Em recente decisão, o STJ botou fim a mais um debate envolvendo o conflito entre a liberdade de contratação e a soberania nacional. Como definido pelo próprio relator, Min. Raul Araújo, a principal discussão do processo sob litigio era saber se a “vontade das partes contratantes pode afastar a jurisdição brasileira quando tiverem escolhido tribunal estrangeiro para, com exclusividade, apreciar a controvérsia?”. E a resposta final foi: NÃO!
Esta é conclusão obtida no julgamento do recurso ordinário 114, em que se discutia se a cláusula de eleição de foro estrangeiro, estipulada em contratos internacionais, excluiria ou não a possibilidade de ajuizamento de ação sob a jurisdição brasileira.
No caso analisado, o litígio teve início em 2007 e as partes envolvidas eram, de um lado, uma empresa de engenharia brasileira e, de outro, a República Argentina. O objeto do contrato era a construção imobiliária em território brasileiro e a cláusula de eleição de foro, por sua vez, estipulava que as questões atinentes ao contrato e edital seriam resolvidas pelos Tribunais de Contencioso Administrativo Federal da Cidade de Buenos Aires.
Após confrontar a súmula 335/STF ("E válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato.") com os arts. 88 (competência concorrente), 89 (exclusividade da competência do Poder Judiciário brasileiro) e 90 (possibilidade de atuação da autoridade judiciária brasileira mesmo no caso de existir ação intentada perante órgão jurisdicional estrangeiro), todos do CPC, o julgador entendeu que, sim, é legítima a estipulação de cláusula de eleição de foro estrangeiro, mas, quando o caso apresentar hipótese de aplicação dos incisos II e III, do art. 88 do CPC (cumprimento da obrigação no Brasil e ação originada de fato ocorrido no Brasil), a jurisdição brasileira também possuirá competência para decidir o litigio.
Em casos de competência internacional concorrente (relativa), como no caso analisado, “entender-se de maneira diversa caracterizaria, sem sombra de dúvida, uma inadmissível violação à soberania do Estado Brasileiro” (inciso XXXV, do art. 5º, da CF)"1.
Para chegar a tal entendimento, o ministro citou renomados doutrinadores, como José Ignacio Botelho de Mesquita e Chiovenda, ressaltando que “As normas que definem a extensão da jurisdição de um Estado são normas diretamente fundadas na soberania nacional e, por isso, não se acham submetidas à vontade das partes interessadas” de modo que “os limites da jurisdição nacional não podem, por isto, ser ampliados, nem restringidos, por vontade das partes. As partes podem modificar a competência territorial mas não podem modificar a extensão da jurisdição nacional”.
Com tal decisão, o STJ acabou reformando a sentença de primeira instância, na qual havia ficado declarada a incompetência do Judiciário brasileiro para apreciação do caso, por conta da cláusula que elegia o foro argentino, mantendo o posicionamento adotado em alguns precedentes da mesma corte (REsp 1.168.547/RJ, EDcl nos EDcl no REsp 1.159.796/PE, REsp 251.438/RJ).
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1 (in O Foro de Eleição nos Contratos Internacionais e a Jurisdição Brasileira: a deferência devida ao art. 88 do CPC. Revista Forense, vol. 396, págs. 581 a 592)
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*João Antonio de Oliveira Jr. é advogado do escritório Correia da Silva Advogados.