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Controle de lavagem é obrigação do Estado

Quando o crime de lavagem de dinheiro foi criado, em 1998, a lei trouxe outra importante inovação para o sistema jurídico brasileiro ao obrigar determinadas pessoas físicas e jurídicas a denunciar operações suspeitas de seus clientes quando presentes indícios de lavagem.

27/5/2013

Quando o crime de lavagem de dinheiro foi criado, em 1998, a lei trouxe outra importante inovação para o sistema jurídico brasileiro ao obrigar determinadas pessoas físicas e jurídicas a denunciar operações suspeitas de seus clientes quando presentes indícios de lavagem. Entre elas, os bancos, a bolsa de valores, as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, aconselhamento ou assistência em operações financeiras, societárias e imobiliárias, dentre muitos outros. A obrigação não é uma exclusividade da lei brasileira. A partir da Convenção de Viena, de 1988, todos os países membros se obrigaram a criar normas seguindo diretrizes do Gafi - Grupo de Ação Financeira sobre lavagem de dinheiro, criado em 1989.

A obrigação de denunciar operações suspeitas representa um gigantesco fracasso estatal. O Estado reconhece sua incapacidade de investigar crimes e obriga os particulares a ajudar nessa missão. Mas, evidentemente, a tarefa imposta aos particulares é hercúlea, em especial porque os obrigados a comunicar não estudaram direito, não tendo a obrigação de conhecer o conceito de indícios (ainda hoje debatido por juristas) tampouco saber o que é lavagem de dinheiro - conceito que está longe de ser pacificado até por nossos juízes.

De toda forma, para ajudar os leigos a cumprirem as normas administrativas, várias resoluções foram elaboradas com intuito de explicar o que seria uma operação suspeita. Quase todas determinam a comunicação de "quaisquer operações que, considerando as partes e demais envolvidos, os valores, modo de realização e meio e forma de pagamento, ou a falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar sérios indícios da ocorrência dos crimes previstos na Lei nº 9.613, de 1998, ou com eles relacionar-se".

Há vários exemplos nas regulamentações, como a reiteração de saques ou depósitos de dinheiro em espécie e a movimentação de recursos de alto valor, de forma contumaz, em benefício de terceiros. Para saber se uma operação é compatível com a capacidade econômica do cliente, o obrigado a comunicar necessita ter um cadastro que contemple o maior número de informações possível - daí a expressão "conheça seu cliente".

Recentemente, o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, apontou que um dos problemas da lei seria a leniência dos bancos. Penso que essa atribuição de responsabilidade é equivocada. É sempre bom lembrar que, quando do surgimento das obrigações relativas à prevenção da lavagem de dinheiro, os bancos já faziam propaganda de seus sistemas eletrônicos, por meio dos quais o cliente não precisava mais ir à agência para efetuar suas operações. Tudo podia ser feito pela internet. De lá para cá, os sistemas são cada vez mais sofisticados e hoje podemos fazer quase tudo até por telefone celular. Resulta que quase ninguém conhece mais o gerente de conta ou, se conhece, tem um contato cada vez mais reduzido com ele. Ou seja, enquanto os bancos se distanciavam dos clientes com o uso desses sistemas, o legislador determinava um conhecimento aprofundado deles.

Os bancos então aperfeiçoaram seus cadastros, treinaram funcionários, implantaram sistemas voltados a identificar incompatibilidade financeira e efetuam inúmeras comunicações. Somente no último ano foram comunicadas cerca de 850 mil operações suspeitas, segundo o Coaf - Conselho de Controle de Atividades Financeiras. O controle está longe de ser leniente. Pode ser ineficaz, com a comunicação de muitas operações que, embora suspeitas aos olhos dos regulamentadores, estão longe de integrar um procedimento de lavagem. Contudo, isso não é culpa de quem comunica.

A incompatibilidade econômica que pode ser detectada pelo banco está, como se disse, diretamente atrelada ao cadastro, que é preenchido pelo cliente, sem a obrigação de dizer a verdade. Sabemos todos que os brasileiros dão pouquíssimo valor aos cadastros e, muitas vezes, ocultam dados. Por outro lado, o banco não pode exigir a entrega da declaração de renda do seu cliente, protegida por sigilo que só pode ser afastado por um juiz.

O resultado é que os bancos, na expressiva maioria das vezes, só conseguem detectar incompatibilidades superficiais, que podem ocorrer por mero erro dos clientes. É verdade que também se pode descobrir dinheiro sonegado das autoridades, ou seja, detectar o chamado caixa 2. No entanto, tais descobertas ajudam pouco o combate à lavagem. Preencher cadastro errado ainda não é crime e descobrimento de caixa 2 revela sonegação e não obrigatoriamente lavagem. Os bancos, na verdade, cumprem suficientemente a gigantesca tarefa que lhes foi imposta pelo legislador. O que é necessário ficar claro é que quadrilhas especializadas em lavagem, segundo estudiosos do tema, são sofisticadas e não podem ser descobertas por meras incompatibilidades cadastrais.

Quem deve se aparelhar para investigar e punir é o Estado, em especial após a reforma da lei de lavagem em julho de 2012. Antes da nova lei, só alguns delitos eram considerados antecedentes à lavagem, ou seja, apenas alguns crimes poderiam gerar lavagem de dinheiro. Agora, com a nova lei, qualquer infração é antecedente. Isso significa que o número de casos a serem investigados vai se multiplicar. Se o Brasil experimentou resultados pífios no combate ao crime sob a égide da lei antiga, pode-se imaginar que o fracasso aumentará e a busca por culpados também. Os obrigados a comunicar não poderão, obviamente, contribuir ainda mais. Isso porque não são investigadores de polícia, não se propuseram a investigar e não podem tratar os clientes como investigados ou réus. A lei que aumentou os casos a serem investigados foi comemorada por nossas autoridades - daí ser aplicável ao caso o velho dito popular: quem pariu Mateus que o embale.

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* Celso Vilardi é advogado do escritório Vilardi & Advogados Associados.

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