do Estado e ainda mais falsa percepção – para não dizer demagogia – de que haverá melhorias no bem-estar social2.
Nosso país há muito carece de políticas de segurança pública eficientes, que impactem de maneira real e significativa a questão da criminalidade e seus agentes, bem como de políticas sociais que combatam "na raiz" muitas das causas que acabam por levar pessoas ao mundo do crime.
Há uma ineficiência completa de nosso sistema penal que só estimula a certeza da impunidade. E esse é um círculo vicioso que precisa ser quebrado rapidamente.
Tanto é verdade que o nosso Fórum Penal é abastecido, em sua absoluta maioria, por Autos de Prisão em Flagrante. Ou seja, poucas são as investigações que chegam ao seu fim, com a identificação do autor do crime.
No Brasil, a taxa de arquivamento de inquéritos policiais sem qualquer solução é recorde!3
Claro, sem dizer que nossa justiça está abarrotada e sem estrutura física e de pessoal mínimas para exercer o seu papel. O Poder Judiciário como um todo precisa de investimentos que permitam que as leis já existentes sejam efetivamente aplicadas.
Mais! Enquanto não tivermos uma polícia preparada, treinada, atuante e incentivada; enquanto nosso Judiciário estiver agonizando, abarrotado e clamando por investimentos e funcionários em número e qualidade; enquanto não fizermos uma reforma legislativa fundada em uma política criminal ampla, organizada e bem planejada, decididamente, não resolveremos o problema de segurança pública de nosso país.
Os números crescentes de mortes associadas às intervenções policiais e, igualmente, de mortes de policiais militares4 só fazem comprovar a falência generalizada da atual política criminal, desorganizada e caótica. Podem propor e sancionar quantas leis mais severas forem, de nada adiantará.
De outro lado, são absolutamente inegáveis a importância e a necessidade de leis que tragam segurança jurídica à sociedade e que punam com o devido rigor aqueles que optem pelo crime. Ou mesmo que jovens entre 18 e 21 anos de idade tenham plena consciência de seus atos e devam responder por eles5, assim como criminosos que se valem de armamento pesado. E, é claro, tutelar efetivamente a mulher. Mas isso só não basta; muito pelo contrário!
Os investimentos de recursos e a atuação do Poder Público devem estar voltados para atacar causas e consequências do crime, de maneira enfática, sempre em estrita observância de direitos fundamentais e garantias constitucionais.
De outro modo, continuaremos a presenciar ou – pior! – viver em um Brasil que registra nada menos do que assustadores 1.195 casos de homicídio, latrocínio, feminicídio, morte por intervenção policial e suicídio por semana. Um Brasil que, mesmo com o advento da lei Maria da Penha, registra números cada vez maiores de novos processos referentes a violência doméstica e familiar contra a mulher6.
A raiz do problema deve ser atacada, urgentemente, sob pena de tudo continuar como está. Alterações legislativas, pura e simplesmente, não combatem a criminalidade. Aprovar leis mais duras, porém ineficazes, não é a solução! É mais um engodo. É o Direito Penal do engodo.
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1 O Brasil é o país com a quinta maior taxa de feminicídio do mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de assassinatos chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres. O Mapa da Violência de 2015 aponta que, entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram por sua condição de ser mulher. Disponível em <clique aqui>.
2 Prova disso é que, em levantamentos realizados pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, constatou-se que 73% dos brasileiros acreditam que a violência contra as mulheres aumentou nos últimos dez anos, mesmo com a vigência da Lei Maria da Penha. Disponível em <clique aqui>.
3 Enquanto que nos Estados Unidos e no Chile a solução dos crimes chega a mais de 90%, no Brasil, chega a 4%. Pelo levantamento do CNMP, o total de inquéritos concluídos que foram arquivados chega a vergonhosos 79%. No Estado do Rio de Janeiro, esse índice salta para inverossímeis 96%. Disponível em <clique aqui>.
4 Disponível em <clique aqui>.
5 Não se pode deixar de registrar que o texto original do PL 2.862/2004 foi alterado na Câmara dos Deputados, de forma a manter os benefícios de atenuantes para supostos criminosos maiores de 70 anos de idade, curiosamente quando o exemplo utilizado em sua justificativa trata de um famoso político paulista, atualmente preso a despeito de sua idade avançada.
6 A Justiça brasileira recebeu, em 2015, 263.426 novos processos referentes a violência doméstica e familiar contra a mulher - ou seja, 10% a mais do que em 2014, conforme dados divulgados pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça (DPJ/CNJ). Disponível em <clique aqui>.
______________*Leandro Falavigna e Paulo Tiago Sulino Muliterno, são advogados criminalistas do escritório Torres|Falavigna Advogados.