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Hermenêutica e senso comum

Em nosso tempo de faculdade, aprendíamos (?) coisas como Economia e Direito Internacional, coisas que classificávamos como "perfumaria", a significar "inutilidade", "perda de tempo". Até hoje não sei como passei nos exames do prof. Pinto Antunes, pois de Economia entendo tanto quanto os economistas que já passaram pelo governo federal.

7/11/2005


Hermenêutica e senso comum


Adauto Suannes*

Em nosso tempo de faculdade, aprendíamos (?) coisas como Economia e Direito Internacional, coisas que classificávamos como "perfumaria", a significar "inutilidade", "perda de tempo". Até hoje não sei como passei nos exames do prof. Pinto Antunes, pois de Economia entendo tanto quanto os economistas que já passaram pelo governo federal. Já o Direito Internacional, esse adquiriu uma importância que jamais havíamos suposto naquela ocasião. Está aí minha querida profa. Maria Helena Fonseca de Souza Rolim que não me deixa mentir.

Havia, é verdade, vagas referências à Hermenêutica nas aulas do prof. Goffredo, no início do curso, e na do prof. Miguel Reale, sênior, lá no último ano. Pobre Reale, que, cansado de tentar nos incutir noções de filosofia, desabafava: "Parlerite ante porcos!" Não era bem isso, mas era o que nos soava. A lembrar o primeiro contato do nosso guru Ranulfo de Mello Freire com a Filosofia. Primeira aula, o professor lá na frente pontificando: "Eu não existo! Vocês não existem! Tudo o que existe é o pensamento e o pensado!" Ranulfo desabafa com um colega: "Eu não volto mais aqui!" E o colega, pragmático: "Deixa de ser besta! A gente cola e passa."

E entre a Economia do Pinto e a Introdução do Goffredo lá íamos nós, como diria o colega Vadim da Costa Arski em uma de suas composições musicais.

Pois meu contato com a Hermenêutica se deveu ao Min. Carlos Maximiliano, já depois de eu estar formado. Não sei se hoje as faculdades de Direito têm aulas específicas dessa matéria. Se não nas têm, penso ser tempo de preencher a inaceitável lacuna. Aliás, a diferença entre o que ocorre no Brasil e o que em outros países, como, aliás, expliquei na Noruega, para surpresa deles, é que lá, entrando em vigor a lei, as pessoas cuidam de saber logo o que ela diz; no Brasil, ao contrário, as pessoas cuidam de saber o que ela não diz. E tome exegese!

Quando eu lecionava (por sinal, mais um tópico encerrado de minha vida, não adianta insistir), apresentava alguns problemas aos alunos, para que os resolvessem com o chamado "senso comum", que muitos chamam "bom senso". "Bom" porque é o nosso senso, é claro! É como esquerdistas que se dizem "progressistas". É só lembrar que nazismo vem de nacional socialismo, para ver que isso de direita e esquerda ...

Mas o que eu dizia é que uma das questões que eu propunha a eles era julgar, pelo chamado "senso comum", a seguinte situação, absolutamente verdadeira. Há em Campos do Jordão um Horto Florestal, que se inclui nas chamadas "atrações turísticas" da cidade. Junto à entrada há um porteiro e uma tabuleta: "Proibida a entrada de animais domésticos". Certa vez, perguntei ao tal porteiro se ele me deixaria entrar com um leão. Ele fez cara de quem me achava maluco, mas seu acompanhante prorrompeu (acho que nem ele sabia que sabia prorromper ...) numa gargalhada estridente. "O cara tem razão, meu. Leão não é animal doméstico!"

Pois a questão por mim proposta era analisar esse estranho diálogo à luz do tal senso comum, para que depois eu explicasse o que era Hermenêutica e o que era Exegese. E para que servem.

Fico agora sabendo que ocorreu, alhures, a seguinte situação: havia em certo local uma placa proibindo a entrada de cães e gatos. Alguém ali chegou com um outro tipo de animal (talvez leão ou urso, não sei) e foi proibido de entrar. Quase ao mesmo tempo chegou um cego, acompanhado de um cão-guia, e sua entrada foi permitida. Diante dos protestos do primeiro, que alegava só haver proibição da entrada de cães e gatos, o porteiro teria esclarecido: "isto não é lugar para animais irracionais, pois irão atrapalhar os freqüentadores". "E o cão do cego? Por que entrou?" teria indagado o outro. "Ele vai estar ocupado em orientar o dono e não incomodará ninguém" teria concluído o porteiro, com um bom senso (ou senso comum, se preferis) que não vi em alguns juízes que conheci.

Cito, por fim, algumas situações envolvendo juízes, para que o leitor conclua como bem entender estas reflexões. Juízes de futebol, esclareço.

Primeiro caso: Portugal está ganhando a partida por 6 a 0. O juiz, cumprindo determinação da FIFA, prorroga o segundo tempo por 2 minutos. Para quê?

Segundo caso: um time está perdendo de 1 a 0. Um jogador do time perdedor é expulso e faz o maior salseiro, recusando-se a deixar o campo de jogo, incidente que consome mais de 5 minutos. Ao fim da partida, cujo placar ainda é 1 a 0, o juiz, seguindo ao pé da letra a tal regra da FIFA, prorroga a partida por 5 minutos. Imagino o que aconteceria se o time que estava perdendo virasse o placar.

Terceiro caso: um conhecidíssimo comentarista de futebol, que ao fim do jogo dá notas aos jogadores, espinafra o juiz, que expulsou indevidamente determinado jogador. Ao fim do jogo, ao dar notas aos jogadores, ele dá nota 0 ao jogador expulso. "Verdade que a expulsão foi injusta, mas meu critério (?) é esse: jogador expulso, nota zero!"

Para encerrar, o sobredito prof. Reale tinha também suas regras. Uma delas: "Depois que eu entro na sala ninguém mais entra". Um dia, estávamos conversando junto à porta da sala de aula, ali no andar térreo, quando apareceu ele. Entramos todos na sala de aula, como nos competia. Todos, não. Um de nós, aparentemente o mais educado (na verdade, um grandessíssimo fazedor de média), esperou o professor chegar e, com um gesto amplo, deu-lhe passagem. Miguel Reale passou, voltou-se para o "educado" e decretou: "Como eu sempre digo, depois de mim, ninguém". E fechou a porta, deixando o puxa-saco do lado de fora.
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*Advogado






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