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Justiça brasileira decide que aplicativo não tem responsabilidade por perda de voo

O usuário de aplicativo que intermedia a contratação de serviços de transporte individual deve contratar o serviço com tempo suficientemente adequado para embarcar.

30/3/2017

Os Tribunais brasileiros têm recebido nos últimos meses diversos pedidos de indenização contra empresas de tecnologia cuja atividade é a intermediação de serviços de transporte individual privado (e.g. Uber) em virtude de supostos atrasos e consequentes perdas de voos por usuários que contrataram os serviços de tais aplicativos e, especialmente, de seus motoristas parceiros para se deslocarem até aeroportos.

Como ocorre com toda inovação, é natural que haja um período de adaptação dos usuários e do público em geral, sendo certo que o ajuizamento de ações como as descritas acima faz parte do mencionado período de adaptação.

Todavia, a existência de uma novidade na forma pela qual o usuário realiza a contratação de serviço de transporte individual privado não retira daquele que se dirige ao aeroporto -- no caso o usuário de aplicativo tecnológico -- a necessidade de se cercar da cautela adequada para chegar ao aeroporto a tempo e modo. Ou seja, o usuário de aplicativo que intermedia a contratação de serviços de transporte individual deve contratar o serviço com tempo suficientemente adequado para embarcar (a recomendação da ANAC é de que o viajante deve estar no aeroporto ao menos uma hora antes do embarque para voos nacionais e três para voo internacionais), bem como cercar-se das preocupações atinentes ao trânsito intenso que assola as grandes cidades.

Nesse sentido, os Tribunais têm recorrentemente julgado improcedentes ações contendo pedidos de indenização contra empresas de tecnologia que operam aplicativos de intermediação para serviço de transporte individual privado, como a UBER, em virtude das mencionadas perdas de voos. Veja-se, abaixo, alguns exemplos de decisões judiciais acertadas proferidas acerca do tema:

"Assim, no presente caso, entendo que a chamada do transporte apenas 10 minutos antes do horário recomendado pela ANAC para apresentação para voo doméstico, constitui culpa exclusiva da autora, o que afasta a responsabilidade civil do prestador de serviços pelos danos morais e materiais apontados, nos termos do art. 14, § 3º, inciso II, do CDC. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS iniciais e declaro extinto o processo, com julgamento do mérito, o que faço com fundamento no art. 487, inciso I do Código de Processo Civil". (Processo nº 0727124-38.2016.8.07.0016 – 3º Juizado Especial Cível de Brasília. Proferida em 27/10/2016)

"Oportuno ainda consignar que, o horário em que os autores trafegaram e o local em que o primeiro autor foi pego, são locais de tráfego intenso no horário da realização do transporte, de forma que não se pode presumir que a perda do vôo foi decorrente de desídia do motorista que utilizou caminho mais longo. Desse modo, não restou demonstrado o defeito na prestação do serviço na forma do art. 14 do CDC ao ponto de se concluir pela responsabilidade do réu. Com efeito, como não restou demonstrado o defeito na prestação do serviço ofertado pela ré e tampouco do motorista contratado através do aplicativo do réu, não se pode falar em sua responsabilidade pelo evento, não havendo, portanto, motivo para se acolher o pleito de indenização por danos materiais e quiçá de danos morais". Posto isso, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDO E EXTINTO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO NA FORMA DO ART. 487, I DO CPC.
(Processo nº 0399268-87.2016.8.19.0001 – 5º Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro. Proferida em 08/02/2017)

"Não obstante as alegações e reclamações do autor, o documento de f. 22 comprova que o trajeto de 42,52 km demorou 57m36s, ou seja, menos de uma hora e com velocidade média de quase 45km/h, o que é totalmente compatível com a cidade de São Paulo/SP. Inclusive, em consulta ao Site do Google Maps2, o mesmo caminho percorrido pelo autor, apresenta tempo estimado de 53 a 57 minutos, ou seja, praticamente idêntico ao do percurso do autor. Ademais, em se tratando da maior cidade do Brasil, com notórios problemas de trânsito, se o voo do autor estava previsto para às 22h15 deveria ele, por prudência e precaução, se dirigir ao aeroporto (a quase 50km de distância) com, no mínimo, 2h30m de antecedência, o que não ocorreu, tendo em vista que saiu às 20h30. Destarte, compulsando as provas e alegações produzidas nos autos, não vislumbro, sequer em tese, qualquer conduta ilícita do réu ou falha na prestação do serviço, razão pela qual a improcedência dos pedidos é medida que se impõe".
(Processo nº 0811127-91.2016.8.12.0110 – 1ª Vara do Juizado Especial Cível Central de Campo Grande. Proferida em 08/12/2016).

Como se vê nos exemplos de julgados, pode-se concluir que os Tribunais têm analisado tais casos com a adequada atenção, com a distribuição de responsabilidade civil de acordo com a esfera de responsabilidade de cada ente atuante no mercado, de modo que não sejam reprimidas a atividade econômica e a inovação tecnológica.

Ademais, é muito comum que a estimativa de tempo a ser gasto em determinado trajeto entre um ponto e outro de uma cidade seja alterada durante o curso da própria viagem, especialmente quando acontece um acidente ou mesmo quando ocorre a precipitação de uma forte chuva.

Portanto, aos usuários de tais plataformas de tecnologia, que agora têm mais formas de se movimentar pelas cidades, continua a ser importante se precaver na hora de pegar o voo, planejando a sua ida ao aeroporto levando em conta os desafios de mobilidade presentes em nossas cidades.

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*Gustavo Lorenzi de Castro é sócio do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados.


*Caio Scheunemann Longhi é advogado da Uber do Brasil Tecnologia.

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