Atualmente um assunto recorrente no dia a dia do profissional de relações governamentais voltou a ocupar espaço no cenário político e na mídia. Trata-se da regulamentação da atividade de “lobby” no Brasil.
Em primeira análise o retorno ao debate decorre da tentativa de resposta do ambiente político às atuais investigações que teriam como objeto o relacionamento espúrio do setor privado com entes públicos.
Contudo, faz-se necessário esclarecer de pronto que o que se investiga atualmente são relações espúrias e nefastas de agentes públicos e privados que leva o nome simples de Corrupção. Não há qualquer relação entre a legitima e necessária atividade de Relações Governamentais e o que se descortina atualmente nas diversas operações deflagradas.
Em síntese, podemos chamar de atividade de Relações Governamentais ao conjunto de ferramentas utilizadas por empresas, entidades ou sociedade, para interagir com o Poder Público. Dentre estas ferramentas há o chamado Lobby, que nada mais é que as ações planejadas e executadas para defesa de interesses de um grupo ou de uma organização.
Em um ambiente de convivência social todos fazemos lobby. Seja para mudanças nas regras de condomínio, manutenção de tarifas de transporte público ou uma lei de incentivos fiscais para o setor produtivo, a defesa de interesse é inerente às relações humanas.
Sob o ponto de vista das relações público-privadas, o lobby objetiva, em última instância, o aprimoramento da ação estatal em políticas públicas, gerando assim uma legislação mais eficiente e sensata.
Verifica-se aqui portanto o primeiro problema ao abordamos a regulamentação formal do Lobby. Como regrar a tentativa de influenciar legitimamente na tomada de decisões? Ao criarmos regras específicas para a atuação de defesa de interesses junto a esfera pública nos parece uma restrição ao legitimo direito de qualquer cidadão ou grupo econômico de manifestar-se sobre determinada questão que o afeta.
Vejamos ainda que o lobby não se restringe ao contato direto de agentes privados e organizações com parlamentares e tomadores de decisão. A esta ação chamamos de Lobby Direto mas há outras formar de lobby que são utilizados nas defesa de interesses.
Empresas e sociedade de modo geral se utilizam de inúmeros métodos para tentar fazer influenciar determinada decisão. Há fartos exemplos tais como a utilização de veículos de comunicação para a formação de opinião pública (Mídia Lobby), ou de ações que busquem convencer a sociedade e que por sua vez pressiona o setor público a iniciar ou frear determinada inciativa (Grassroots Lobby), ou ainda as organizações que desencadeiam determinadas iniciativas para que outras organizações ou pessoas atuem em defesa de seus interesses (Lobby Indireto).
Portanto, não nos parece de utilidade prática que a regulação do lobby direto irá dar a resposta necessária à verdadeira necessidade existente na atividade de relações governamentais no Brasil.
Há quase um uníssono entre profissionais sérios de Relações Governamentais quanto a necessidade de reconhecimento da atividade como uma ação legitima, ética e transparente de defesa de interesses. Tal reconhecimento não surge da regulamentação do lobby por meio de lei e sim da formação da confiança social no exercício democrático da defesa e interesses, na percepção de sua relevância e do efetivo controle, seja exercido pela sociedade ou por mecanismos públicos e instituições já existente.
A distância entre a realidade do papel desempenhado pelo profissional e o senso comum contribuem para o estigma da atividade de Relações Governamentais e faz surgir uma ilusória crença de que criar regras é o caminho para que o malfeito seja separado de uma atuação legitima e ética.
A realidade verifica-se que na prática é raro um grupo econômico ou uma organização social que não possua, seja internamente ou por meio de firmas especializadas, profissionais dedicados a monitorar, planejar e engajar-se na defesa de seus interesses. Tais organizações possuem guias de compliance e regras para o relacionamentos com autoridades, concorrentes, clientes e fornecedores que por si já ultrapassam a complexidade e a rigidez de qualquer projeto de lei atualmente existente. E ainda, as organizações que não possuem tais regras formalmente estabelecidas, há a plena consciência de que transpor o bom senso gere um risco eventualmente insuportável tanto para as organizações quanto para as pessoas evolvidas.
Eis ai a grande contribuição das investigações de corrupção deflagradas nos mais diversos setores hoje no Brasil. O medo de que relações promiscuas com o poder público gerem consequências cada vez maiores e cada vez mais flagrantes.
A segunda contribuição das referidas investigações é a percepção de que o que não se pode fazer na relação entre público e privado já está estabelecido na lei. Não se trata ali da defesa legitima de interesses e sim de atos de ilegalidade traduzidos erroneamente para o senso comum como lobby e que já são tipos penais definidos.
Uma outra questão a ser tratada refere-se à eficiência das normas propostas. Impor regramento ao profissional que atua em relações governamentais não irá impedir aqueles que pretendem perverter a relação publico-privada para interesses escusos. A legislação de repressão a corrupção no Brasil tem se solidificado, a atuação de agentes de controle são cada vez mais eficazes e a intolerância com tais condutas mais latente.
Regular a atividade da maneira que se está propondo portanto, nos parece uma questão com três reflexos negativos: o de limitar a atuação àqueles profissionais sujeitos a credenciamento, impedindo outros interessados a realizar a legitima defesa de interesses; o de encobrir sob o manto da Lei uma necessária fiscalização social constante sobre a atividade; e o da ineficiência legislativa.
Mesmo com uma lei determinando limites para a atividade de relações governamentais, corruptores continuarão corruptores eis que a necessidade de violar mais uma norma legal não parece suficiente para desestimular o desvio de conduta. Logo, achar que a falta de regulação é a origem da corrupção é uma premissa falsa.
Observa-se que, na verdade a regulação da atividade de lobby, ante os projetos de lei atualmente propostos, causa um efeito reverso ao pretendido. Restringir a defesa de interesses a profissionais cadastrados não só atenta quanto a princípios democráticos como gera uma suposta resposta inócua e ineficiente à sociedade.
Todas a iniciativas legislativas atualmente existentes sobre o tema buscam a obrigatoriedade de transparência nas relações entre profissionais de relações governamentais e agentes públicos. Oras essa transparência decorre, além do bom senso, do cumprimento de normas já estabelecidas.
O mero cadastro em um banco de dados de tais profissionais não transforma todos aqueles que transitam nos processos de formação de políticas públicas em profissionais éticos e transparentes. Ainda, o credenciamento ou descredenciamento não impede o acesso de corruptores aos centros decisórios. Isto porque o acesso a órgãos administrativos é público e a prática a corrupção pode ocorrer em qualquer lugar fora de repartições públicas, como já amplamente noticiado pela imprensa em encontros em hotéis e restaurantes.
Ou seja, não há qualquer incentivo para aquele que corrompe em submeter-se ao cadastramento ou a qualquer regramento dele decorrente. Logo, só irá constar no referido banco de dados aqueles que já obedecem a lei e agem em consonância com as melhores práticas da atividade.
Há uma última questão a ser abordada que trata da eventual inconstitucionalidade de regular a atividade de profissionais de relações governamentais por meio de Lei, o que em tese, esbarraria no princípio pétreo da independência dos poderes. Entendemos ser questão carecedora de uma análise mais aprofundada por constitucionalistas e em última análise diante do Tribunal Constitucional Brasileiro.
Para a melhoria do relacionamento entre público e privado não é portanto a Lei a resposta. São necessários um conjunto de ações que envolvem a consciência social sobre a legitima defesa de interesses, aliados à profissionais qualificados e cientes de sua importância no processo democrático. Ainda, de uma forte fiscalização do que já é regramento e a formação do senso comum de que defender interesses é parte da formação de boas políticas públicas e não se confundem com práticas espúrias e ilegais.
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*Alexandre Barreto Tostes é advogado do escritório Favetti Sociedade de Advogados. Sócio da Fatto Relações Governamentais e Assuntos Corporativos, atua em Relações Governamentais desde 2004. Coordenador do Curso de Extensão em Relações Governamentais do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP e membro da Association of Government Relations Professionals (AGRP) desde 2013.