Migalhas de Peso

A Natureza Jurídica da Incorporação de ações segundo a doutrina

Certamente que a substituição de um bem por outro acarreta mudanças, já que as duas companhias podem ter distinções, como de objeto social, política, valores, mas a condição de titular de participação societária é preservada.

26/6/2017

1) Introdução:

A incorporação de ações encontra previsão no art. 252 da LSA (lei 6.404/76)1 e consiste na operação através da qual todas as ações de uma sociedade (incorporada) são adquiridas por outra sociedade (incorporadora), que passa a ser sua única acionista. Trata-se, portanto, de instrumento pelo qual a companhia incorporada se torna subsidiária integral da incorporadora, ensejando a existência de uma sociedade unipessoal de maneira derivada2.

Na dicção do mencionado dispositivo, quatro características se demonstram necessárias para caracterizar o instituto:

i) o capital da sociedade incorporadora deverá ser aumentado através da emissão de novas ações;
ii) tais novas ações passarão à titularidade dos anteriores acionistas da sociedade incorporada;
iii) o capital aumentado deverá ser integralizado com as ações da incorporada; e
iv) a operação pressupõe a aprovação das Assembleias-Gerais da sociedade incorporadora e da incorporada, por maioria3.

Ao tratar da natureza jurídica do instituto, a doutrina brasileira diverge em alguns aspectos que, por sua vez, são cruciais para a análise da repercussão tributária da operação. Isto porque, quanto ao acionista que integraliza o capital da incorporadora com ação da incorporada, ao receber, em lugar das ações da companhia incorporada, as ações da companhia incorporadora, caso decorra ganho de capital, a operação, sob o ponto de vista do patrimônio pessoal do acionista, poderá ser tributável através do IR e da CSLL.

Neste sentido, há, ao menos, duas correntes – ou três, sendo que a terceira pode ser considerada também como uma subcorrente da segunda, como se demonstrará mais adiante – já firmadas pela doutrina brasileira que conduzem a resultados tributários opostos.

Capitaneada pelo Professor Dr. Nelson Eizirik4, a primeira corrente trata a incorporação de ações como sub-rogação real, ou (mera) substituição de ativos de igual valor econômico, que não gera, portanto, ganho de capital, sendo tampouco tributável essa operação, sob o ponto de vista do patrimônio pessoal do ex-acionista da incorporada.

Numa segunda corrente doutrinária, defende o insigne Professor Modesto Carvalhosa, que a operação consiste em “negócio sui generis5, que importa em concomitantes incorporação e alienação fictas das ações da companhia incorporada6, podendo levar à verificação de ganho de capital, hipótese de operação tributável.

De maneira semelhante ao último entendimento, posicionam-se Luís Eduardo Schoueri e Luiz Carlos de Andrade Júnior, que sustentam que a incorporação de ações é um negócio societário típico7, que, consequentemente, enseja a apuração de ganho de capital tributável. Esta posição, assim como a defendida por Modesto Carvalhosa, pressupõe que há, na incorporação de ações, a concomitância das operações de alienação e de aquisição de ações, ainda que de maneira ficta, divergindo aquela corrente desta, apenas no que diz respeito ao caráter involuntário da transferência das ações por parte dos acionistas minoritários, atribuído por esta terceira posição doutrinária8.

As decisões e demais demonstrações de posicionamentos de órgãos administrativos até então registradas também não são uníssonas, havendo pareceres, soluções de consultas e decisões acolhendo cada uma das correntes supracitadas. Na seção 3 deste trabalho, demonstraremos como já se posicionaram a COSIT, a CVM e o CARF.

Em seguida, justificaremos nossa posição, aderindo à primeira corrente doutrinária, segundo a qual a incorporação de ações consiste na substituição das ações titularizadas pelos acionistas da companhia incorporada pelos novos valores mobiliários emitidos pela companhia incorporadora para representar o seu capital (aumentado), operação esta não passível de representação de ganho de capital tributável por IR ou CSLL, no que concerne ao patrimônio do acionista.


2) As duas (ou três) correntes doutrinárias:

a) Sub-rogação real ou mera substituição de ativos: inexistência de ganho de capital tributável


Para esta primeira corrente – defendida, entre outros nomes, por Nelson Eizirik, como dito alhures – a incorporação de ações é um instituto híbrido, que viabiliza operação típica de integração empresarial e a consequente concentração de empresas, característica do capitalismo moderno9.

Sustenta o autor que a incorporação de ações não se confunde com o simples aumento de capital por meio de subscrição das novas ações em bens (com as ações da incorporada) – que, no caso abordado, constitui mero “ato complementar e necessário à (sua) consumação”10. Neste sentido, demonstra que na subscrição de capital em bens prevista nos arts. 7º a 10 da LSA, há um contrato celebrado entre a companhia e os acionistas subscritores, ao passo que o art. 252 trata de uma relação entre as sociedades “incorporadora” e aquela cujas ações serão incorporadas.

Além disso, ao subscrever capital da nova controladora, o acionista da incorporada manifesta sua vontade de tornar-se sócio, que, segundo o autor, é prescindida no caso do acionista da sociedade cujas ações são incorporadas. Isto porque, a despeito do direito de retirar-se da sociedade, o minoritário não tem influência alguma na aprovação da operação, que se dá por maioria da Assembleia-Geral11.

Quanto a este último aspecto, o autor destaca que, mesmo os acionistas que formam o bloco de controle – cujos votos serão determinantes para a apuração do resultado da votação, ou seja, pela aprovação ou não da incorporação das ações de uma sociedade por outra –, não manifestam vontade própria, já que o exercício do direito de voto em Assembleia está sujeito ao interesse social, nos termos do art. 115 da LSA12. Daí presumir-se que a deliberação assemblear traduz a vontade da própria sociedade13.14

Desta forma, Nelson Eizirik conclui que a incorporação de ações consiste em operação pela qual as ações anteriormente detidas pelo acionista da companhia cujas ações são incorporadas são substituídas pelas novas ações emitidas pela companhia incorporadora, numa relação de substituição que compatibilize o valor da participação na controlada e o valor que essa participação passa a refletir no capital social da nova controladora. Em suas palavras:

“Verifica-se na operação de incorporação de ações uma substituição de ações. Os acionistas cujas ações foram incorporadas, independentemente de sua vontade, recebem ações da companhia incorporadora existindo no caso uma modalidade de sub-rogação1516.

O autor informa, ainda, o seguinte:

“A sub-rogação de um bem por outro, pressupõe, necessariamente, a equivalência de valores. Dessa forma, na operação de incorporação de ações, não há alteração no patrimônio do acionista cujas ações foram substituídas por novas ações da sociedade incorporadora. Aos acionistas serão atribuídas novas ações cujos valores deverão corresponder exatamente à participação que previamente detinham na sociedade que deve suas ações incorporadas”17.

Duas consequências podem ser extraídas desta corrente, quanto à análise dos efeitos tributários da incorporação de ações: i) em primeiro lugar, inexistindo alienação, nos termos do art. 3º da lei 7.713/8818 e do art. 31 do decreto-lei 1.598/7719, não se deflagra a apuração de ganho de capital20; e ii) não havendo mudança nos valores das ações titularizadas pelos acionistas da sociedade cujas ações são incorporadas – que passam a titularizar ações da incorporadora – não há perda ou ganho capaz de ensejar tributação ou dedução do resultado da operação.

b) Aumento de capital da incorporadora mediante a conferência de bens: possibilidade de ganho de capital tributável

Para esta corrente, a operação prevista no art. 252 da LSA tem natureza de aumento de capital integralizado através da conferência de bens, que, neste caso, são as ações de uma companhia. O entendimento é sustentado, por exemplo, por Fran Martins21 e por Modesto Carvalhosa22.

Ao comentar o art. 252 da LSA, Carvalhosa informa tratar-se de hipótese de constituição derivada de sociedade unipessoal, instituto amplamente aceito nos Estados Unidos e na Alemanha23. Segundo ele, “na constituição derivada, de que trata este artigo, há uma falsa incorporação, ou seja, a aquisição das ações de determinada companhia, sendo a incorporadora a única adquirente”24.

Em suas palavras, “trata-se, o negócio de incorporação de ações, ao mesmo tempo de uma incorporação e de uma alienação fictas”25. Para Carvalhosa, a ficção (i) da incorporação ocorre porque “não se incorpora uma sociedade em outra, na medida em que a incorporada subsiste como pessoa jurídica”, e, (ii) da alienação, “porque o controlador da sociedade incorporada aliena não apenas suas ações à incorporadora, mas também as dos minoritários, num negócio sui generis, que lembra a expropriação do direito administrativo”, ressalvando que, caso haja dissidência, estes terão o direito de recesso26.

O autor esclarece que a mencionada expropriação não é confiscatória, na medida em que “o controlador, ao vender ações dos minoritários da incorporada, faz com que estes recebam o número de ações da incorporadora que correspondem ao valor avaliado pelos peritos”27. Reforça-se, assim, a ideia lançada na seção anterior de equivalência de valores entre a participação que o acionista tinha na sociedade cujas ações são incorporadas e na que passa a ter na sociedade incorporadora. Porém, o autor reconhece a possibilidade de “reconhecimento e mensuração do ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill)”28, passível de tributação.

Carvalhosa prossegue a conceituação da operação prevista no art. 252 da LSA sintetizando tratar-se “de um aumento de capital da incorporadora, mediante a conferência de todas as ações de emissão da incorporada”29, o qual criaria “novos vínculos societários entre os acionistas atuais da incorporadora com os antigos acionistas da incorporada, agregando-se estes ao quadro de sócios daquela”.

c) Negócio típico peculiar ao direito tributário / alienação de ações: possibilidade de ganho de capital tributável

Em artigo dedicado à natureza societária e aos efeitos tributários da operação prevista no art. 252 da LSA publicado na Edição 200 da Revista Dialética de Direito Tributário30, Luís Eduardo Schoueri e Luiz Carlos de Andrade Jr. identificaram a existência das duas correntes doutrinárias acima elencadas. Os autores teceram críticas contra ambas, porém, com maior veemência àquela capitaneada por Nelson Ezirik – a qual conteria “uma relevante inconsistência em sua conclusão”31. A tese esposada por Modesto Carvalhosa é atacada somente no que diz respeito à “menção a transferência involuntária das ações da companhia ‘incorporada’”32, o que poderia levar à conclusão de inexistência de manifestação de vontade, o que é por eles negado ao criticar ambas as correntes.

Segundo os autores, que passam, assim, a capitanear uma terceira corrente, a manifestação de vontade dos acionistas – tanto da sociedade cujas ações são incorporadas como pelos da companhia incorporadora – se dá desde o momento em que decidem pela realização da operação societária, sujeitando-se ao princípio majoritário na condução dos negócios sociais. Sua vontade também é (ainda que tacitamente) manifestada ao não exercerem o direito de retirada previsto nos parágrafos 1º e 2º do art. 252.

Ao criticarem a primeira corrente abordada neste artigo (sub-rogação real), os autores sustentam a inexistência de identidade, tanto no que diz respeito à da relação originária (participação na sociedade cujas ações são incorporadas), como acerca do papel desempenhado pelo bem substituído (conferência de direitos com relação à sociedade que incorpora as ações da primeira). Segundo eles, há no art. 252, pura substituição das ações de uma pelas da outra, o que seria irrelevante para o Direito.

Prosseguem a crítica afirmando que “ainda que houvesse sub-rogação real na operação, haveria transferência das ações”, que, para eles, “é, sob qualquer perspectiva, inegável”33. Os autores interpretam o art. 252 – que não especifica a que título se dá a substituição das ações – em conjunto com o art. 9º da LSA e concluem que há, na operação, a alienação das ações da sociedade “incorporada” pela sociedade “incorporadora”.

Daí entender-se que os autores inovam, criando uma terceira corrente34 a respeito da natureza jurídica da incorporação de ações, que, segundo eles, é:

“i) um negócio típico do Direito Societário, voltado à concentração empresarial; ii) que se operacionaliza mediante: a) o aumento de capital da sociedade 'incorporadora', em regime extraordinário, porquanto ausente o direito de preferência dos acionistas desta; b) a subscrição e a integralização deste por meio da transferência das ações da sociedade ‘incorporada’, também sob regime extraordinário, uma vez que a lei atribui à diretoria desta sociedade uma autorização para fazê-lo no lugar dos acionistas; iii) que apresenta os seguintes efeitos: a) alienação das ações da ‘incorporada’, a título de integralização do capital da ‘incorporadora’; b) transformação dos sócios da ‘incorporada’ em sócios da ‘incorporadora’; e c) conversão da ‘incorporada’ em subsidiária integral da ‘incorporadora’.”35

Por fim, os autores sustentam a possibilidade de transferência das ações incorporadas à companhia “incorporadora” por valor distinto daquele pelo qual foi adquirido pelos antigos acionistas da sociedade cujas ações são incorporadas em decorrência da avaliação pericial destas ações. Shoueri e Andrade Jr. defendem que isto “pode acarretar a apuração de ganho ou perda de capital, com reflexos na apuração de IRPJ e da CSLL”36.

3) Entendimentos dos órgãos reguladores (COSIT, CVM e CARF):


a) COSIT

Compete à Coordenação-Geral de Tributação, órgão da Secretaria da Receita Federal, solucionar, em única instância37, as consultas sobre interpretação da legislação tributária e aduaneira relativa, entre outros temas, aos tributos administrados pela Secretaria Federal do Brasil, nos termos da Instrução Normativa RFB 1.396, de 16 de setembro de 2013.

No âmbito desta competência, proferiu a Solução de Consulta 224, de 14 de agosto de 201438, cujo consulente declarou ser acionista minoritário de sociedade em vias de tornar-se subsidiária integral de outra, questionando se haveria a incidência de obrigação tributária em decorrência da operação e se a incorporação de ações caracterizaria uma transferência de bens a título de integralização de capital.

Entendeu a Cosit consistir a incorporação de ações em “operação de integralização de capital mediante entrega de bens, tendo em vista os efeitos patrimoniais para o sócio, o qual, ao adquirir participação societária atual, entrega ações anteriormente possuídas”. E, por considerar existente a alienação de bens, a operação estaria sujeita à apuração de ganho de capital, nos termos do art. 3º da lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988.

b) CVM

Por outro lado, a CVM já acolheu a tese defendida pela corrente doutrinária capitaneada por Nelson Eizirik. Em parecer destinado a responder consulta formulada pelo SINDCOR – Sindicato das Corretoras de Valores do Estado de São Paulo nos autos do Processo CVM RJ-2014-2584, sustentou-se que a incorporação de ações é distinta do aumento de capital, com lastro em posicionamento já adotado pelo mesmo órgão no âmbito do processo CVM RJ-2010-13425. Destacou-se, à ocasião do voto vencedor em 2011, que a “incorporação de ações é compulsória e determinada pela maioria do capital votante de cada uma das companhias envolvidas em deliberação assemblear”, caracterizando-se a operação como sub-rogação legal real.

c) CARF

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – órgão colegiado integrante da estrutura do Ministério da Fazenda que tem por finalidade julgar recursos de decisão de primeira instância, bem como os recursos de natureza especial que versem sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB)39 – também já se posicionou a respeito do tema em algumas oportunidades, acolhendo ora uma, ora outra corrente.

Em março de 2015, ao julgar o Recurso Voluntário 2202002.187 (Processo 10680.726772/201188), sua 2ª Câmara proferiu o Acórdão 9202-003.579 acolhendo a tese de que a incorporação de ações consiste em sub-rogação real. Transcrevemos a ementa deste julgado:

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA - IRPF
Exercício: 2008
IRPF - OPERAÇÃO DE INCORPORAÇÃO DE AÇÕES - INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO DE GANHO DE CAPITAL.
A figura da incorporação de ações, prevista no artigo 252 da lei 6.404/76, difere da incorporação de sociedades e da subscrição de capital em bens. Com a incorporação de ações, ocorre a transmissão da totalidade das ações (e não do patrimônio) e a incorporada passa a ser subsidiária integral da incorporadora, sem ser extinta, ou seja, permanecendo com direitos e obrigações. Neste caso, se dá a substituição no patrimônio do sócio, por idêntico valor, das ações da empresa incorporada pelas ações da empresa incorporadora, sem sua participação, pois quem delibera são as pessoas jurídicas envolvidas na operação.
Os sócios, pessoas físicas, independentemente de terem ou não aprovado a operação na assembleia de acionistas que a aprovou, devem, apenas, promover tal alteração em suas declarações de ajuste anual.
Ademais, nos termos do artigo 38, § único, do RIR/99, a tributação do imposto sobre a renda para as pessoas físicas está sujeita ao regime de caixa, sendo que, no caso, o contribuinte não recebeu nenhum numerário em razão da operação autuada.
Não se aplicam à incorporação de ações o artigo 3°, § 3°, da lei 7.713/88, nem tampouco o artigo 23 da lei 9.249/95. Inexistência de fundamento legal que autorize a exigência de imposto de renda pessoa física por ganho de capital na incorporação de ações em apreço.Recurso especial negado. (ênfases acrescidas)

Em março de 2015, o CARF firmou posição diversa através do acórdão 1301-001.78740. E, em dezembro do mesmo ano, a 3ª Câmara do mesmo órgão proferiu o acórdão 1301-001.85641, em que esposou outra posição. Neste julgado, o CARF entendeu que a transferência de ações decorrente da incorporação prevista no art. 252 da LSA é espécie do gênero alienação e que, havendo diferença positiva entre os valores atribuídos à ação, há ganho de capital a ser tributado. Reproduz-se trecho da ementa:

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA IRPJ
Ano calendário: 2008
(...)
GANHO DE CAPITAL. ALIENAÇÃO. Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos. A alienação é gênero, do qual a transferência das ações, nos termos do art. 252 da lei 6.404, de 1976, é espécie.
INCORPORAÇÃO DE AÇÃO.
Na incorporação de ações, há alienação pelos acionistas da incorporada de seus ativos, nos termos do art. 3º, § 3º, da lei 7.713, de 1988, sendo a transmissão da propriedade dos ativos onerosa e avaliada em moeda corrente. Assim, havendo diferença positiva entre o valor da transmissão e o respectivo custo de aquisição, esta deve ser tributada como ganho de capital, independentemente da existência de fluxo financeiro. (...) (ênfases acrescidas)42

26/4/17, o mesmo entendimento foi reiterado pela 1ª TO-4ªCÂMARA-3ªSEÇÃO-CARF-MF-DF através do acórdão 341-003.752, em que se consignou que, a despeito dos votos em sentido contrário – vencidos – “o posicionamento da turma sobre o tema (...) é o de que a ‘incorporação de ações’ caracteriza uma alienação”.

4) Conclusão:

A despeito das rigorosas críticas travadas por Schoueri e Andrade Junior e do seu recente abandono pelos órgãos decisórios fiscais, filiamo-nos à corrente liderada por Nelson Eizirik. Entendemos ser mais adequado categorizar a incorporação de ações prevista no art. 252 da LSA como sub-rogação real, na medida em que a operação tem o claro intuito de viabilizar que uma companhia passe à condição de subsidiária integral daquela que adquire suas ações, sobressaindo-se sua vocação para a concentração empresarial.

Assim, não buscam os acionistas ou a sociedade adquirente (figuras afetadas pela aquisição ou perda de titularidade das ações incorporadas) lucrar com a compra ou venda de títulos de participação societária – senão com o desenvolvimento das atividades de ambas as sociedades, que passam a atuar em grupo. Isto é, tanto os detentores das ações adquiridas por outra companhia como a companhia adquirente vislumbram na incorporação de ações um instrumento para viabilizar a integração das duas companhias.

Feita esta observação, concluímos que a operação não pressupõe, necessariamente, que o valor atribuído às ações da companhia incorporadora recém-emitidas e entregues aos acionistas que detinham ações da companhia cujas ações são incorporadas seja superior ao conferido às ações que eles detinham em primeiro lugar. A relação de substituição deve ser considerada como ponto crucial da análise. Ela faz com que a participação que contribui para o capital da controladora reflita o percentual que proporcional no capital social da controladora.

Haverá interesse pessoal e social – ou seja, dos acionistas individualmente considerados e da Assembleia-Geral constituída por tais acionistas – na incorporação de ações independentemente de o valor ofertado pela companhia incorporadora ser superior à somatória de todas as ações da companhia cujas ações são incorporadas, isto é, independentemente de ágio na operação.

No entanto, não é este o cerne da questão, pois mesmo que o ágio exista, não há, na incorporação de ações, alienação, de forma a inviabilizar-se a tributação de eventual diferença patrimonial positiva na propriedade dos acionistas. Há, como já apresentado em tópicos anteriores, a sub-rogação real: o acionista, que antes titularizava ações de uma companhia, passa a titularizar ações de outra companhia, mantendo-se na condição de acionista indireto daquela primeira43.

Certamente que a substituição de um bem por outro acarreta mudanças, já que as duas companhias podem ter distinções, como de objeto social, política, valores, mas a condição de titular de participação societária é preservada.

Além disso, a prevalecer o argumento de que não se pode conceber a incorporação de ações como sub-rogação real simplesmente porque o acionista passa a ter participações em companhia diversa daquela de que inicialmente participava, coloca-se em xeque o próprio instituto da sub-rogação, já que qualquer mudança (quer de partes em uma relação, quer de objeto) acarretará, a rigor, uma nova relação.

Sendo assim, o acionista de companhia cujas ações são incorporadas para que esta se torne subsidiária integral da companhia que adquire a totalidade das suas ações, ao receber ações recém-emitidas pela sociedade “incorporadora” não troca a relação jurídica, senão apenas o objeto de tal relação (daí a natureza de sub-rogação real). Desta forma, somente ocorrerá tributação sobre ganho de capital que venha a ser apurado no momento em que, eventualmente, as ações da companhia “incorporadora” forem alienadas.

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CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. 4º volume: tomo II: arts. 243 a 300: lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com as modificações da lei n. 11.941, de 27 de maio de 2009 – 4ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011

EIZIRIK, Nelson. Incorporação de ações: Aspectos Polêmicos. In: WARDE JR., Walfrido Jorge (Coord.). Fusão, Cisão, Incorporação e Temas correlatos. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 77-99.

NEDER, Marcos. CARF mantém tributação nas operações de incorporação de ações.

QUEIROZ E SILVA, Jules Michelet Pereira. Imposto de Renda Retido na Fonte na Incorporação de Ações. Revista da PGFN. Brasília, ano IV, Número 7, 2014.

SCHOUERI, Luís Eduardo, ANDRADE JR., Luiz Carlos de. Incorporação de Ações: Natureza Societária e Efeitos Tributários. REVISTA DIALÉTICA DE DIREITO TRIBUTÁRIO (RDDT). n. 200, mai. 2012, p. 44-72.

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1. "Lei 6.404/76, Art. 252. A incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira, para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à deliberação da assembleia-geral das duas companhias mediante protocolo e justificação, nos termos dos artigos 224 e 225.

§ 1º A assembleia-geral da companhia incorporadora, se aprovar a operação, deverá autorizar o aumento do capital, a ser realizado com as ações a serem incorporadas e nomear os peritos que as avaliarão; os acionistas não terão direito de preferência para subscrever o aumento de capital, mas os dissidentes poderão retirar-se da companhia, observado o disposto no art. 137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230.

§ 2º A assembleia-geral da companhia cujas ações houverem de ser incorporadas somente poderá aprovar a operação pelo voto de metade, no mínimo, das ações com direito a voto, e se a aprovar, autorizará a diretoria a subscrever o aumento do capital da incorporadora, por conta dos seus acionistas; os dissidentes da deliberação terão direito de retirar-se da companhia, observado o disposto no art. 137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230.

§ 3º Aprovado o laudo de avaliação pela assembleia-geral da incorporadora, efetivar-se-á a incorporação e os titulares das ações incorporadas receberão diretamente da incorporadora as ações que lhes couberem. § 4o A Comissão de Valores Mobiliários estabelecerá normas especiais de avaliação e contabilização aplicáveis às operações de incorporação de ações que envolvam companhia aberta."

2. O art. 251 da LSA também prevê a possibilidade da unipessoalidade originária, quando a companhia já é constituída como subsidiária integral de outra.

3. Os parágrafos 1º e 2º do art. 252 da LSA preveem, respectivamente, direito de retirada aos acionistas da incorporadora e da incorporada que forem dissidentes da operação, nos termos do Art. 137 do mesmo diploma legal.


4. EIZIRIK, Nelson. Incorporação de ações: Aspectos Polêmicos. In: WARDE JR., Walfrido Jorge (Coord.). Fusão, Cisão, Incorporação e Temas correlatos. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 77-99.

5. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 4º volume: tomo II: arts. 243 a 300: lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, com as modificações da lei 11.941, de 27 de maio de 2009 – 4ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 172

6. CARVALHOSA, op. cit., p. 172.

7.
SCHOUERI, Luís Eduardo, ANDRADE JR., Luiz Carlos de. Incorporação de Ações: Natureza Societária e Efeitos Tributários. REVISTA DIALÉTICA DE DIREITO TRIBUTÁRIO (RDDT). n. 200, mai. 2012, p. 45.

8.
Os autores entendem que os acionistas minoritários, ao tornarem-se sócios, aceitaram submeter-se à vontade majoritária da Assembleia-Geral da sociedade. Além disso, os acionistas minoritários que não exerçam o direito de retirada também tacitamente manifestariam sua vontade no sentido da realização do negócio.

9.
EIZIRIK, op. cit., pp. 78-79.

10.
EIZIRIK, op. cit., p. 80.

11.
EIZIRIK, op. cit., pp. 81-82.

12.
“Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas. § 1º o acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia. § 2º Se todos os subscritores forem condôminos de bem com que concorreram para a formação do capital social, poderão aprovar o laudo, sem prejuízo da responsabilidade de que trata o § 6º do artigo 8º. § 3º o acionista responde pelos danos causados pelo exercício abusivo do direito de voto, ainda que seu voto não haja prevalecido. § 4º A deliberação tomada em decorrência do voto de acionista que tem interesse conflitante com o da companhia é anulável; o acionista responderá pelos danos causados e será obrigado a transferir para a companhia as vantagens que tiver auferido. (...)”

13.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2, p. 451 apud EIZIRIK op. cit., p. 86.

14.
EIZIRIK, op. cit., pp. 85-86.

15.
XAVIER, Alberto. Incorporação de ações: natureza jurídica e regime tributário. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (Coords.) Sociedade Anônima: 30 anos da lei 6.404/76. São Paulo: Quartier Latin, 2007, apud. EIZIRIK op. cit., p. 89.

16.
EIZIRIK, op. cit., p. 89.

17.
EIZIRIK, op. cit., p. 89.

18.
Lei que altera a legislação do imposto de renda e dá outras providências, aplicável a acionistas pessoas físicas.

19. Decreto que que altera a legislação do imposto de renda, aplicável a acionistas pessoas jurídicas.

20.
SCHOUERI e ANDRADE JR., op. cit., p. 60.

21. MARTINS, Fran. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, v. 3, Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 316, apud SCHOUERI e ANDRADE JR., op. cit., p. 47.

22. CARVALHOSA, op. cit.

23. CARVALHOSA, op. cit., p. 172.

24.
CARVALHOSA, op. cit., p. 172.

25. CARVALHOSA, op. cit., p. 172.

26. CARVALHOSA, op. cit., p. 172.

27. CARVALHOSA, op. cit., p. 172.

28. CARVALHOSA, op. cit., p. 175.

29. CARVALHOSA, op. cit., p. 180.

30.
SCHOUERI e ANDRADE JR., op. cit.

31. SCHOUERI e ANDRADE JR., op. cit, p. 48.

32. SCHOUERI e ANDRADE JR., op. cit, p. 59.

33.
SCHOUERI e ANDRADE JR., op. cit, p. 58.

34.
QUEIROZ E SILVA, Jules Michelet Pereira. Imposto de Renda Retido na Fonte na Incorporação de Ações. Revista da PGFN. Brasília, ano IV, Número 7, 2014.

35.
SCHOUERI e ANDRADE JR., op. cit, p. 59.

36.
SCHOUERI e ANDRADE JR., op. cit, p. 60.

37. Art. 48 da lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996.

38. Ementa: “ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF INCORPORAÇÃO DE AÇÕES. TRANSFERÊNCIA. INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL. PESSOA FÍSICA. GANHO DE CAPITAL. INCIDÊNCIA. Na operação de incorporação de ações, a transferência destas para o capital social da companhia incorporadora caracteriza alienação cujo valor, se superior ao indicado na declaração de bens da pessoa física que as transfere, é tributável pela diferença a maior, como ganho de capital, na forma da legislação. Dispositivos Legais: lei 6.404, de 1976, art. 252; lei 7.713, de 1988, art. 3°; lei 9.249, de 1995, art. 23; e Instrução Normativa SRF 84, de 2001, arts. 2º, 3º, 16, 27 e 30.”

39.
Art. 1º do Anexo I da Portaria MF 343, de 09 de junho de 2015, disponível em: (Clique aqui).

40. “(...) sujeita-se à incidência do Imposto de Renda Pessoa Jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a título de ganho de capital, a diferença entre o valor das ações incorporadas ao capital de outra sociedade e o montante representativo das novas ações recebidas em virtude de tal incorporação. Irrelevantes, no caso, a ausência de fluxo financeiro e de manifestação de vontade do titular das ações alienadas (...)”

41. “(...) INCORPORAÇÃO DE AÇÃO. Na incorporação de ações, há alienação pelos acionistas da incorporada de seus ativos, nos termos do art. 3º, § 3º, da lei 7.713, de 1988, sendo a transmissão da propriedade dos ativos onerosa e avaliada em moeda corrente. Assim, havendo diferença positiva entre o valor da transmissão e o respectivo custo de aquisição, esta deve ser tributada como ganho de capital, independentemente da existência de fluxo financeiro. (...)”

42. NEDER, Marcos. CARF mantém tributação nas operações de incorporação de ações.

43. Aquele que é acionista de controladora, também o é, indifretamente da controlada. Ou seja, o acionista é mantido na participação societária, ainda que indiretamente, da controlada, daquela que detinha participação direta.

____________

*Pablo Gonçalves Arruda é advogado e sócio do escritório SMGA Advogados.

*Natália de Moura Soares é advogada e sócia do escritório SMGA Advogados.

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