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A influência do Poder Judiciário no sistema de garantias no âmbito de recuperações judiciais

A prudência e suas consequências devem ser levadas em consideração nesse momento para que, no futuro breve, não haja a restrição do acesso ao crédito, em razão do aumento das taxas de inadimplemento e, por consequência, o aumento dos pedidos de falência e recuperações judiciais ou extrajudiciais.

11/1/2018

Em recentes decisões, o Poder Judiciário colocou em "xeque" o real alcance de garantias prestadas no âmbito de contratos bancários e poderá influenciar as novas tomadas de créditos por terceiros perante instituições financeiras nacionais e estrangeiras.

Como é de conhecimento, na tomada de crédito, as instituições financeiras levam em consideração o momento econômico do país, da empresa e o respectivo segmento de negócio, as possíveis garantias a serem ofertadas e o risco de calote na operação financeira.

Com base nesses elementos, além de outros fatores, as instituições financeiras estipulam os juros remuneratórios do crédito tomado. Ou seja, quanto menor for o risco da operação à instituição financeira, menores serão os juros remuneratórios e vice-versa.

Um dos objetivos visados pelo legislador ao editar a lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 ("Lei de Recuperações e Falências") foi a redução do custo do crédito no Brasil. Para corroborar essa afirmação, Manoel Alonso elenca a redução do custo do crédito como um dos princípios norteadores do PL 71/03, o qual deu origem à Lei de Recuperações e Falências:

"Quanto aos princípios adotados No PLC nº 71/2003, em número de 12 (doze), que nortearam as alterações e a redação final da Lei nº 11.101/2005, de anotar-se terem sido ousados, mas fiéis ao espírito da nova lei falimentar, como se pode cotejar: 1) Preservação da empresa; 2) Separação dos conceitos de empresa e de empresário; 3) Recuperação das sociedades ou empresários recuperáveis; 4) Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis; 5) Proteção aos trabalhadores; 6) Redução do custo do crédito no Brasil; 7) Celeridade e eficiência dos processos judiciais; 8) Segurança jurídica; 9) Participação ativa dos credores; 10) Maximização do valor dos ativos do falido; 11) Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte; 12) Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial."1

No que tange ao elemento das garantias a serem ofertadas, com base nas recentes decisões proferidas no REsp 1.532.943 e nos autos do processo 1049020-41.2017.8.26.0100, em trâmite perante a 1ª Vara de Falências, Recuperações e Resolução de Conflitos de Arbitragem da Comarca de São Paulo/SP, não restam dúvidas que criou-se um ambiente incerto para a tomada de crédito.

Apesar de os entendimentos exarados nos mencionados processos não terem transitado em julgado, a sinalização pode ser preocupante para o atual cenário econômico.

No caso do REsp 1.532.943, oriundo do Estado do Mato Grosso, determinado grupo de empresas em recuperação judicial estipularam em seu plano de recuperação judicial a supressão de garantias fidejussórias e reais outorgadas em favor de diversos credores.

O Tribunal de Justiça do Mato Grosso ao julgar o agravo de instrumento foi enfático – e acompanhando o até então entendimento pacificado da matéria – ao afirmar que a supressão das garantias reais e fidejussórias apenas se aplicam aos credores que votaram favoravelmente ao plano de recuperação judicial sem fazer constar qualquer ressalva.2

Em razão desse acórdão, foi interposto o aludido recurso especial de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze. Posto em julgamento, a maioria dos ministros componentes da 3ª Turma do STJ deram provimento ao recurso especial, a fim de que corroborar com os termos de supressão de garantias expressos no plano de recuperação judicial.3

Segundo o relator, no caso concreto, a previsão constante no plano de recuperação judicial referente à supressão das garantias fidejussórias e reais deve alcançar todos os credores do grupo de empresas em recuperação, inclusive os ausentes e os que rejeitaram o plano, pois se o entendimento fosse contrário haveria "tratamento diferenciado aos demais credores da mesma classe, em manifesta contrariedade à deliberação majoritária".

Ainda, o relator afirmou que os credores que possuem essas determinadas garantias não seriam prejudicados pela parte final do disposto do art. 61, § 2º, de Lei de Recuperações e Falências: "os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originariamente contratadas".

Com base nesse acórdão, há duas consequências imediatas: (i) o desafogamento do Poder Judiciário com a baixa definitiva de diversas execuções de títulos extrajudiciais ajuizadas em face das empresas em recuperação e os respectivos garantidores; e (ii) a fragilização do sistema de garantias prestadas no âmbito de contratos bancários.

Da leitura do acórdão, extrai-se que o relator levou ainda em consideração que todos os credores – presentes à assembleia geral de credores - que possuíam garantias reais aprovaram o plano de recuperação judicial. Dessa forma, concluiu que houve o estrito cumprimento do disposto no § 1º do art. 50 da Lei de Recuperações e Falência.

No entanto, caso não tivesse ocorrido à mencionada unanimidade, como tal questão seria tratada no âmbito judicial? Este é o perigo de generalizar assuntos de suma importância, pois não se tem as respostas para todas as possibilidades que ocorrem em um processo de recuperação judicial. Por consequência disso, não temos uma segurança jurídica capaz de abaixar o custo do crédito.

Atualmente, o cenário continua incerto, já que estão pendentes de julgamentos pela 2ª Seção do STJ os embargos de divergência apresentados pelos credores.

Por sua vez, em outra recuperação judicial,4 a qual tramita em uma das varas especializadas de São Paulo, houve o ressurgimento do amplamente debatido assunto da trava bancária.

No caso concreto, o magistrado reconheceu a validade e eficácia da garantia fiduciária (cessão fiduciária de direitos creditórios) ao adotar o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça proferido em sede do REsp 1.263.500-ES e, por consequência, afastou a incidência dos termos da Súmula 60 do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Entretanto, determinou a abstenção da realização da garantia, já que entendeu que os direitos creditórios dados em garantia são bens essenciais à atividade empresarial. Logo, a instituição financeira não poderia exercer o seu direito oriundo da garantia prestada até o encerramento do prazo do stay period (180 dias, prorrogáveis por mais 180 dias).

Destaca-se, outrossim, que, apesar de o magistrado reconhecer que o prazo do stay period é material, o magistrado aplicou os termos do novo Código de Processo Civil e estipulou que a contagem se dará em dias úteis. Ou seja, com base na experiência forense, nos termos da decisão proferida, a garantia fiduciária outorgada em favor da instituição financeira não será exercida pelo prazo inferior a 1 (um) ano.

Apesar de ter sido interposto recurso contra a aludida decisão, bem como sendo concedido o efeito ativo pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, essas decisões são preocupantes ao desprestigiar o – fragilizado – sistema de garantias em detrimento de empresas devedoras sob o prisma do princípio da preservação da empresa (LRF, art. 47).

O objetivo da presente nota é a reflexão sobre as consequências que as decisões do Poder Judiciário podem gerar no sistema econômico brasileiro.

O atual governo, dentre outras medidas, não está medindo esforços para reaquecer a economia criando ou alterando mecanismos que dê maior segurança jurídica e econômica ao crédito ao destinatário final, seja ele pessoa física ou jurídica. Inclusive, os próprios dispostos da Lei de Recuperações e Falências estão sendo revisitados por uma comissão constituída devidamente para esse fim.

No entanto, decisões no sentido das já mencionadas vão na contramão dessas novas medidas adotadas.

A prudência e suas consequências devem ser levadas em consideração nesse momento para que, no futuro breve, não haja a restrição do acesso ao crédito, em razão do aumento das taxas de inadimplemento e, por consequência, o aumento dos pedidos de falência e recuperações judiciais ou extrajudiciais.
________________________

1 Comentários à nova Lei de Recuperação de Empresa e de Falências. Coord.: Newton De Lucca e Adalberto Simão Filho. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pp. 248-249.

2 “Recurso de Agravo de Instrumento – Recuperação Judicial - Lei 11.101/2005 - Homologação do plano de recuperação com a ressalva de que a supressão das garantias fidejussórias e reais, somente poderão atingir os credores presentes que votaram pela aprovação do plano de recuperação judicial - Pretensão de extensão da supressão das garantias a todos os credores - Inviabilidade - Garantia Real - Necessidade de anuência do credor - Inteligência do artigo 50, § 1º, da lei n. 11.101/2005 - Recurso Desprovido.
Na alienação de bem objeto de garantia real, a liberação da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante anuência expressa do credor, de acordo com o disposto no artigo 50, § 1º, da nova Lei de Falências (Lei n. 11.101/2005).
Assim, se discordam os credores/agravados do plano de recuperação das recuperandas/agravantes, não há falar-se em supressão das garantias reais vinculadas aos seus créditos e tampouco suspensão da exigibilidade das obrigações do plano em face dos coobrigados enquanto as recuperandas estiverem cumprindo o plano de recuperação judicial”.

3 “Recurso Especial. Controle judicial de legalidade do plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia geral de credores. Possibilidade, em tese. Previsão de supressão das garantias fidejussórias e reais no plano de recuperação judicial devidamente aprovado pela assembleia geral de credores. Vinculação, por conseguinte, da devedora e de todos os credores, indistintamente. Recurso especial provido.
1. Afigura-se absolutamente possível que o Poder Judiciário, sem imiscuir-se na análise da viabilidade econômica da empresa em crise, promova controle de legalidade do plano de recuperação judicial que, em si, em nada contemporiza a soberania da assembleia geral de credores. A atribuição de cada qual não se confunde. À assembleia geral de credores compete analisar, a um só tempo, a viabilidade econômica da empresa, assim como da consecução da proposta apresentada. Ao Poder Judiciário, por sua vez, incumbe velar pela validade das manifestações expendidas, e, naturalmente, preservar os efeitos legais das normas que se revelarem cogentes.
2. A extinção das obrigações, decorrente da homologação do plano de recuperação judicial encontra-se condicionada ao efetivo cumprimento de seus termos. Não implementada a aludida condição resolutiva, por expressa disposição legal, "os credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originariamente contratadas" (art. 61, § 2º, da Lei n. 11.101/2005).
2.1 Em regra, a despeito da novação operada pela recuperação judicial, preservam-se as garantias, no que alude à possibilidade de seu titular exercer seus direitos contra terceiros garantidores e impor a manutenção das ações e execuções promovidas contra fiadores, avalistas ou coobrigados em geral, a exceção do sócio com responsabilidade ilimitada e solidária (§ 1º, do art. 49 da Lei n. 11.101/2005). E, especificamente sobre as garantias reais, estas somente poderão ser supridas ou substituídas, por ocasião de sua alienação, mediante expressa anuência do credor titular de tal garantia, nos termos do § 1º do art. 50 da referida lei.
2.2 Conservadas, em princípio, as condições originariamente contratadas, no que se insere as garantias ajustadas, a lei de regência prevê, expressamente, a possibilidade de o plano de recuperação judicial, sobre elas, dispor de modo diverso (§ 2º, do art. 49 da Lei n. 11.101/2009).
3. Inadequado, pois, restringir a supressão das garantias reais e fidejussórias, tal como previsto no plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia geral, somente aos credores que tenham votado favoravelmente nesse sentido, conferindo tratamento diferenciado aos demais credores da mesma classe, em manifesta contrariedade à deliberação majoritária.
3.1 Por ocasião da deliberação do plano de recuperação apresentado, credores, representados por sua respectiva classe, e devedora procedem às tratativas negociais destinadas a adequar os interesses contrapostos, bem avaliando em que extensão de esforços e renúncias estariam dispostos a suportar, no intento de reduzir os prejuízos que se avizinham (sob a perspectiva dos credores), bem como de permitir a reestruturação da empresa em crise (sob o enfoque da devedora). E, de modo a permitir que os credores ostentem adequada representação, seja para instauração da assembleia geral, seja para a aprovação do plano de recuperação judicial, a lei de regência estabelece, nos arts. 37 e 45, o respectivo quorum mínimo.
4. Na hipótese dos autos, a supressão das garantias real e fidejussórias restou estampada expressamente no plano de recuperação judicial, que contou com a aprovação dos credores devidamente representados pelas respectivas classes (providência, portanto, que converge, numa ponderação de valores, com os interesses destes majoritariamente), o que importa, reflexamente, na observância do § 1º do art. 50 da Lei n. 11.101/2005, e, principalmente, na vinculação de todos os credores, indistintamente.
5. Recurso especial provido.”

4 Processo nº 1049020-41.2017.8.26.0100, em trâmite perante a 1ª Vara de Falências, Recuperações e Resolução de Conflitos de Arbitragem da Comarca de São Paulo/SP.
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*Danthe Navarro
é advogado e sócio do escritório Navarro Sociedade de Advogados. Membro da Comissão de Direito Falimentar e Recuperacional do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).






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