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Direito ao esquecimento: uma investigação sobre os sistemas jurídicos português e brasileiro

É uma esfera do Direito estritamente ligada à dignidade humana, cada vez mais discutida no mundo onde as tecnologias são estigmatizadoras das pessoas por grandes ou por pequenos delitos.

21/11/2017

Introdução

O presente trabalho tem como escopo delinear o Direito ao Esquecimento como garantia da dignidade da pessoa humana, assim como dos direitos da personalidade, sobretudo na sociedade mediada pelas tecnologias.

Bem pontua Zilda Mara Consalter que, nos dias atuais, vive-se em um mundo que suscita e provoca o resgate da memória a todo o tempo. Nele, os homens são submetidos a permanente exposição de fatos e atos pretéritos, dando-se a impressão de que é até pecaminoso esquecer algo1. Exatamente nesta quadra da história que emerge a discussão acerca do Direito ao Esquecimento. Afinal, não somos nada além daquilo de que nos lembramos (Bobbio).

No Estado Democrático de Direito, sua aplicação deverá ter o cuidado necessário, haja vista o caso concreto, pois sua interpretação pode vir a colidir com a liberdade de informação e expressão. Outro ponto a ser levantado é a importância histórica do método de ponderação como elemento da proporcionalidade descrita pelo jurista Robert Alexy. O tema envolve também a defesa do cidadão contra a invasão de privacidade nas mídias sociais, no mundo virtual que se agiganta na sociedade atual.

Na primeira parte do trabalho, falaremos do Direito ao esquecimento e sua aplicabilidade como Direito da Personalidade, centrando a Dignidade como conceito desencadeador.

Na segunda parte do trabalho, o que entra em destaque é o Direito ao Esquecimento em si, seu conceito, seu aspecto legal e jurisprudencial.

Outro ponto importante é a abordagem do Direito ao Esquecimento versus a Liberdade de Informação e Expressão, vinculado a princípios orientadores da coletividade.

Nesse contexto, não podemos deixar de abordar a consagração da internet diante da sociedade globalizada.

Por fim, faremos um estudo comparado que ressalta o Direito ao Esquecimento em Portugal e no Brasil a partir de casos de repercussão e seus critérios de ponderação.

1. DIREITO AO ESQUECIMENTO

O Direito ao Esquecimento faz parte do Estado Democrático de Direito que incorpora, por ser democrático, a ideia de pessoa e o direito da personalidade, fundamental à possibilidade de ressocialização, por exemplo, de um ex-presidiário. É uma esfera do Direito estritamente ligada à dignidade humana, cada vez mais discutida no mundo onde as tecnologias são estigmatizadoras das pessoas por grandes ou por pequenos delitos.

Os danos decorrentes das novas tecnologias de informação têm-se acumulado. O Direito ao Esquecimento possui sua gênese histórica/fática no âmbito das condenações criminais. Nasce como parte importante do direito do ex-presidiário à ressocialização. Assegura a discussão acerca do uso que é dado aos fatos pretéritos, no que tange especificamente ao modo/finalidade com que são lembrados. Tal raciocínio pode também ser aplicado quando, por exemplo, apesar de o Estado ter terminado a investigação do fato delituoso, o suspeito permanecer sofrendo consequências danosas advindas de informação jornalística mantida na rede mundial de computadores.

Muito se discute acerca do Direito ao Esquecimento, seus conflitos, em especial quando está ligado à tutela da dignidade humana, o que exige a aplicação do juízo de ponderação em cada caso concreto.

As notícias ultrapassam fronteiras e o acesso às informações se torna instantâneo, em um mundo conectado e digital que incentiva e facilita o crescente consumo de informações. De qualquer forma, ainda que ampla e livre a expressão da atividade intelectual e a comunicação, os direitos da personalidade devem ser preservados, ou seja, a vida íntima, a honra, a identidade.2 Aqui nos deparamos com um dos grandes desafios deste século: compatibilizar internet, smartphones, redes sociais e informações instantâneas com vida íntima e privacidade. É justamente neste momento da história que se debate o Direito ao Esquecimento.

Pois bem. Segundo CAVALCANTE3, o Direito ao Esquecimento (the right to be let alone no direito norte-americano) é aquele que uma pessoa tem de não permitir que um fato – mesmo que verdadeiro – acontecido em determinado momento da sua vida, seja exposto ao público, causando-lhe transtornos e sofrimento. Frase atribuída ao escritor Machado de Assis diz que o maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado.

O Direito ao Esquecimento é aquele que assiste aos indivíduos não serem lembrados por fatos havidos no passado, aos quais não desejam mais serem vinculados, pois provavelmente sequer seriam recordados se não existisse a internet e os potentes sites de busca. As pessoas têm o direito de serem esquecidas pela opinião pública e pela imprensa. O condenado, por exemplo, que já cumpriu pena, tem o direito de que os registros sobre aquele crime não sejam utilizados de forma permanente contra ele. Ou mesmo, tem o direito de, simplesmente, aqueles fatos não estarem disponíveis na internet e nas redes sociais para acesso irrestrito, fácil, amplo e perpétuo. Na espécie, o Direito ao Esquecimento não apenas abrange o condenado como também a vítima e seus familiares.

Notemos que, até uma pessoa afetada pela associação de seu nome a alguma notícia no campo de buscas, tem o direito de se resguardar. Conforme ensina Ivan Izquierdo, o processo de esquecimento produz o deixar de existir, ao passo que a lembrança carrega o potencial da existência, pois somos quem somos em função daquilo que lembramos, sendo exatamente isso que nos confere identidade e distinção. Por isso que, para Bobbio, não somos nada além do aquilo de que nos lembramos. Logo, também somos o que decidimos esquecer, na condição de indivíduos que vivem em sociedade, a qual necessita reprimir e extinguir para prosseguir.4

Zilda Mara Consalter pontua adequadamente que, no mundo, existe entre os juristas uma concepção tripartite do direito ao esquecimento. Primeiro, serviria para designar o direito reconhecido jurisdicionalmente para evitar que o passado administrativo, judicial ou criminal do indivíduo seja permanentemente resgatado. Segundo, significaria a possibilidade de apagamento ou remoção de informações pessoais, com fulcro no direito à intimidade. E terceiro, significaria a possibilidade de remoção de dados pessoais publicados na internet, ou a restrição de acesso a referidos dados por terceiros, através dos sites de pesquisa, como o Google, por ela denominados motores de busca5.

A doutrina moderna aponta no sentido de que a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o Direito ao Esquecimento, ex vi do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil Brasileiro.

O Direito ao Esquecimento ficou explicitado na Europa em 2014, quando o Tribunal de Justiça Europeu apoiou uma decisão que permite que cidadãos possam controlar seus dados e que provedores de pesquisa possam remover dados pessoais inadequados, regulado como Diretiva 95/46. Este ato obriga a todos os Estados Membros à adoção de garantias semelhantes em todo o espaço da Comunidade Européia.

O caso concreto se deu na Espanha, o cidadão Mário Costeja González teve seu nome vinculado a um anúncio de leilão de seu imóvel no jornal La Vanguardia, em 1998, para pagamento de uma suposta dívida à seguridade social da Espanha, matéria essa que o divulgava como um dos devedores.

No entanto, Mário Costeja González já havia quitado a dívida, sem que o imóvel fosse posto em leilão. Então exigiu a eliminação da referência a tal anúncio quando digitava seu nome em pesquisa na Internet (Google). O Tribunal concordou, tendo em vista que estava infringindo o direito à privacidade. Foi uma decisão histórica. A partir desse julgado, a Google acatou a decisão e disponibilizou um formulário para facilitar o envio de pedidos de esquecimento. Em um único dia, a Google recebeu mais de 12 mil pedidos de remoção de dados.

Em 2016, entra em vigor o novo Regulamento Geral sobre Proteção de Dados (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu, revogando a Diretiva 95/46. Segundo a novel regulamentação, os princípios e os objetivos da diretiva continuam válidos, porém não evitaram a fragmentação da aplicação da proteção dos dados ao nível da União, nem a insegurança jurídica ou o sentimento generalizado da opinião pública de que subsistem riscos significativos para a proteção de pessoas singulares, nomeadamente no que diz respeito às atividades por via eletrônica. O regulamento aduz que as diferenças no nível de proteção dos direitos das pessoas singulares, nomeadamente do direito à proteção dos dados pessoais no contexto do tratamento desses dados nos Estados Membros da Comunidade Européia, podem impedir a livre circulação de dados pessoais na União. Essas diferenças podem, com efeito, constituir um obstáculo ao exercício das atividades econômicas em nível da União, além de distorcer a concorrência e impedir as autoridades de cumprirem as obrigações que lhes incumbem por força do direito da União. Essas diferenças entre os níveis de proteção devem-se à existência de disparidades na execução e na aplicação da aludida Diretiva 95/46/CE.6

Na França, o droit à l'oubli garante o direito a qualquer cidadão que tenha sido condenado por um crime e cumprido integralmente a sua pena. Tem o direito à reabilitação perante a sociedade e direito a não serem publicadas eternamente notícias sobre o fato que o condenou.

No entanto, nos Estados Unidos, o direito à publicação do registro criminal encontra-se protegido pela First Amendment da Constituição Americana. Então podemos dizer: o que foi feito e o que foi dito foi dito, ninguém pode apagar

Na América Latina, países como Honduras, Venezuela e Brasil apresentam marco de proteção de dados pessoais, considerados limitados, sendo que Uruguai e Argentina são os dois únicos países a serem reconhecidos pela Comissão Européia como tendo um nível adequado de proteção de dados.7

Já na Colômbia, a Corte Constitucional Colombiana, no caso em que um artigo de jornal associava um cidadão à realização de atividade criminal, decidiu que o periódico fosse obrigado a utilizar técnicas para garantir que as páginas afetadas não fossem listadas pelos mecanismos de buscas. Ademais, entendeu a Corte que a responsabilidade é de quem publica a informação.8

Portanto, o Direito ao Esquecimento foi reconhecido tanto na doutrina, quanto na jurisprudência de vários países – embora seja um instituto sem ampla e textual explicitação legislativa. Em regra, é um direito constitucional implícito que decorre da privacidade e da dignidade da pessoa humana. Para aplicá-lo caso a caso, os julgadores se valem de técnicas de ponderação e proporcionalidade.

_____________________

1 CONSALTER, Zilda Mara – Direito ao esquecimento: proteção da intimidade e ambiente virtual. p. 170.

2 Portal: Direito ao Esquecimento: tutela da memória individual na era da informação

3 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Principais julgados do STF e do STJ comentados. Manaus: Dizer o Direito, 2014.

4 IZQUIERDO, I. A arte de esquecer. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2000.

5 CONSALTER, Zilda Mara – Direito ao esquecimento: proteção da intimidade e ambiente virtual. p. 181/183.

6 Portal: UE Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados

7 Portal: Acess Now

8 Portal: Acess Now

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*Daniel Blume Pereira de Almeida é advogado, Procurador do Estado do Maranhão e Membro do TRE-MA.

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