O presente artigo tem como objetivo esclarecer alguns aspectos que envolvem a jornada de trabalho dos jornalistas, através da análise dos dispositivos de lei que regem a profissão.
Os artigos 302 a 316 da CLT, e o decreto-lei 972, de 17 de outubro de 1969, regulamentado pelo Decreto nº 83.284, de 13 de março de 1979, disciplinam as atividades de jornalista.
O artigo 302 da CLT, que está inserido na Seção XI (Dos Jornalistas Profissionais), do Capítulo I (Das disposições especiais sobre duração e condições de trabalho), do Título III (Das normas especiais de tutela do trabalho), dispõe:
Art. 302 - Os dispositivos da presente Seção se aplicam aos que nas empresas jornalísticas prestem serviços como jornalistas, revisores, fotógrafos, ou na ilustração, com as exceções nela previstas.
[...]§ 2º - Consideram-se empresas jornalísticas, para os fins desta Seção, aquelas que têm a seu cargo a edição de jornais, revistas, boletins e periódicos, ou a distribuição de noticiário, e, ainda, a radiodifusão em suas seções destinadas à transmissão de notícias e comentários.
Em seguida, o artigo 303 da CLT, que trata especificamente da jornada de trabalho do jornalista, dispõe que: “A duração normal do trabalho dos empregados compreendidos nesta Seção não deverá exceder de 5 (cinco) horas, tanto de dia como à noite.”
A interpretação conjugada dos artigos 302 e 303 da CLT levam à conclusão inicial de que a jornada especial de cinco horas diárias aplica-se tão somente aos jornalistas que prestam serviços em empresas jornalísticas.
Contudo, analisando os termos do artigo 3º, §3º, do decreto-lei 972, de 17 de outubro de 1969, também possuem direito à jornada especial de cinco horas os jornalistas que laboram em empresas não jornalísticas, assim consideradas aquelas que têm a seu cargo a edição de jornais, revistas, boletins e periódicos, prestem serviços como jornalistas, revisores ou fotógrafos, dentre outros, in verbis:
“Art 3º Considera-se emprêsa jornalística, para os efeitos deste Decreto-Lei, aquela que tenha como atividade a edição de jornal ou revista, ou a distribuição de noticiário, com funcionamento efetivo idoneidade financeira e registro legal.
[...]
§ 3º A emprêsa não-jornalística sob cuja responsabilidade se editar publicação destinada a circulação externa, promoverá o cumprimento desta lei relativamente aos jornalistas que contratar, observado, porém, o que determina o artigo 8º, § 4º.”
O decreto 83.284, de 13 de março de 1979, que regulamenta a profissão dos jornalistas, no §2º do seu artigo 3º, considera que a entidade pública ou privada não jornalística sob cuja responsabilidade se editar publicação destinada a circulação externa, está obrigada ao cumprimento da referida jornada.
No mesmo sentido, a jurisprudência consolidada do TST, consubstanciada na Orientação Jurisprudencial 407, da SBDI-1, que entende que o jornalista, mesmo trabalhando em empresa não jornalística, faz jus à jornada reduzida prevista no artigo 303 da CLT, na medida em que o que define a incidência desse dispositivo legal é o labor exercido pelo profissional, mostrando-se irrelevante a atividade desenvolvida pela empresa, vejamos:
“OJ-SDI1-407 JORNALISTA. EMPRESA NÃO JORNALÍSTICA. JORNADA DE TRABALHO REDUZIDA. ARTS. 302 E 303 DA CLT. (DEJT divulgado em 22, 25 e 26.10.2010)
O jornalista que exerce funções típicas de sua profissão, independentemente do ramo de atividade do empregador, tem direito à jornada reduzida prevista no artigo 303 da CLT.”
No que diz respeito à prorrogação da jornada, o artigo 304 da CLT estabelece, como condição de validade do acordo de prorrogação de jornada dos jornalistas, a existência de termo expresso, do qual conste o acréscimo salarial correspondente ao excesso de trabalho, desde que respeitado o limite de 7 (sete) horas diárias.
Com relação ao intervalo para refeição e descanso, cabe esclarecer que a jornada reduzida prevista para os jornalistas não afasta a incidência do caput do artigo 71 da CLT, caso extrapolada a duração legal ordinária ou haja previsão expressa de prorrogação de jornada.
Isto porque, o objetivo da lei é de prestigiar a importância do intervalo para refeição e descanso, por se tratar de norma de proteção à saúde e segurança no trabalho, previsto no artigo 7º, XXII, da Constituição Federal de 1988.
O intervalo intrajornada visa permitir a recuperação das energias do empregado e sua concentração ao longo da prestação diária de seus serviços, revelando-se importante instrumento de preservação da higidez física e mental do jornalista. O desrespeito a tal regra obriga o empregador ao adimplemento de uma hora extra, acrescida do adicional legal, ou adicional previsto em norma coletiva, objetivando sempre o mais benéfico ao empregado.
Logo, nos termos da legislação vigente, o direito ao intervalo intrajornada de uma hora mínima está vinculado à prestação do trabalho contínuo que exceda à sexta hora, e não à jornada legal ou contratual do jornalista.
Neste sentido, a inteligência do item IV da súmula 437 do TST, in verbis:
“Súmula nº 437 do TST
INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 71 DA CLT (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 307, 342, 354, 380 e 381 da SBDI-1) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012.
[...]
IV - Ultrapassada habitualmente a jornada de seis horas de trabalho, é devido o gozo do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, obrigando o empregador a remunerar o período para descanso e alimentação não usufruído como extra, acrescido do respectivo adicional, na forma prevista no art. 71, caput e § 4º da CLT. “
No que diz respeito aos jornalistas admitidos em concurso público com jornada superior a legal, sem o termo expresso de prorrogação de jornada, o saudoso professor Hely Lopes Meirelles leciona que “o edital do concurso público consiste na lei do certame, de maneira que obriga tanto o candidato quanto a Administração Pública, estando eles vinculados à regra editalícia.”1
Ocorre que a Administração Pública está subordinada constitucional e legalmente ao princípio da legalidade administrativa, somente podendo agir nos estritos limites da lei, nos termos dos artigos 37, caput, da Constituição da República e 2º, caput, da lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
A instituição pública não pode criar exigência editalícia em desconformidade com preceito legal trabalhista cogente (artigo 303 da CLT).
Aliás, a jornada especial reduzida dos jornalistas é norma de ordem pública relacionada à medicina e à segurança do trabalho, sendo direito indisponível do empregado, concernente à proteção de sua saúde física e mental, assegurado pelo artigo 7º, XXII, da Constituição Federal de 1988.
A determinação constante no edital para o cumprimento de jornada superior à prevista no artigo 303 da CLT pelo empregado jornalista não é simples opção da Administração Pública dentro do seu âmbito de atuação e no exercício do poder discricionário.
Trata-se de ato administrativo em flagrante descompasso com a legislação trabalhista, que é literal em fixar a jornada de 5 horas diárias para o empregado jornalista.
Assim, as regras do edital não são absolutas, deixando de prevalecer quando em desarmonia com norma constitucional ou legal.
Parafraseando o Ministro Mauro Campbell Marques do STJ no julgamento do REsp nº 1.018.107/DF, “se é verdade que o edital vincula o Poder Público, não é menos verdade que a lei também o faz, em grau ainda mais elevado”.2
Desse modo, caso haja cláusula no edital em desconformidade com a lei deverá ser reputada nula.
Conclui-se, portanto, que há possibilidade de contratação em 7 horas diárias, mediante acordo escrito, em que se estipule o acréscimo salarial correspondente ao excesso de trabalho.
Todavia, não havendo o referido acordo, as empresas, jornalísticas ou não, públicas ou privadas, estão legalmente obrigadas a observar a legislação especial dos jornalistas profissionais, sob pena de serem condenadas em demanda trabalhista ao pagamento das horas extraordinárias prestadas além do limite legal, assim consideradas as excedentes à 5ª diárias, acrescidas do adicional legal ou normativo.
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1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 2. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2000.
2 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp - 1.018.107/DF, Relator Ministro: Mauro Campbell Marques, Data de julgamento: 26/05/2009, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 12/06/2009.
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Referências bibliográficas
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. DOU de 09 de agosto de 1943.
BRASIL. Decreto-Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969. Dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista. DOU de 21 de outubro de 1969.
BRASIL. Decreto nº 83.284, de 13 de março de 1979. Dá nova regulamentação ao Decreto-Lei nº 972, de 17 de outubro de 1969, que dispõe sobre o exercício da profissão de jornalista, em decorrência das alterações introduzidas pela Lei nº 6.612, de 07 de dezembro de 1978. DOU de 13 de março de 1979.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 2015.
BRASIL. Orientação Jurisprudencial nº 407 da SBDI-1, do Tribunal Superior do Trabalho, divulgado no DEJT nos dias 22, 25 e 26 de outubro de 2010.
BRASIL. Súmula 437 do Tribunal Superior do Trabalho, divulgado no DEJT nos dias 25, 26 e 27 de setembro de 2012.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp - 1.018.107/DF, Relator Ministro: Mauro Campbell Marques, Data de julgamento: 26/05/2009, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe 12/06/2009.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. RR - 515-08.2013.5.23.0004, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 06/05/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/05/2015.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 2. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2000.
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*Rômulo Felipe Reis Miron é advogado da banca Ferraz dos Passos Advocacia e Consultoria.