Migalhas de Peso

Excesso de páginas ou excesso de piruetas jurídicas?

A efetividade de uma narrativa coesa e persuasiva é superior a intrincadas teses acadêmicas.

18/8/2017

Há grande polémica sobre a decisão de uma magistrada – a juíza do Trabalho Elisangela Smolareck – quanto a limitação da quantidade de páginas em uma contestação. No caso, a defesa apresentada tinha 113 páginas e a juíza ordenou que ela fosse limitada a 30. Não pretendo considerar o direito de petição, ou qualquer fundamento jurídico que garante ao advogado postular em juízo, com toda a liberdade, de modo a exercer, plenamente, o contraditório e a ampla defesa.

A mensagem, contudo, me parece ser outra. Curiosamente, iniciei a leitura da obra "Divergent Paths – The Academy and the Judiciary", do Judge Richard Posner. Conquanto esteja no início, o livro se demonstra fabuloso e apresenta dicotomias entre advogados, juristas e juízes (os “Divergent Paths”). Pois bem. Posner mostra, com eloquente lucidez, que os operadores do direito estão em evidente conflito. Explica, ainda, que os magistrados tendem a não apresentar, claramente, suas razões, diante do conflito com a academia.

Uma perguntinha não tem sido considerada: como o advogado ou o doutrinador podem auxiliar os julgadores? Definitivamente, não é com a linguagem hermética e complicadíssimas teses jurídicas, repetidas ostensivamente em peças processuais sonolentas ou em livros intermináveis e obscuros.

Foquemos, pois, nos advogados. Os fatos e a história dos agentes envolvidos na lide são o que há de mais importante. Como já mencionei em um artigo publicado em Migalhas, é fundamental entender que o processo é um duelo de narrativas. Sem isso, petições se transformam em teses de doutorado, absolutamente imprestáveis aos julgadores.

Sendo assim, o que está por trás da decisão proferida pela magistrada? Se não fizermos essa pergunta, ficamos duelando eternamente acerca de dispositivos legais e não fazemos uma autocrítica. Repito: não estou entrando no mérito do caso em questão, do qual não conheço os detalhes. Mas, tentando ler nas entrelinhas, sob um prisma mais amplo, vejo um clamor por peças que auxiliem o juiz na sua dificílima tarefa de pôr fim aos conflitos de interesses, apaziguando a sociedade.

Afinal de contas, o que um julgador precisa para decidir um litígio? Primeiramente, ele necessita de compreender a história que permeia o conflito. Ou seja, antes de defender teses jurídicas, é fundamental que se apresentem os fatos, e, acima de tudo, os personagens e suas condutas. Obviamente, para fins de prequestionamento, os advogados necessitam, também, mencionar, expressamente, os artigos legais aplicáveis a lide. Doutrina e os julgados são elementos persuasivos que devem ser utilizados cum grano salis, sem se amontoar no texto da peça, que, antes de tudo, precisa ser fluido.

Nesse ponto, aliás, é interessante ponderar que um dos principais ônus processuais do direito americano consiste no burden of persuasion (o ônus da persuasão). Apesar de nossa processualística não estabelecer esse ônus, é elementar que os magistrados consideram isso para fins das suas decisões.

Feitas essas considerações, acredito que precisamos nos atentar para o que não está expresso na decisão da magistrada em questão, ordenando a redução da contestação. Será que o recado não seria, mais fatos e menos piruetas e reproduções de textos doutrinários ou cansativas repetições de precedentes judiciais? Se a resposta for positiva – como acredito que seja – é importante uma revisão na forma e no conteúdo com que os advogados apresentam seus casos aos magistrados.

É momento de refletir e fazer a autocrítica, sem embargo, é claro, de defender o direito de atuar pelos clientes de forma plena. Uma petição pode ser longa, mas precisa ser um instrumento que auxilie o juiz a entender a posição da parte representada em juízo por seu patrono. A efetividade de uma narrativa coesa e persuasiva é superior a intrincadas teses acadêmicas.

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*Leonardo Corrêa é advogado formado pela PUC-Rio com LL.M pela University of Pennsylvania.

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