É muito conhecida a lição popular sobre finanças pessoais que sentencia: "não vá ao mercado com fome". Quando estamos com fome, a nossa necessidade de comida fala mais alto do que a razão que deve nortear as compras a serem feitas. Com isso, acabamos excedendo na dose e comprando mais coisas do que precisamos ou coisas de que não precisamos.
Como muitas outras lições populares sobre finanças (como, por exemplo, "não gastar mais do que se ganha"), aquela acima também se aplica perfeitamente aos projetos de alteração da legislação tributária. O sistema tributário e sua regulamentação devem ser dirigidos pela razão, mirando o desenvolvimento da atividade econômica no médio e no longo prazos. Mudanças na legislação tributária não podem ser feitas quando há "fome de arrecadação".
Por motivos que não serão aqui discutidos, a economia nacional passa por um momento bastante sério, que requer cuidados. Dentre esses cuidados, o governo de plantão busca realizar o que vem sendo chamado de ajuste fiscal, intencionando a reestabilidade econômica. Tal com colocado, esse ajuste tem a meta de garantir um superávit fiscal, o que quer dizer: possibilitar que a receita pública seja superior à despesa pública.
O mencionado ajuste pode vir por um dos dois lados das finanças públicas: receita ou despesa. Dessa forma, o governo pode obter o superávit fiscal por meio do aumento da primeira ou da redução da segunda. A opção do governo parece estar sendo dirigida pela "fome", o que impede a necessária redução da despesa, recaindo, então, sobre a receita pública.
A receita pública, por sua vez, pode ser obtida de duas formas, a saber: como receita originária, quando o Estado produz a sua própria riqueza, e como receita derivada, quando o Estado retira para si parte da riqueza gerada pela iniciativa privada. Algumas medidas do governo até estão buscando a geração de receita pública originária, por meio do programa de concessões de obras e serviços públicos. Acontece que a instabilidade econômica prejudica a atração de investidores para essa iniciativa.
Restam medidas para aumentar a receita pública derivada, dentre as quais o tributo é a maior expressão. Nesse contexto, propor mudanças na legislação tributária terá uma consequência praticamente certa: o aumento da carga tributária brasileira. É o que se constata das propostas já apresentadas.
A lista é relevante:
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Aumento da alíquota da Contribuição ao PIS e da Cofins incidentes sobre a importação de mercadorias, sob o argumento de "recompor" a sua base de cálculo, depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS no valor aduaneiro.
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Redução da redução, portanto, aumento, da Contribuição ao PIS e da Cofins incidentes sobre receitas financeiras.
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Alteração no cálculo da Contribuição Patronal sobre a Receita Bruta – CPRB, que pode levar as empresas a retornarem ao recolhimento da contribuição ao INSS com base na folha de salários.
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Proposta de unificação da Contribuição ao PIS com a Cofins, de modo a tornar o novo tributo (unificado) totalmente não cumulativo, o que provocará aumento da alíquota.
Em momentos de crise econômica – e de ajuste fiscal –, podem ser efetivamente necessárias mudanças na legislação tributária. Essas mudanças, naquilo que é emergencial e visando ao superávit fiscal, deveriam ser temporárias, ou seja, com prazo para terminar. Ao lado desse movimento, deveriam ser pensadas alternativas de longo prazo para garantir o crescimento econômico, tão logo a crise acabe.
Portanto, pensar em reforma tributária em meio ao ajuste fiscal é o mesmo que ir às compras com fome. Conduta que não é muito prudente. Se é para ir ao mercado com fome, que se aperte o cinto, então.
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*Edison Carlos Fernandes é doutor em direito pela PUC/SP, coordenador do curso de pós-graduação em Direito Tributário do CEU-IICS Escola de Direito, advogado.