O Supremo Tribunal Federal: contramajoritário e representativo
Como ja assinalado, o constitucionalismo democrático foi a ideologia vitoriosa do século XX em boa parte do mundo, derrotando diversos projetos alternativos e autoritários que com ele concorreram. Tal arranjo institucional é produto da fusão de duas ideias que tiveram trajetórias históricas diversas, mas que se conjugaram para produzir o modelo ideal contemporâneo. Democracia significa soberania popular, governo do povo, vontade da maioria. Constitucionalismo, por sua vez, traduz a ideia de poder limitado e respeito aos direitos fundamentais, abrigados, como regra geral, em uma Constituição escrita. Na concepção tradicional, a soberania popular é encarnada pelos agentes públicos eleitos, vale dizer: o Presidente da República e os membros do Poder Legislativo. Por outro lado, a proteção da Constituição – isto é, do Estado de direito e dos direitos fundamentais – é atribuída ao Poder Judiciário, em cuja cúpula, no Brasil, se encontra o Supremo Tribunal Federal – STF.
Daí a dualidade, igualmente tradicional, que estabelecia uma distinção rígida entre política e Direito, cuja relação vem sendo analisada nesse tópico. Nessa ótica, tribunais eram independentes e preservados da política por mecanismos diversos (autonomia financeira e garantias da magistratura, dentre outros). Por outro lado, não interferiam em questões políticas. Para bem e para mal, esse tempo ficou para trás. Ao longo dos últimos anos, verificou-se uma crescente judicialização da vida, rótulo que identifica o fato de que inúmeras questões de grande repercussão moral, econômica e social passaram a ter sua instância final decisória no Poder Judiciário e, com frequência, no Supremo Tribunal Federal. Em tom crítico, na academia ou no Parlamento, muitos atores reeditaram o comentário de Carl Schmidt, contrário à ideia de criação de tribunais constitucionais, que falava dos riscos de judicialização da política e de politização da justiça. Ao contrário de Hans Kelsen, que os defendia. Não é o caso de reeditar esse debate, cujos contornos já foram analisados em inúmeros trabalhos doutrinários .
O que cabe destacar aqui é que a Corte desempenha, claramente, dois papéis distintos e aparentemente contrapostos. O primeiro papel é apelidado, na teoria constitucional, de contramajoritário: em nome da Constituição, da proteção das regras do jogo democrático e dos direitos fundamentais, cabe a ela a atribuição de declarar a inconstitucionalidade de leis (i.e., de decisões majoritárias tomadas pelo Congresso) e de atos do Poder Executivo (cujo chefe foi eleito pela maioria absoluta dos cidadãos). Vale dizer: agentes públicos não eleitos, como juízes e Ministros do STF, podem sobrepor a sua razão à dos tradicionais representantes da política majoritária. Daí o termo contramajoritário. O segundo papel, menos debatido na teoria constitucional , pode ser referido como representativo. Trata-se, como o nome sugere, do atendimento, pelo Tribunal, de demandas sociais e de anseios políticos que não foram satisfeitos a tempo e a hora pelo Congresso Nacional.
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* Luís Roberto Barroso é ministro do STF.
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