Em junho deste ano, antes e durante a Copa das Confederações, o Brasil foi, positivamente, surpreendido com manifestações populares, oriundas inicialmente do movimento Passe Livre em São Paulo, que se espalharam por todo o país.
Verificamos um novo ingrediente nessa manifestação social. Ela foi estimulada pelas redes sociais. Presenciamos as novas tecnologias como instrumento de mobilização social.
Embora as causas que levaram as pessoas às ruas sejam difusas, podemos entender que, em sua essência, há uma insatisfação generalizada com a política e seus políticos.
Podemos dizer que o sistema político vigente no Brasil encontra-se esgarçado e corroído por diversos fatores que contaminam, há anos, as instituições erigidas por aqueles que detêm o poder.
Se possível fosse, gostaria muito de saber como o inolvidável Professor Goffredo da Silva Telles Júnior veria as recentes manifestações populares. Infelizmente, já se passaram quatro anos do seu falecimento, não sendo assim possível a sua manifestação direta. Contudo, suas obras imortalizaram o seu pensar, de modo que podemos nelas nos pautar para levantar algumas hipóteses. Dentre outros livros, lembrei-me de um em especial: O Povo e o Poder, publicado em 2003 pela Malheiros e, posteriormente, pela Juarez de Oliveira.
Acredito que esse livro possa nos dar algumas pistas importantes de como o conhecido mestre das Arcadas do Largo de São Francisco posicionar-se-ia com relação às recentes mobilizações sociais. Muito embora num outro contexto político, Goffredo já alertava, desde os idos de 1948, quando fora Deputado Federal, que a Democracia brasileira estava à deriva. Décadas mais tarde, após lutar ativamente contra o regime de exceção e ser um dos grandes mentores da famosa Carta aos Brasileiros (1977), ele volta seu olhar crítico novamente à política e ao governo. Mais precisamente em 2003, data do livro O Povo e o Poder, o Professor criticava a existência de um governo sem norte, sem planejamento, sem projeção de metas para o futuro, de Poderes sem verdadeira devoção ao bem comum, sem verdadeira preocupação com o Povo, sem autêntico amor pelo Brasil.
Infelizmente, as mazelas apontadas, naquela época, por Goffredo se multiplicaram nos últimos anos. Temos vivenciado, cada vez mais, o que o Professor chamava de vírus da insensibilidade moral, da improbidade e da corrupção.
Como não poderia ser diferente, a ideia de mudanças volta a ganhar força nos dias atuais. O Povo, como diria Goffredo, começa a acordar e a renascer. O Povo quer desabrochar uma nova realidade para o Brasil, com mais educação, mais saúde, mais segurança, mais trabalho, mais criação de bens e riqueza, menos injustiça, menos tributos, menos corrupção.
Encontro, no citado livro do Professor Goffredo, oportuna explicação do que seria essa ideia de mudança, que, a meu ver, se fez presente na recente mobilização do Povo nas ruas: "Ela não é uma ideia, mas uma infinidade de ideias e, o que é mais grave, uma infinidade de ideias em movimento, a procura de um modelo, que nunca se afirma e sempre se renova. Muitas vezes, também, longe de ser um todo perfeito e acabado, é uma ideia fragmentada em elementos esparsos, elementos dispersos pelas consciências individuais..." (2003, p. 135).
Outra explicação oportuna pode ser encontrada no referido livro para as manifestações sociais de junho de 2013. Podemos dizer agora, como apontou Goffredo naquela oportunidade, que os manifestantes, com seus corações inconformados, traziam consigo uma incontida indignação acumulada há anos, uma revolta incontrolável, uma onda decidida de oposição apartidária ao "status quo" de nossa política. Externaram um sentimento latente de amor por nossa Terra. Como percebeu Goffredo naquele momento, percebemos hoje uma convicção comum: a de que é preciso mudar o Brasil, mudar os alvos da política, construir uma Democracia verdadeira, uma Democracia participativa, como também defendem outros ilustres mestres, como Paulo Bonavides e Fábio Konder Comparato.
Precisamos de algo que parece tão simples, mas que circunstâncias espúrias que cercam a sociedade atual o transformavam num mito inalcançável: a política voltada para o bem comum, para o Povo, do qual irradia o verdadeiro e legítimo poder político.
Para reconstruir o atual cenário político brasileiro, são necessárias várias mudanças. Sem dúvida, a reforma política se mostra indispensável. Não uma reforma circunstancial, feita de forma afoita, sem a devida reflexão, no calor de grande apelo social. Neste momento, a razão deve sobrepor-se à emoção, pois o que está em xeque é o futuro do Brasil. Todo cuidado é pouco, já dizia o velho dito popular.
Fiquemos com o essencial: as ruas clamaram e continuarão clamando por mudanças, mas por mudanças de qualidade para o Povo, mudanças que venham verdadeiramente resultar no bem comum e no fortalecimento da Democracia deste país. Acredito que esse também seria o desejo do inesquecível Professor Goffredo, se entre nós estivesse. O sonho dele continua vivo e mostrando o caminho.
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* Rogério Alessandre de Oliveira Castro é advogado e professor da FDRP/USP.