Noventa anos com Goffredo da Silva Telles Junior
No próximo dia 16 de maio, um dos um dos mais ilustres cidadãos brasileiros completa seus 90 anos de idade, colhendo muitos dos frutos que plantou em sua profícua vida de estudante, advogado, escritor, político, filósofo, enfim, de um verdadeiro professor, na acepção da palavra.
segunda-feira, 16 de maio de 2005
Atualizado em 13 de maio de 2005 11:08
Noventa anos com Goffredo da Silva Telles Junior
Rogério Alessandre de Oliveira Castro*
Infelizmente, não fui, no papel, aluno do Professor Goffredo, mas relações profissionais me proporcionaram a convivência com ele nestes últimos quatro anos, a ponto de ser o grande incentivador para que prestasse as provas de ingresso no Doutorado do PROLAM/USP. Assim, permito-me qualificar como seu aluno de vida, na medida em que o tenho como um grande mestre, aquele que irradia serenidade, inspira confiança, desperta, nos que se encontram à sua volta, o fogo interior do entusiasmo sagrado pelo conhecimento, pela verdade, pela transparência e pelo despojamento.
Certamente teria muita coisa para escrever sobre essa respeitada pessoa humana, autor de diversas obras primas (O Direito Quântico, Ética, Tratado da Conseqüência, Iniciação na Ciência do Direito, Palavras do Amigo aos Estudantes de Direito, A Criação do Direito, O Povo e o Poder, A Folha Dobrada - Lembrança de um Estudante, dentre outras), porém, prefiro neste momento registrar a minha homenagem a seus noventa anos resgatando os ideais da conhecida Carta aos Brasileiros, que talvez melhor sintetize o espírito daquele que sempre lutou por um Estado Democrático de Direito.
A Carta aos Brasileiros foi por ele escrita em meados do ano de 1977, em comemoração do Sesquicentenário dos Cursos Jurídicos no Brasil, mas, na realidade, passou a ser um "testemunho, para as gerações futuras, de que os ideais do Estado de Direito vivem e atuam no espírito vigilante da Nacionalidade", ou seja, um grito em nome do Povo tolhido de seus direitos mais elementares pela ditadura militar na época.
Daquela data até os dias atuais, muitos dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, reclamados pelo Professor Goffredo à época, foram conquistados, como, por exemplo, o direito de votar, de escolher livremente os seus governantes.
Contudo, sabemos que a verdadeira democracia não é só o regime político em que o Povo elege periodicamente os seus governantes.
Acreditamos que aquela ditadura militar foi derrubada, porém, entendo eu que ainda impera no Brasil outras ditaduras que precisam também ser vencidas para que possamos nos intitular, verdadeiramente, com um Estado Democrático de Direito. Aliás, o mestre Goffredo alertava isso no início da referida carta, dizendo que era preciso lutar "contra a opressão de todas as ditaduras", e não apenas contra a militar, alvo principal naquele momento histórico.
O fato é que vivemos agora, mais do que nunca, a ditadura do desenvolvimento econômico em detrimento do desenvolvimento social, e, pior, com a agravante de que este desenvolvimento deva ser buscado incessantemente, custe o que custar ao Povo, mesmo no governo atual, tido como de esquerda. Basta lembrar que a busca do desenvolvimento econômico sustentado é utilizada quase que diariamente pelo governo para justificar a alta taxa de juros e o aumento da carga tributária no país.
Entendo que continuamos vivendo uma ditadura, agora econômica, na medida em que o Governo não se harmoniza com os anseios de seu Povo, apesar de ter sido devolvido a ele o direito de eleger seus governantes. No período militar, o Poder Executivo, por meio de atos arbitrários, declarava a incapacidade da Sociedade Civil, e decretava a sua interdição. Atualmente, o Poder Executivo, de forma dissimulada, em decisões econômicas não compreendidas pela maioria do Povo, voltadas muitas vezes a interesses particulares que protegem indivíduos, famílias, classes, partidos ou corporações, continua a decretar a sua incapacidade, materializada agora na carga tributária crescente, no analfabetismo (inclusive afetivo), no desemprego ainda preocupante, na saúde pública ineficiente, na segurança pública quase que inexistente, enfim, na ausência do Estado aonde ele mais ele deveria atuar. É por isso que afirmo que o Governo ainda continua separado do Povo, tal qual alertava o Professor Goffredo na época da ditadura.
Utilizando as palavras do mestre, com as adaptações que os dias de hoje exigem, diria que o Brasil vive uma Ditadura Econômica, ou seja, um regime que governa para outros que não nós, e com nós em estado de torpor.
Aliás, é com base nos ideais do Professor Goffredo, ainda atuais e muito úteis, que foi lançada no final de 2004 uma Campanha Nacional em Defesa da República e da Democracia, capitaneada por renomado jurista, Fábio Konder Comparado, e que conta com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil e da Conferência Nacional dos Bispos. Aliás, essa campanha resultou na proposta de um Projeto de Lei, que traz, dentre outros, o direito de o Povo decidir por plebiscito sobre a realização das políticas econômicas e sociais previstas na Constituição. Eis um sinal claro de que os ideais do Estado de Direito continuam a viver e atuar no espírito vigilante da Nacionalidade.
Finalizo essas mal traçadas linhas dizendo que os ideais da Carta aos Brasileiros continuam vivos, na medida em que continuamos querendo uma ordem, que não sobreponha os interesses econômicos aos sociais, que seja mais justa com seu Povo e que se aproxime mais ao Estado Democrático de Direito tão desejado pelo mestre Goffredo.
Em tão memorável data, festejemos os seus ideais, ainda vivos e bastante atuais.
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*Sócio do escritório Castro e Castro Advogados Associados
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