A gestão de compliance consiste em um conjunto de medidas a serem tomadas por uma empresa para reduzir riscos e garantir que a sua atuação esteja em conformidade com as leis e regulamentos aplicáveis às atividades por ela desempenhadas.
As práticas de compliance imobiliária desempenham um papel relevante na gestão patrimonial de uma empresa, uma vez que (i) o ativo regular é mais atrativo e tende a ser negociado em melhores condições que um ativo irregular, (ii) estando o imóvel regular, torna-se mais fácil a transferência de sua propriedade e (iii) geram redução do risco de perdas. Em outras palavras, a regularidade possibilita não só o atendimento da conformidade legal e das exigências dos acionistas, mas também prepara o ativo para futuras operações e negócios.
A regularidade imobiliária abrange a regularidade cadastral de um imóvel perante os mais diversos órgãos, de acordo com a sua natureza (rural ou urbano), podendo ser destacados como principais o Registro de Imóveis, o INCRA, a Receita Federal e a Prefeitura Municipal.
Os imóveis rurais estão sujeitos a diferentes cadastros, tais como o SNCR – Serviço Nacional de Cadastro Rural, o SIGEF – Sistema de Gestão Fundiária, o CAR – Cadastro Ambiental Rural e o CAFIR – Cadastro de Imóveis Rurais.
Já os imóveis urbanos têm a sua regularidade cadastral atestada pela Inscrição Imobiliária perante a Prefeitura Municipal competente, denominada índice cadastral. Para que o imóvel urbano esteja em situação regular, é necessário, ainda, que possua Licença de Ocupação (“Baixa e Habite-se”) e Alvará de Localização e Funcionamento, caso seja nele exercida qualquer atividade econômica. Ademais, devem ser observadas as normas urbanísticas, como por exemplo, o Plano Diretor, a Lei de Zoneamento Urbano, a Lei de Parcelamento, a Lei de Uso e Ocupação do Solo e a Lei de Perímetro Urbano.
A ausência de matrícula perante o Cartório de Registro de Imóveis competente, tanto para os imóveis rurais quanto para os imóveis urbanos, consiste em irregularidade grave que decorre da falta de registro do título aquisitivo em nome do adquirente original, e que se prolonga pela cadeia de transferência do imóvel, devendo ser sanada. A ausência do registro impede a transmissão da propriedade do imóvel, qualificando o detentor do referido bem como mero posseiro.
Além disso, contratos particulares assinados ou mesmo escrituras públicas lavradas e não registradas não são suficientes para transmitir a propriedade de um imóvel, sendo tais instrumentos aptos a transferir apenas os direitos aquisitivos sobre o referido bem. É dizer que o proprietário é somente aquele que figura como adquirente do imóvel no registro, sendo que apenas após o registro do título aquisitivo na matrícula é que o imóvel pode ser considerado regular sob o ponto de vista registral/imobiliário, configurando um ativo íntegro e seguro.
Não menos importante é a regularização da situação das servidões instituídas, como por exemplo, linhas de transmissão, minerodutos, gasodutos, oleodutos e aquedutos. O risco, no caso de inexistência de servidão regulamentada, é de futuros questionamentos de terceiros envolvendo a posse do dominante sob o imóvel.
Como se nota, uma gestão imobiliária eficiente consiste basicamente na (i) regularidade cadastral dos ativos perante os mais diversos órgãos de registro imobiliário e fundiário, (ii) manutenção das matrículas permanentemente atualizadas e íntegras – livres de vícios e/ou irregularidades, e (iii) garantia de resguardo da posse e propriedade dos imóveis.
A falta dos cadastros, além de submeter os imóveis a situação de irregularidade, pode impedir os proprietários de realizar diversos atos, tais como desmembrar, arrendar, hipotecar, vender ou prometer em venda, sob pena de nulidade do ato.
Finalmente, resta considerar que o entendimento sobre a regra aplicável para a aquisição de imóvel por sociedade brasileira com o controle estrangeiro foi profundamente alterada nos últimos anos, prevalecendo, até o momento, a imposição de fortes restrições para a referida aquisição e a consequente necessidade de autorização prévia do INCRA. Tal regra é relevante, uma vez que a sua inobservância tem como efeito a nulidade de pleno direito da aquisição.
É responsabilidade do administrador garantir que os ativos registrados na contabilidade estejam íntegros ou reportar aos acionistas eventuais inconformidades. Isto porque, ao ser eleito, o administrador assume o dever de diligência na condução dos negócios, devendo exercer seu cargo com competência e cautela, o que inclui o cuidado com a integridade dos ativos da empresa.
Nesse contexto, é do administrador o dever de contratar ou mesmo determinar o desenvolvimento interno dos trabalhos de compliance de ativos e regularização imobiliária.
Em tal medida, a compliance imobiliária pode ser eleita como parte integrante de um programa de compliance corporativa, tendo por objetivo demonstrar (i) a conformidade legal na posse e no domínio de imóveis, e (ii) o cumprimento do dever de diligência dos gestores responsáveis, o que tem sido cada vez mais valorizado pelo mercado. Como se nota, a regularização imobiliária pode ser conduzida tanto no âmbito de um programa de compliance quanto com fundamento no próprio dever de diligência do administrador.
Portanto, a implementação ou revisão de políticas de compliance imobiliária, com a realização de ações que visem a regularização imobiliária, são essenciais para que uma empresa possa gerir seus ativos de forma eficiente, considerando (i) a responsabilidade do administrador de proteger, preservar e valorizar os ativos da empresa, (ii) o interesse e a expectativa dos acionistas e investidores, (iii) os riscos de danos e perdas de ativos por falta de ação dos gestores, e (iv) as oportunidades que podem surgir com a manutenção de imóveis regularizados.
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*Luis Gustavo Miranda é sócio do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados. Mestre em Administração de Empresas pela FEAD-MG e especialista em Direito da Economia e de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor de pós graduação na Fundação João Pinheiro e no Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (IEC PUC MINAS). Membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG).
*Natália Miranda Sadi é advogada do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos Advogados. Pós graduada em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Milton Campos. Pós Graduada em Direito de Empresa pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (IEC PUC MINAS). Graduada em Direito (FUMEC). Membro da Comissão de Direito Societário da OAB-MG.