Nesse contexto, o último e mais marcante cenário que se pode observar é a revolução tecnológica que aproximou o mundo, reinventou as relações sociais e dinamizou a forma de comércio. Isso porque, dentre outras ferramentas, existem os mecanismos de busca que vasculham toda a rede de forma a fornecer o resultado mais aproximado ao desejado pelo usuário.
Do outro lado da moeda estão os fornecedores dos produtos, serviços e informações procurados, os quais lutam por um lugar de destaque nas pesquisas. Fazem-se valer, por exemplo, de formas pagas de anúncios em mecanismos de publicidade como o "Google Adwords", garantindo uma maior visualização de suas ofertas e, consequentemente, mais acessos e vendas.
Essa ferramenta vem sendo cada vez mais utilizada pelos anunciantes, em razão de vincular o produto à determinadas palavras-chave, permitindo que seja mais efetivo seu direcionamento e exibição quando o usuário realiza sua busca. Por exemplo: uma loja de suplementos alimentares pode utilizar das palavras "emagrecimento" e "musculação" para que seu anúncio apareça de forma destacada junto ao resultado da pesquisa.
Todavia, pode residir aí um problema jurídico: quando uma pessoa anunciante, ao escolher as referidas palavras-chave, faz uso de sinal distintivo de terceiro – seja marca ou produto – que não seja fornecedor ou integrante dos produtos que oferta, mas sim seu concorrente.
O fato da matéria ainda ser novidade e não haver proibição expressa em lei faz com que tal estratégia mercadológica incremente o debate em torno da possível caracterização de concorrência desleal. Isso porque a vantagem que o anunciante aufere fazendo-se valer do nome do concorrente para obter maior visibilidade é elemento preponderante para que se chegue a esta conclusão.
Entretanto, em que pese não haver dispositivo que trate especificamente acerca desta prática – proibindo ou permitindo-a -, existem normas que dispõem sobre a concorrência desleal, como o princípio da livre concorrência, expresso no art. 170, IV, da Constituição Federal, bem como o art. 195, III, da lei da Propriedade Industrial, 9.279/961, e o art. 10 bis da Convenção da União de Paris 2, os quais vêm sendo norteadores para o julgamento de questões dessa estirpe.
E é neste sentido que os Tribunais têm se posicionado. Destaca-se a recentíssima decisão da 2ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo3, que condenou uma empresa ao pagamento de indenização por fazer uso do nome de um dos produtos da concorrente como palavra-chave em seu anúncio, fazendo com que aqueles que procurassem pelo item, encontrassem também o website da concorrente.
Entendeu o desembargador relator deste caso, Claudio Godoy, que ficou configurada a prática de concorrência desleal pela indução ao usuário à confusão, além de diluir-se a marca ou depreciar-se a imagem profissional da vítima, o que enseja a obrigação de indenizar.
Mister citar também as decisões proferidas pelo STJ no Recursos Especiais 510.885 e 710.376, nos quais foi estabelecido que "o uso indevido de marca alheia sempre se presume prejudicial a quem a lei confere a titularidade"; assim como que "no caso de uso indevido de marca, com intuito de causar confusão ao consumidor, o entendimento predominante desta Corte é que a simples violação do direito implica na obrigação de ressarcir o dano".
Vale ressaltar, por fim, que a marca protegida pela lei é aquela submetida à registro junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI –, ou seja, a tutela existe mesmo que o registro não tenha sido efetivamente concedido, conforme se extrai da leitura do art. 44 da Lei de Propriedade Industrial4.
_______________
1 Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
2 Art. 10 bis. 1) Os países da União obrigam-se a assegurar aos nacionais dos países da União proteção efetiva contra a concorrência desleal.
2) Constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial.
3) Deverão proibir-se particularmente:
1. todos os atos suscetíveis de, por qualquer meio, estabelecer confusão com o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente;
2. as falsas alegações no exercício do comércio, suscetíveis de desacreditar o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente;
3. as indicações ou alegações cuja utilização no exercício do comércio seja suscetível de induzir o público em erro sobre a natureza, modo de fabricação, características, possibilidades de utilização ou quantidade das mercadorias.
3 TJ-SP 10070780420168260152 SP 1007078-04.2016.8.26.0152, Relator: Claudio Godoy, Data de Julgamento: 20/12/2017, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 20/12/2017.
4 Art. 44. Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente.
__________
*Natália Brotto é advogada com atuação nas áreas de Direito Cível, Empresarial e Contratual.
*Aleff D. R. da Silva é graduando em Direito pela PUC-PR.