No último dia útil de 2016, foi publicada a LC 157/16 que, exercendo o seu papel de norma geral em matéria tributária1, prescreveu novas regras sobre a cobrança do Imposto sobre Serviços (ISS) a serem seguidas pelos Municípios e pelo DF. De forma sintética, três são as regras principais dessa legislação complementar nacional que devem ser observadas desde já no processo de atualização da legislação municipal que trata da cobrança do ISS de cada ente federado.
1. Alíquota mínima de ISS e improbidade administrativa
O primeiro ponto a ser observado é a inclusão do art. 8º-A no texto da LC 116/03 com a prescrição de que o valor mínimo de alíquota que poderá ser adotado pelos municípios e pelo DF para a cobrança do ISS é de 2% (dois por cento). Além disso, o §1º desse art. 8º-A estabeleceu que o ISS "não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado, ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima estabelecida no caput, exceto para os serviços a que se referem os subitens 7.02, 7.05 e 16.01 da lista anexa" à LC 116/03.
Entretanto, não se trata, na verdade, de um limite tão novo assim. O art. 156, §3º, inciso I da Constituição Federal já determinava, desde a EC 3/93, que caberia à lei complementar fixar as alíquotas máximas e mínimas do ISS. Por sua vez, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com a alteração feita pela EC 37/02, passou a prever expressamente em seu art. 88, inciso I, que, enquanto não fosse estipulada, em lei complementar, a alíquota mínima do ISS, ela seria de 2% (dois por cento).
Considerando que a lei complementar atualmente vigente que trata sobre a cobrança de ISS é a LC 116/03 e que, até então, essa lei prescrevia, em seu art. 8º, apenas um valor máximo de alíquota que poderia ser adotado na cobrança do ISS, que era e ainda é de 5% (cinco por cento)2, é possível afirmar que o valor mínimo de 2% previsto pelo ADCT já era plenamente aplicável e de observância obrigatória pelos municípios e pelo DF antes mesmo da edição da LC 157/16. Podemos fundamentar esse entendimento nas lições do professor Aires F. Barreto, quando analisou o advento da mencionada EC 37/2002, conforme transcrito a seguir:
Não havia nas Constituições anteriores a figura da alíquota mínima (...) até o recente advento da Emenda Constitucional 37, de 12 de junho de 2002. Por força dessa Emenda – até que lei complementar disponha a respeito – a alíquota mínima do ISS será de 2% (dois por cento), exceto, diz a Emenda, 'para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao decreto-lei 406, de 31 de dezembro de 1968'.
Os Municípios cujas leis já preveem alíquotas iguais ou superiores a 2% não precisam adotar nenhuma medida. Todavia, se, em princípio, sua lei fixa uma alíquota de 4%, mas em virtude da concessão de incentivos, em termos efetivos ela se reduz para 1%, o Município deverá elevá-la para 2%. Igual providência deverá ser tomada em Municípios em que não há incentivos, mas a alíquota ora vigente é inferior a 2%.3
Entretanto, muitos municípios não cumpriam aquela determinação do art. 88, inciso I do ADCT. Seja com a previsão expressa de alíquotas em valores inferiores a 2%, seja com a concessão de benefícios fiscais que, indiretamente, reduziam o valor efetivo da alíquota para menos de 1%, esses municípios contavam com a falta de interesse dos contribuintes em questionar a constitucionalidade dessas leis municipais, haja vista que eram beneficiados com o pagamento de valores menores de ISS.
A grande novidade trazida pela LC 157/16 em relação a esse ponto foi a previsão de efeitos jurídicos negativos para os entes federados que descumprirem esse limite mínimo de alíquota de ISS. O primeiro desses efeitos é a nulidade da lei ou do ato administrativo que prescreva a aplicação de alíquota inferior a 2% no cálculo do ISS incidente sobre serviço prestado a tomador ou a intermediário que esteja localizado em Município diferente daquele onde está o prestador do serviço (art. 8º-A, §2º, que foi incluído na LC 116/03). E como consequência dessa nulidade, será garantido a esse prestador o direito de pleitear, junto ao ente federado que desrespeitou aquele limite legal, a restituição do valor do ISS pago a ele. Com isso, o ente que abriu mão de cobrar o valor mínimo de ISS prescrito pela lei complementar nacional não terá direito à receita cobrada com fundamento na lei municipal que previu alíquota inferior a 2%, em razão da nulidade dessa lei quando aplicada na tributação de serviço prestado para tomadores ou intermediários localizados no território de outro Município.
2. Benefícios fiscais na cobrança de ISS
Outro efeito previsto pela LC 157/16 para os municípios que cobrarem o ISS com valor de alíquota inferior a 2% atinge diretamente o administrador público que autorizar, por ação ou omissão, a concessão, a aplicação ou a manutenção desse benefício: a caracterização de tal conduta como ato de improbidade administrativa, punível com a "perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido" (art. 10-A e inciso IV do art. 12, incluídos na lei 8.429/92 pela LC 157/16). Eis o principal motivo de alerta para os prefeitos municipais em relação a essa nova lei: a sua responsabilidade pela revisão e pela adequação da legislação municipal que trata da cobrança do ISS no território do seu Município às normas gerais prescritas por ela.
Ou seja, os chefes dos Poderes Executivos Municipais devem primeiramente verificar se, na legislação municipal, está previsto algum benefício tributário ou financeiro relacionado à cobrança do ISS, seja com a indicação expressa de alíquota inferior a 2%, seja com a concessão de isenções ou de créditos presumidos ou outorgados no cálculo do imposto devido. Se houver, é necessário que essa legislação seja revogada, no máximo, até o dia 30 de dezembro de 2017, quando termina o prazo previsto no art. 6º da LC 157/16 para tanto. É somente a partir dessa data que será produzido o efeito de caracterização do ato de improbidade administrativa mencionado anteriormente, conforme previsão do art. 7º, §1º da mesma lei. Contudo, é aconselhável que essa revogação seja feita o mais rápido possível, a fim de evitar a manutenção de uma legislação municipal que possibilite aos contribuintes a solicitação de benefícios fiscais ainda em vigor, mas que não têm mais validade.
Sobre esse ponto, é importante fazer uma ressalva: no nosso entendimento, caso haja lei municipal que tenha concedido isenção condicionada de ISS a prestadores de serviço e essa isenção ainda esteja dentro do seu prazo de vigência, os prestadores que atenderam às condições previstas por essa lei têm direito adquirido à manutenção dessa isenção até o final do prazo previsto nessa mesma lei, ainda que ultrapasse o dia 30 de dezembro de 2017. Ou seja, mesmo que essa lei municipal seja revogada para evitar a concessão desse benefício a novos contribuintes, aqueles benefícios já concedidos aos que arcaram com o ônus necessário para a sua obtenção devem ser mantidos em respeito à sua segurança jurídica. Devem ser observadas, nesse caso, as disposições do art. 104, inciso III e do art. 178, ambos do Código Tributário Nacional, reforçadas pelo enunciado da Súmula 544 do STF: "isenções tributárias concedidas sob condição onerosa não podem ser livremente suprimidas".
Essa também era a opinião do professor Aires F. Barreto a respeito desse tipo de isenção quando a EC 37/02 incluiu o art. 88, inciso II no ADCT, que trazia proibição semelhante:
Convém ter presente, no entanto, que se a fixação das alíquotas decorre da concessão das chamadas isenções condicionadas, isso é, aquelas concedidas por prazo certo e mediante condições, não poderão ser atingidas pelos termos da Emenda Constitucional. O que ela inibe é a concessão de novas isenções4.
O professor José Eduardo Soares de Melo também defendia a existência de direito adquirido dos contribuintes beneficiados por esse tipo de isenção ao analisar a mudança trazida por aquela Emenda:
Portanto, a partir do mês de agosto de 2003, os Municípios devem observar a alíquota mínima de 2% (dois por cento) (...). Entretanto, esta regra não deve prevalecer caso a legislação do Município haja estabelecido, exemplificativamente no ano de 2000, alíquota inferior equivalente a 0,5% (meio por cento) à prevista na Emenda Constitucional n.º 37/02, exemplificativamente de 2% (dois por cento), para um período de 10 (dez) anos, exemplificativamente de 2001 a 2010, inclusive, relativamente às empresas que tenham se fixado naquela localidade.
Nesta situação, os contribuintes estarão garantidos por direito adquirido, incorporado ao seu patrimônio jurídico, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, em razão da postura adotada pelo STF, no sentido de que ‘(...) isenções tributárias concedidas sob condição onerosa não podem ser livremente suprimidas’ (Súmula n.º 544), consoante o disposto no artigo 178, do CTN.5
Os prefeitos municipais devem atentar também para as novas leis municipais sobre a cobrança do ISS que serão publicadas a partir deste ano. É muito comum verificar, no início de um exercício financeiro, a publicação de novas leis municipais que tratam sobre isenções, parcelamentos ou outros tipos de benefícios fiscais que serão concedidos durante esse exercício que não passam de meras reproduções das leis que foram publicadas e aplicadas em exercícios anteriores, sem uma análise prévia para correção dos pontos que não são mais válidos e retirada das questões problemáticas. Por isso, caso seja necessária à concessão de algum tipo de benefício fiscal a partir deste ano, deve-se analisar com cautela cada questão que será tratada pela nova lei e a sua observância às disposições da LC 157/16 e ao art. 14 da LC 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal).
É importante salientar que, apesar de estabelecer esse valor mínimo de alíquota para a cobrança do ISS incidente sobre o preço do serviço, a LC 157/16 não retirou a possibilidade de tributação de ISS em valor fixo dos serviços prestados em caráter pessoal, conforme previsto no art. 9º, §§1º e 3º do decreto-lei 406/68. Considerando que a LC 116/03 já não havia previsto expressamente a revogação desse artigo e esta nova lei complementar manteve o silêncio a esse respeito, é possível afirmar que os profissionais que exercem atividades em caráter pessoal continuam a ter o direito de serem tributados de forma fixa, independentemente do seu faturamento.
3. Alteração da lista de serviços tributáveis por meio do ISS
A LC 157/16 também provocou alterações na lista de atividades consideradas como prestações de serviços tributáveis por meio do ISS, que consta anexa à LC 116/03. Foram alterados os itens 1.03, 1.04, 7.16, 11.02, 13.05, 14.05, 16.01 e 25.02. Ainda foram incluídos novos itens nessa mesma lista: itens 1.09, 6.06, 14.14, 16.02, 17.25 e 25.05. Não analisaremos, neste trabalho, a constitucionalidade da inclusão de cada uma dessas novas atividades na lista taxativa que define qual é a materialidade que pode ser tributada por meio do ISS, o que demandaria a verificação da adequação da natureza dessas atividades ao conceito constitucional de "prestação de serviço" adotado pelo constituinte de 1988 na atribuição dessa competência tributária para municípios e DF. Partiremos do pressuposto de validade dessas normas que hoje fazem parte do ordenamento jurídico brasileiro.
Sendo assim, para que um município possa começar a exigir o ISS sobre o exercício de qualquer uma dessas novas atividades, é necessário que altere a legislação municipal que atualmente cuida da cobrança do ISS em seu território e inclua, em seu texto, a previsão dessas novas atividades. Isso porque a publicação da LC 157/16 apenas definiu quais as novas atividades que passaram a fazer parte do campo de atuação dos municípios e do DF na cobrança do ISS, mas não instituiu a cobrança desse imposto municipal sobre essas atividades. Só a partir da alteração da legislação municipal é que o ISS poderá ser exigido sobre essas atividades para os sujeitos que prestarem esses serviços no território esse Município.
Observe-se, porém, que a inclusão dessas novas atividades na lei municipal que trata da cobrança do ISS caracteriza a criação de um novo tributo. Como tal, em respeito ao princípio constitucional da anterioridade (CF, art. 150, II, "b"), essa lei somente poderá ser aplicada a partir do exercício financeiro seguinte àquele em que foi aprovada. E, além disso, para que possa ser aplicada já a partir do primeiro dia desse exercício seguinte, é necessário que essa aprovação ocorra até 90 dias antes do término do exercício financeiro atual, conforme prescreve o princípio constitucional da anterioridade nonagesimal (CF, art. 150, II, "c"). Então, para que os municípios possam começar a cobrar o ISS sobre essas novas atividades elencadas a partir do dia 1º de janeiro de 2018, é necessário que elaborem projetos de leis para incluí-las em suas respectivas legislações e que estes projetos sejam aprovados pelo Legislativo Municipal e promulgados pelo prefeito até o dia 30 de setembro de 2017. Caso essa alteração ocorra após essa data, a nova lei somente produzirá os seus efeitos apenas após o transcurso de noventa dias da data de sua publicação.
4. Considerações finais
Em síntese, a proposta deste artigo foi a de apresentar aos administradores municipais as novas regras gerais sobre a cobrança do ISS que foram trazidas pela LC 157/16 e tecer algumas considerações sobre os procedimentos que devem ser observados pelos municípios para adequarem as suas legislações respectivas. Ressalva-se, contudo, que muito há que se refletir sobre a constitucionalidade dessas novas regras e sobre a sua interferência na autonomia dos municípios.
___________
1 Constituição Federal. Art. 146. Cabe à lei complementar:(...)
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
2 Lei Complementar 116/2003, art. 8º, inciso II.
3 BARRETO, Aires F. ISS na Constituição e na Lei. 3 ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 429-430).
4 BARRETO, Aires F. Op. cit., p. 430.
5 MELO, José Eduardo Soares de. ISS – Aspectos Teóricos e Práticos. 5 ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 177-178.
___________