A propósito de comunicado do INPI acerca da função de agentes da propriedade industrial, objeto de recente decisão judicial que, citando trecho do livro "Propriedade Intelectual", 5ª ed. Manole, São Paulo, p. 88 e 89, do prof. Newton Silveira, decidiu que qualquer pessoa física, ainda que não cadastrada pelo INPI, pode atuar como procurador, é de se conferir o contexto de onde a citação foi extraída:
"Obviamente, mesmo que se modernize o INPI, que se centralize o registro de direitos autorais e o Poder Judiciário crie juizados especiais, o sistema não pode funcionar se a representação das partes perante o INPI não tiver caráter concorrencial. Necessita-se, nessa área, de uma Lei Chapelier, que acabe com as corporações de ofícios.
A regra necessária a ser instituída é que um agente de propriedade industrial não possa atender empresas concorrentes. Parece óbvio, mas não é assim.
O Ato Normativo INPI 4, de 2013, que instituiu o Código de Conduta Profissional do Agente da Propriedade Industrial, estabelece em seu art. 9:
O Agente da Propriedade Industrial ou os agentes integrantes da mesma sociedade profissional da Agentes da Propriedade Industrial reunidos em caráter permanente para cooperação recíproca, não devem representar junto ao INPI, em um processo específico, simultaneamente, clientes em conflito de interesse.
Quando a Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (Abapi) preparou o anteprojeto do Código de Conduta, não havia o trecho acima grifado. O texto rezava que "o Agente [...] ou os Agentes [...] não devem representar junto ao INPI clientes em conflito de interesses".
Inexplicavelmente, no Ato Normativo foi acrescentado: "em um processo específico, simultaneamente". Esse acréscimo tornou absolutamente inócua a proibição da representação em conflito de interesses.
Ao que consta, não houve nenhum protesto da Abapi contra esse acréscimo.
A propósito, lembro-me de um comentário do velho professor Canuto Mendes de Almeida, que era ministro do governo Getúlio Vargas quando da edição do Código da Propriedade Industrial de 1945. Ele me disse: "Veja na parte que cuida da procuração de estrangeiro que houve uma troca de palavras no corredor do Catete". Examinando o texto do Decreto-lei n. 7.903/45, encontrei o art. 214, que estabelecia o seguinte: "a pessoa domiciliada no estrangeiro, para depositar marca ou patente, deverá, desde logo, constituir procurador hábil, domiciliado no país, que a represente perante o Departamento Nacional da Propriedade Industrial".
O parágrafo único desse artigo, no entanto, saiu com a seguinte redação: "O mandato, que poderá conter poderes para receber primeiras citações, será arquivado no Departamento, na forma do disposto no artigo precedente".
Evidentemente, trocou-se deverá por poderá, isso foi devidamente corrigido nas leis subsequentes, pois o texto daquele parágrafo tal como foi publicado tornou-se, também, absolutamente inócuo.
A concentração de representação de partes em conflito de interesses não prejudica somente as partes representadas, que, normalmente, até desconhecem o fato, porque os órgãos de classe tentam coibir o disclosure, sob a alegação de que o envio de comunicações ao mercado é falta de ética, o que é muito cômodo para manter o status quo. Essa concentração, na verdade, inibe o desenvolvimento de agentes de propriedade industrial concorrentes que atendam a partes que competem no mercado.
Em suma, impede o desenvolvimento do setor de serviços, que constitui um elemento essencial para que todo o sistema de propriedade industrial brasileiro funcione.
"Nem se diga que essa é uma questão que deve ser resolvida no mercado, mediante a competição entre as empresas de serviços concorrentes. A concentração da atividade em poucas mãos, mediante o artifício de atendimento em conflito de interesses, fere as normas da concorrência e impede que o sistema deslanche para a modernidade".
Trata-se de tema de inegável importância, por isso justificando-se trazer a transcrição para debate dos colegas.
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