O STF decidiu, no início do ano, com repercussão geral reconhecida, que é constitucional o artigo 1º, inciso IV, da lei 8.033/90, que instituiu a incidência do IOF sobre as transferências de ações de companhias de capital aberto.
O reconhecimento de repercussão geral da decisão teve fundamento não apenas nos aspectos jurídicos que envolvem a questão, mas também em seu aspecto econômico, já que os efeitos da decisão alcançarão um grande número de acionistas de companhias de capital aberto, com forte impacto no mercado de ações.
Prova disso é que a Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) teve sua participação admitida no processo pelo STF, na qualidade de amicus curiae (em latim, "amigo da corte"). Essa situação ocorre quando os julgadores reconhecem que uma pessoa ou uma entidade, mesmo alheia à demanda jurídica, possui interesse na questão a ser julgada e, por essa razão, permitem sua participação no processo.
Na discussão travada no Judiciário sobre o tema, muitos foram os argumentos já levantados para justificar a inconstitucionalidade da cobrança do IOF sobre a transferência de ações, desde a sua criação, em 1990.
Um desses argumentos dizia respeito à infração ao princípio da irretroatividade da lei tributária. É que a lei 8.033, ao instituir o imposto sobre a transmissão de ações (inciso IV do artigo 1º), deu margem ao entendimento de que a simples propriedade dos títulos naquela data deveria ensejar o pagamento do tributo.
Esse entendimento decorreu da redação do artigo 2º da mesma lei, que estabeleceu que o IOF incidiria sobre operações praticadas com ativos de que o contribuinte fosse titular no dia imediatamente anterior à promulgação da MP 171/90, depois convertida na lei 8.033, ou seja, com ativos detidos em 16 de março de 1990.
Entre as diversas discussões no Judiciário ao longo dos últimos anos, um recurso extraordinário, em meados de 2003, também já havia provocado o pronunciamento do STF sobre a questão.
Na ocasião, o relator do caso rechaçou as alegações de que se tratava de tributação do patrimônio dos contribuintes ou de ofensa aos princípios tributários da irretroatividade e da anterioridade da lei.
O relator esclareceu, naquela oportunidade, que não cabia falar que o artigo 1º teria instituído imposto sobre o patrimônio detido pelos contribuintes em 16 de março de 1990, mas, tão somente, que estariam sujeitas à incidência do tributo as eventuais operações praticadas com os títulos que integravam o patrimônio dos contribuintes naquela data, como a transferência e o resgate de ações, que são fatos geradores do IOF.
A decisão do STF neste ano, declarando a constitucionalidade do IOF sobre as operações que importem a transferência de ações de companhias abertas e de suas consequentes bonificações emitidas, agora com repercussão geral reconhecida, pôs fim a essa discussão.
É importante destacar que a redação original da lei prevê a incidência do IOF à alíquota de 25% sobre tais transferências, percentual que, posteriormente, foi reduzido a zero. Muito embora a alíquota prevista para a transferência de ações seja, atualmente, igual a zero, o fato é que "alíquota zero" não é o mesmo que "não incidência".
Em outras palavras, a alíquota pode ser elevada a qualquer tempo. E, nesse sentido, em meio à "voracidade arrecadatória" vivida pelo país, a declaração de constitucionalidade do IOF sobre a transferência de ações surge como "sinal verde" para a elevação da alíquota e a consequente cobrança do imposto.
Algumas dúvidas ainda permanecem a respeito da incidência do imposto sobre a transferência de ações. Isso porque, dois incisos previstos no artigo 2º da lei original (não revogados e, portanto, em vigor) estabelecem que o imposto incidirá apenas sobre operações praticadas com ativos de que o contribuinte era titular em 16 de março de 1990, bem como que só incidirá sobre tais ativos apenas uma vez, a partir daquela data.
Apesar da importância desses dois incisos – pois ambos tratam diretamente da definição da abrangência do imposto sobre as transferências de ações –, eles nem sequer foram mencionados pelo Supremo na decisão proferida em sede de repercussão geral.
Igualmente, as muitas discussões anteriormente mantidas sobre o tema nos tribunais inferiores também não levaram em conta o teor dos referidos incisos do artigo 2º, a não ser pelo voto do ministro Marco Aurélio Mello no Recurso Extraordinário 223.144-2, de 2002.
Na ocasião, Marco Aurélio abordou muito bem a questão, chamando a atenção para o fato de que o relator do caso, naquela oportunidade, teria deixado em segundo plano o fato de a previsão de incidência do IOF haver ficado restrita ao patrimônio já investido em 16 de março de 1990, ou seja, às ações detidas naquela data, tratando tão somente da declaração de constitucionalidade da incidência do imposto sobre a transferência de ações.
O ministro foi, no entanto, vencido na votação do Recurso Extraordinário. Desde então, o disposto nos incisos do artigo 2º da lei 8.033 jamais retornou ao palco da discussão.
No entanto, agora, diante da declaração de constitucionalidade do IOF sobre a transferência de ações, se a alíquota do imposto vier a ser elevada, a questão em torno do disposto no artigo 2º, abordada pelo ministro, pode voltar à cena. Isso porque, na prática, certamente haverá discussão sobre o seu alcance – se aplicável a todas as novas transferências ou somente àquelas cujas ações eram detidas em 16 de março de 1990.
Assim, embora ainda não esteja muito clara a regra para sua aplicação sobre a transferência de ações, vale lembrar que a elevação da alíquota do IOF não está sujeita ao princípio da anterioridade, ou seja, um eventual aumento passa a valer imediatamente após sua decretação.
Diante disso, é importante que as pessoas físicas e jurídicas que realizam esse tipo de operação estejam atentas às repentinas mudanças na legislação do IOF, pois, a depender de como for definida sua aplicação sobre a transmissão de ações, o impacto sobre esse mercado pode ser grande.
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