Trata-se de assunto atualmente muito discutido, em razão do aumento de ações propostas por sindicatos e MPT, postulando a indenização à coletividade. Além de polêmico, embora tenha um efeito pedagógico indiscutível, pois obriga o empregador a agir de forma preventiva e a cumprir às normas legais, é carente de legislação que o regulamente, de modo que os tribunais vêm dirimindo tais controvérsias com base no Direito Civil e nos direitos e obrigações da relação laboral. Assim, o dano moral coletivo tanto pode afetar o interesse dos indivíduos considerados como membros do grupo, quanto o direito cujo titular seja o próprio grupo. Neste sentido, a lei 7.347/85, que regulamenta a ação civil pública, prevê expressamente a possibilidade do reconhecimento de dano moral coletivo, ao dispor, no artigo 1º, IV, a referência a responsabilidade por danos morais e coletivos causados "a qualquer outro interesse difuso ou coletivo".1
Oportuno lembrar, a propósito, disposição expressa do CDC – lei 8.078/90, em seu artigo 81, parágrafo único, por meio do qual entende-se por interesses ou direitos coletivos os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.2
As características dos interesses difusos e coletivos são bem delineadas por Alexandre Agra Belmonte: "Os interesses difusos e coletivos são transindividuais (porque transcendem os interesses privados e pessoais), indivisíveis (quanto ao objeto) e indetermináveis (quanto ao sujeito), como ocorre quanto à manutenção dos serviços essenciais numa greve ou com a necessidade de eliminação de insalubridade em ambiente de trabalho (difuso), ou como a norma que determina o desconto assistencial para associados e não associados (coletivo) ou a alteração prejudicial de norma regulamentar de concessão de complementação de aposentadoria". Ainda, enumera e exemplifica algumas hipóteses em que o empregador pode causar dano moral a grupos de trabalhadores: "quando promove trabalho escravo, forçado ou ainda de menores de 16 anos; quando deixa de satisfazer o pagamento dos salários, não obstante aplique os recursos empresariais em outros investimentos; quando, deliberadamente, não cumpre as normas de segurança e medicina do trabalho, colocando em risco a saúde, a vida do trabalhador; quando promove atos discriminatórios às mulheres, por exemplo, revistas íntimas ou imposição de intervenções para esterilizações como condição de continuidade do vínculo; quando promove causas simuladas para acordos de rescisão; quando obtém, por ocasião e como condição da contratação, assinatura em pedidos de demissão ou em termos de quitação assinados em branco; quando discrimina por sexo, raça e religião nas admissões; quando atinge grupo de trabalhadores por racismo ou preconceitos; quando o empregador pratica atos atentatórios da liberdade sindical ou do direito de greve".3
Portanto, o dano moral coletivo configura-se quando o dano atinge a uma coletividade, e não apenas a um indivíduo, e decorre do descumprimento de obrigações legais que prejudiquem a uma coletividade de trabalhadores; agressões ao meio ambiente do trabalho; entre outras.4
Segundo destaca o I. Humberto Theodoro Junior5, sendo o dano moral um dano pessoal, pressupõe autoria. E para que seja indenizável, "não será suficiente ao ofendido demonstrar sua dor. Somente ocorrerá a responsabilidade civil se reunirem-se todos os seus elementos essenciais: dano, ilicitude e nexo causal". Tais elementos são determinados pelo artigo 186 e 927 do CC.6 Destarte, para que seja verificada a ocorrência de dano moral, são necessários o preenchimento de 3 requisitos fundamentais: (i) dano; (ii) ilicitude e (iii) nexo causal. O ordenamento jurídico pátrio consagra a tese da responsabilidade subjetiva pelo dano, ou seja, é necessário que o agente causador tenha agido ao menos com culpa, para que seja responsabilizado. A culpa do agente causador do dano irá se expressar tanto na forma intencional quanto involuntária (casos nos quais se caracteriza o ato pelo qual o dano foi causado, mas que, inicialmente, não fora previsto pelo agente). O dolo é a intenção, o ânimo do agente em prejudicar, em causar prejuízo, não apresentando maiores dificuldades conceituais para o seu enquadramento.
Ademais, para a configuração do dano moral coletivo, o ilícito e seus efeitos devem ser de tal monta graves que importem na imediata reação social, extrapolando aquela relativa ao descumprimento pelo agente de determinadas normas de conduta trabalhista. A ofensa, neste caso, alcança os valores fundamentais compartilhados pela coletividade que se vê injustamente lesada. Os bens ou interesses lesados são metaindividuais, de indiscutível relevância social. Por isso são juridicamente tutelados. Nesse sentido destacam-se os julgados do E. TST e TRT da 14ª Região:
[...] Ementa: DANOS MORAIS COLETIVOS. HIPÓTESE QUE NÃO SE CONFIGURA. O dano moral coletivo pressupõe um ilícito que enseje imediata repulsa social, para o que não se pode dispensar, in casu, a demonstração do nexo causal entre a conduta empresarial no cumprimento da norma e a lesão à coletividade. Na apreciação dos fatos, o tribunal regional afirmou que a inobservância reiterada da reclamada quanto ao cumprimento da legislação trabalhista no tocante à jornada de trabalho não submete a coletividade a uma situação indigna apta a autorizar a reparação por danos morais. Recurso de revista de que não se conhece.[...]7
[...] Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS. DANO MORAL COLETIVO. REPERCUSSÃO. INCABIMENTO. É necessário para que se configure o dano moral coletivo indenizável que a repercussão do ilícito perante a sociedade seja ampla e plenamente percebida, de forma que o anseio social naturalmente crie uma necessidade de indenização, um clamor da sociedade de uma intervenção imediata e eficaz do poder judiciário para estancar ou prevenir a prática de determinado ilícito que causa indignação na população. O mero descumprimento de normas constitucionais e infraconstitucionais pelo empregador não gera, automaticamente, a incidência de indenização por dano moral coletivo, sendo necessário que o ilícito repercuta na coletividade, com prejuízo e lesão aos direitos coletivos e difusos.[...]8
Portanto, recente tendência doutrinária e jurisprudencial vem reconhecendo a existência de dano moral coletivo, a impor a indenização da coletividade. De fato, em se reconhecendo a existência autônoma de uma esfera coletiva de direitos, não há como se negar a esta a possibilidade de defesa de seu patrimônio imaterial. Porém, para uma real apuração do dano moral causado a uma coletividade por ofensa a direitos fundamentais, caberá ao julgador agir com coerência, respeitando
os valores em sua essência e justificar moralmente o direito, socorrendo-se dos princípios e dos demais meios à sua disposição para uma solução justa.
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1 Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: [...]IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo [...]
2 Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
3 BELMONTE, Alexandre Agra. Danos morais no Direito do Trabalho, 3. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 167-168
4 FRISCH, Felipe. "Ganha espaço na Justiça do Trabalho o 'dano coletivo'". Jornal Valor Econômico. 25/06/2007
5 THEODORO JUNIOR, Humberto. Dano Moral. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2007, p. 7
6 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
7 TST; RR 1102-73.2010.5.03.0139; Quinta Turma; Rel. Min. João Batista Brito Pereira; DEJT 31/08/2012; Pág. 2184
8 TRT 14ª R.; RO 0000599-32.2011.5.14.0003; Primeira Turma; Rel. Des. Ilson Alves Pequeno Junior; DJERO 13/12/2012; Pág. 30.
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*Juliana Cardoso Nogueira Lei é advogada do escritório Trigueiro Fontes Advogados.