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A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) como incorporadora em operações societárias

Uma das características mais notáveis nas operações de incorporação é o aumento do capital social da incorporadora diante da transmissão do patrimônio líquido, geralmente positivo, da sociedade incorporada para a sociedade incorporadora.

19/1/2017

As operações societárias, quais sejam fusão, cisão, transformação e incorporação, estão positivadas no Capítulo X do CC, a partir do artigo 1.113 do referido diploma legal sendo que tais procedimentos são práticas comuns no mundo coorporativo e fazem parte substancial do exercício da atividade empresarial. Quanto à operação de incorporação, especificamente, existem duas formas: (i) a incorporação de sociedades, regida pelo artigo 1.116 do CC1 e artigo 227 da lei 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações)2; e (ii) a incorporação de ações, disciplinada pelo artigo 252 da lei das Sociedades por Ações3.

A incorporação de sociedades, conforme ensina Nelson Eizirik4, "permite a uma sociedade a absorção de outra, ou outras, com as vantagens econômicas, estratégicas e tributárias dela decorrentes". Na incorporação de sociedades, há a união de duas ou mais sociedades com a extinção da sociedade incorporada, permanecendo apenas a incorporadora, que, por sua vez, recebe a totalidade do patrimônio da sociedade incorporada e a sucede em todos os seus direitos e obrigações.

Já a incorporação de ações, ainda nas palavras de Nelson Eizirik5, "constitui a operação mediante a qual uma sociedade incorpora ao seu patrimônio todas as ações de outra companhia, convertendo-a em subsidiária integral, uma das espécies de sociedade unipessoal previstas no direito brasileiro, conforme dispõem os artigos 2516 e 2527 da lei das Sociedades por Ações. A sociedade incorporadora passa a ser a única acionista da sociedade incorporada que, nesse caso, não perde a sua personalidade jurídica, inexistindo qualquer sucessão de direitos e obrigações pela sociedade incorporadora.

Uma das características mais notáveis nas operações de incorporação é o aumento do capital social da incorporadora diante da transmissão do patrimônio líquido da sociedade incorporada para a sociedade incorporadora. Vale ressaltar que, o aumento de capital na sociedade incorporadora é um dos efeitos da incorporação, mas não a sua causa final, haja vista que nem sempre a incorporação resulta em aumento de capital. A lei das Sociedades por Ações, através do §1º do art. 227, disciplina o aumento de capital na incorporação, mas também não veda a realização de operações de incorporação sem aumento de capital da incorporadora, bem como a incorporação de sociedades com patrimônio líquido negativo.

A festejada lei 12.441/11, que inseriu a figura da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) no ordenamento jurídico pátrio completou seis anos de vigência em janeiro de 2017, e ainda é cercada de dúvidas e lacunas, dando ensejo, sob vários aspectos, a diversos entendimentos equivocados expedidos pelas juntas comerciais de todo o país.

Importante lembrar que ao disciplinar a EIRELI, o legislador possibilitou à mesma a aplicação supletiva, no que couber, das regras previstas para as sociedades limitadas, conforme artigo 980-A, parágrafo 6º do CC8, sendo possível, da mesma forma, a previsão no ato constitutivo da EIRELI a regência da mesma pelas regras previstas para as sociedades anônimas conforme artigo 1.053, parágrafo único do CC9. A EIRELI tem natureza de pessoa jurídica de direito privado nos termos dos artigos 44, inciso VI10 do CC e no âmbito infra legal, é regulamentada pelo DREI (Departamento de Registro Empresarial e Integração) antigo Departamento Nacional do Registro do Comércio (DNRC), por meio da IN 117/11, que em 22 de novembro de 2011 aprovou o Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada11.

Esclarecidos os conceitos acima, passamos a tratar da EIRELI como incorporadora em operações de incorporação de sociedades, estritamente. Novamente, a lei 12.441/11 foi omissa sobre o tema, não havendo, para tanto, qualquer regulamentação legal, inexistindo ainda qualquer orientação específica do DREI.

Recentemente, uma EIRELI obteve importante sentença em Mandado de Segurança impetrado contra a Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP) diante da negativa daquela autarquia em proceder com o registro e averbação dos atos de incorporação, pela EIRELI, na qualidade de incorporadora, de uma sociedade limitada, a sociedade incorporada. O argumento utilizado pela JUCESP para negar o registro consiste apenas no fato de que haveria uma incompatibilidade entre a natureza individual da EIRELI e o consequente recebimento, pela incorporadora, dos sócios ou acionistas da empresa incorporada.

Na referida decisão proferida em março de 2016 e que foi favorável ao pleito da EILREI, o juiz Antonio Augusto Galvão de França12 da 4ª Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo esclareceu que "não há expressa vedação legal para a operação em tela". Continua o magistrado bandeirante:

(...) o CC, ao regular as empresas individuais de responsabilidade limitada, expressamente prevê a chamada "Eireli Derivada", conforme consta em seu artigo 980-A, parágrafo terceiro (...). Conclui-se que o legislador, além de expressamente possibilitar o surgimento derivado da Eireli, procurou discipliná-la como se uma sociedade fosse inclusive utilizando subsidiariamente o regime jurídico das sociedades limitadas, o que inclui o instituto da incorporação.

Diante do precedente acima, a tendência é que o judiciário brasileiro receba cada vez mais demandas acerca da possibilidade de EIRELI figurar como incorporadora de outra sociedade, haja vista o instituto da incorporação ser um dos instrumentos jurídicos, sob o aspecto econômico, mais aplicados em reorganizações societárias.

Entendemos que a posição da JUCESP sobre o tema nada mais é do que um excessivo rigor dessa autarquia, a qual se mostra absolutamente incompatível com a intenção do legislador que não trouxe no texto legal qualquer vedação à possibilidade de EIRELI ser incorporadora de outra sociedade, ao passo que essa operação, não necessariamente resulta no ingresso dos sócios ou acionistas da sociedade incorporada na incorporadora, haja vista que na incorporação de sociedades existe apenas absorção do patrimônio, deveres e obrigações de uma sociedade por outra, implicando na extinção daquela.

Resta incontroverso que inexiste na nossa esfera jurídica qualquer disposição legal que determine expressamente que, no caso de incorporação de uma sociedade por outra, a sociedade incorporadora seja obrigada a receber no seu quadro societário os sócios da sociedade incorporada. Tampouco há qualquer óbice à tal operação nas instruções normativas editadas pelo DREI. Trata-se, pois, de uma mera liberalidade que deve ser discutida entre os sócios da incorporadora e incorporada, não podendo ser caracterizado como regra geral de prática do mundo corporativo e empresarial. O ingresso dos sócios da sociedade incorporada na incorporadora pode ocorrer em casos isolados, não sendo um requisito obrigatório em uma operação de incorporação de sociedades. Além disso, a EIRELI também está sujeita às normas da lei 11.101/05, que trata dos procedimentos da recuperação judicial, extrajudicial e falência do empresário e das sociedades empresárias, podendo inclusive, para tanto, se fazer valer das operações societárias previstas no artigo 50, II13 do referido diploma legal em conjunto com o item 3.2.14 e seguintes do Manual de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade14 emitido pelo DREI.

Entretanto, a posição das juntas comerciais de todo o país sobre o assunto, no que diz respeito à incorporação de sociedades por EIRELIs, permanece uma incógnita. Apenas através dos pedidos formulados por empresas individuais que almejam incorporar outra sociedade é que será possível dimensionar a tendência das juntas comerciais e, em consequência, a posição do judiciário sobre o tema.

Assim, entendemos que na operação de incorporação onde uma EIRELI figure como incorporadora é absolutamente aceitável do ponto de vista legal, já que inexiste no ordenamento jurídico brasileiro qualquer vedação expressa nesse sentido, haja vista ainda que à EIRELI, aplicam-se as normas atinentes às sociedades limitadas, motivo pelo qual essa nova modalidade de pessoa jurídica pode, certamente, figurar como incorporadora de uma sociedade, desde que seja preservado o seu caráter individual não havendo, por consequência da incorporação, o ingresso dos sócios ou acionistas da sociedade incorporada na respectiva EIRELI incorporadora.

Estamos, portanto, diante de um tema societário de extrema importância e atualidade, o qual deve ser exaustivamente discutido pela comunidade jurídica de modo que não haja mais óbices por parte das juntas comerciais que, valendo-se dessas lacunas e omissões, editam orientações descabidas e sem qualquer fundamento legal causando, em consequência, uma insegurança jurídica sem precedentes.
__________

1 CC/02. Art. 1.116: Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos. Clique aqui. Acesso em17/1/17.

2 Lei das Sociedades por Ações, 1976. Art. 227: A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. - § 1º A assembléia-geral da companhia incorporadora, se aprovar o protocolo da operação, deverá autorizar o aumento de capital a ser subscrito e realizado pela incorporada mediante versão do seu patrimônio líquido, e nomear os peritos que o avaliarão. - § 2º A sociedade que houver de ser incorporada, se aprovar o protocolo da operação, autorizará seus administradores a praticarem os atos necessários à incorporação, inclusive a subscrição do aumento de capital da incorporadora. - § 3º Aprovados pela assembléia-geral da incorporadora o laudo de avaliação e a incorporação, extingue-se a incorporada, competindo à primeira promover o arquivamento e a publicação dos atos da incorporação.

3 Lei das Sociedades por Ações, 1976. Art. 252: Art. 252. A incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira, para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à deliberação da assembléia-geral das duas companhias mediante protocolo e justificação, nos termos dos artigos 224 e 225. - § 1º A assembléia-geral da companhia incorporadora, se aprovar a operação, deverá autorizar o aumento do capital, a ser realizado com as ações a serem incorporadas e nomear os peritos que as avaliarão; os acionistas não terão direito de preferência para subscrever o aumento de capital, mas os dissidentes poderão retirar-se da companhia, observado o disposto no art. 137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230. - § 2º A assembléia-geral da companhia cujas ações houverem de ser incorporadas somente poderá aprovar a operação pelo voto de metade, no mínimo, das ações com direito a voto, e se a aprovar, autorizará a diretoria a subscrever o aumento do capital da incorporadora, por conta dos seus acionistas; os dissidentes da deliberação terão direito de retirar-se da companhia, observado o disposto no art. 137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230. - § 3º Aprovado o laudo de avaliação pela assembléia-geral da incorporadora, efetivar-se-á a incorporação e os titulares das ações incorporadas receberão diretamente da incorporadora as ações que lhes couberem.

4 EIZIRIK, Nelson. Lei das S/A Comentada. Volume III. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 244.

5 Ibidem, p. 395.

6 Lei das Sociedades por Ações, 1976. Art. 251: A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 17/1/17.

7 Lei das Sociedades por Ações, 1976. Art. 252: A incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira, para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à deliberação da assembléia-geral das duas companhias mediante protocolo e justificação, nos termos dos artigos 224 e 225. Clique aqui. Acesso em 17/1/17.

8 CC/02. Art. 980-A, § 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.

9 CC/02. Art. 1.053: A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. Disponível em: Clique aqui. 17/1/17.

10 CC/02. Art. 44: São pessoas jurídicas de direito privado: VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 17/1/17.

11 Departamento Nacional do Registro do Comércio. Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, 2011. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 17 jan. 2017.

12 BRASIL. Mandado de Segurança 1030413-92.2015.8.26.0053. TJ/SP: Disponível em: Clique aqui. Acesso em 17/1/17.

13 Lei 11.101/05. Art. 50: Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente. Disponível em: Clique aqui. 17/1/17.

14 Manual de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Clique aqui. 17/1/17.

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*Veronica de Lima Arias é advogada. Atua na área de contratos e societária no escritório Freire, Assis, Sakamoto, Violante Advogados localizado em São Paulo.

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