Ao mesmo passo que a internet sofre modificações diárias, a sociedade passa por uma profunda transformação de suas estruturas, qualificando-se hoje pela imaterialidade e pela ausência dos limites temporais e espaciais tradicionais. Dessa forma, com o surgimento da informática, seus avanços e popularização, é possível afirmar que a sociedade se encontra diante de uma tecnologia revolucionária e que condiciona o seu funcionamento.
O Direito, pela sua forma dinâmica, também tem sofrido diversas mudanças, na tentativa de acompanhar as evoluções tecnológicas e de se adaptar às transformações sociais, adequando-se, de modo gradual, à nova realidade. Isso porque são necessárias novas soluções para os novos problemas que surgem, o que desperta uma demanda por maior atenção para os aspectos jurídicos do uso do computador, dado o grande desenvolvimento da internet.
Não obstante todos os benefícios alcançados, como consequência do uso generalizado dos computadores e do amplo acesso à internet, a evolução tecnológica é acompanhada por um risco potencial, resultante da própria vulnerabilidade do meio informático. Sendo assim, cabe ao Estado, no desempenho do seu papel de regulador e organizador da sociedade, o dever de buscar mecanismos de prevenção e de combate às condutas que transgridam a ordem legal estabelecida. E quanto mais se amplia o uso da informática nas atividades humanas, maior a tendência de que surjam problemas legais, incluindo novas formas de crimes.
Ainda sem a tipificação adequada e com a facilidade de acesso à rede mundial de computadores, os crimes tradicionais previstos em nossa legislação não se mostram suficientes para abranger aqueles cometidos contra o computador ou por meio dele. Em outras palavras, embora ocorra a aplicação do Código Penal para alguns dos crimes cibernéticos, frente ao surgimento de novas modalidades criminosas, se faz necessária uma legislação específica, capaz de englobar com eficiência o maior número possível dessas condutas.
Em que pese ser óbvia a impossibilidade da legislação de acompanhar os avanços desses crimes no mesmo ritmo em que se desenvolvem, é fundamental que se tenha em mente que a falta de normas especificas é um grande empecilho para a persecução e um elemento fomentador da impunidade, já que várias condutas graves continuam sendo atípicas, não podendo ser penalizadas. Ainda assim, é inegável que certas medidas emergenciais têm sido adotadas, como a criação de normas próprias que tipificam algumas das condutas criminosas que ocorrem no meio virtual. Esse é o caso das Leis 12.735 e 12.737, ambas de 30 de novembro de 2012, a primeira conhecida popularmente como Lei Azeredo e a segunda como Lei Carolina Dieckmann.
A Lei Azeredo incluiu um novo inciso no art. 20 da lei 7.716/89 (Lei de Combate ao Racismo), estabelecendo a obrigatoriedade da cessação imediata de mensagens com conteúdo racista e o dever de retirada das mesmas de quaisquer meios de comunicação. A Lei Carolina Dieckmann, por sua vez, alterou o Código Penal, tipificando os crimes de invasão de computadores para obtenção vantagem ilícita; falsificação de cartões e de documentos particulares; e interrupção de serviços eletrônicos de utilidade pública.
Considerando a nocividade e a repulsa social das condutas por elas abrangidas, é preciso reconhecer que alterações no mesmo sentido das então promovidas deveriam ter ocorrido muito antes. Contudo, a promulgação dessas leis revela que nem sempre se faz necessária a intervenção do Direito Penal para a proteção de bens jurídicos, devendo esta ser reservada para as hipóteses de insuficiência dos instrumentos não jurídicos e dos outros setores do ordenamento, como um último recurso, por se tratar de ramo do Direito de natureza essencialmente violenta e sancionatória. Mas as referidas leis, no contexto em que foram promulgadas, demonstram exatamente o oposto.
Tanto é assim que o chamado Marco Civil da Internet (lei 12.965/14), norma que disciplina o uso, inclusive ético, da rede mundial de computadores no país, só veio a ser promulgado cerca de dois anos depois da criminalização das condutas praticadas sob o seu espectro. E só no dia 11 de maio do corrente ano, quase quatro anos depois, às vésperas do afastamento provisório da Presidente Dilma Rousseff, é que foi editado o decreto 8.771/16, também regulamentando o uso da internet. Logo, tudo indica que o legislador decidiu por bem recorrer ao Direito Penal e criminalizar, para só então - muito recente e tardiamente, diga-se de passagem – disciplinar e estabelecer direitos e deveres cibernéticos.
A técnica legislativa utilizada na redação da Lei Carolina Dieckmann, em si mesma, também é problemática, pois a presença de termos como "mecanismo de segurança", "dispositivo informático" e "titular do dispositivo", sem as respectivas definições legais, dificulta a sua aplicação.
É importante destacar ainda as dificuldades de identificação do autor ou autores dos crimes cibernéticos, pela indispensabilidade de autorização judicial para a identificação do IP (Internet Protocol) de onde pode ter partido a ação e, depois, pela necessidade da identificação daquele que efetivamente utilizou determinado dispositivo informático para a prática de um delito.
A partir dessa breve análise, é fácil perceber que o mau uso da internet produz sérias consequências e elevados riscos. Por isso e pela importância que assume atualmente, é evidente que o espaço virtual não deve estar alheio a qualquer forma de regulamentação, sobretudo no que se refere aos temas penais. Tendo em vista a vulnerabilidade do meio informático e o dinamismo da nova criminalidade a ele inerente, uma sociedade informada é imprescindível para que se alcance o equilíbrio entre o uso saudável da internet e a segurança, seja na sua dimensão pública ou pessoal, o que só pode ocorrer a partir do debate e da construção de uma política legislativa mais robusta e que melhor responda às necessidades sociais. Como primeiro passo, é necessária legislação própria e, antes disso, um atento exame dos diversos aspectos técnicos que gravitam em torno do assunto, a fim de que se garanta a adequação e a efetividade da lei.
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*Hassan Magid de Castro Souki é sócio do escritório Homero Costa Advogados.
*Guilherme Augusto Reis Filho é colaborador do Departamento Criminal do Homero Costa Advogados.