Migalhas de Peso

Hostilidade aos magistrados

O simples aumento no número de desembargadores ou de juízes não soluciona a morosidade da Justiça.

16/5/2012

O Judiciário continua enfrentando dificuldades para cumprir sua missão constitucional de distribuição de justiça, entregando o direito a quem faz jus e reclama; muitos motivos contribuem para essa situação que não é temporária, mas permanente, e que desafia os operadores do direito, o legislador e o próprio jurisdicionado.

É problema mais que centenário!

A imperfeição das leis, o volume de demandas sempre crescente, desacompanhado de meios para a prestação dos serviços judiciais em proporção equivalente e a burocratização, além de outras, são motivações apresentadas para explicar o emperramento da máquina judiciária.

Esses são obstáculos do sistema que se somam a benefícios conferidos aos magistrados, através do tempo, que mais se prestam para gerar hostilidades do povo contra a classe; o cidadão classifica tais vantagens como extravagantes e, em função disso, entendem indevidas certas reivindicações que, às vezes, se mostram justas. E o pior é que a magistratura resiste em eventuais mudanças que, se as houvessem, facilitariam o dialogo com a comunidade.

As férias, juntamente com o recesso criado pelo CNJ, perfazendo o total de 75 dias durante o ano é um divisor de entendimentos entre a comunidade e a classe dos magistrados; esse longo tempo sem trabalhar não é aceito pela mídia e muito menos pelo cidadão comum; a maioria dos juízes não admite modificações nesse direito consagrado pelas leis e asseguram constituir vantagem indispensável ao exercício da profissão; alegam que levam trabalho para casa e mantém a atividade no curso das férias, sob o fundamento de que não há outro meio para agilizar a incontrolável quantidade de processos. Apesar disso, registra-se um volume muito grande de juízes que afastam do trabalho no recesso, mas deixam de usar o direito das férias de 60 dias, acumulando-as e convertendo-as em pecúnia.

Bem verdade que muitos magistrados trabalham além do horário de expediente, porque substituem Varas e Comarcas desprovidas de titulares e enfrentam o tumulto causado pela falta de serventuários. Isso porque o quadro de magistrados e servidores está sempre incompleto.

Efetivamente, a luta da maioria dos julgadores mostra-se extenuante e muitos se entregam ao trabalho de tal forma que apresentam produtividade surpreendente, mas mesmo assim insuficiente para atender aos reclamos do jurisdicionado.

Tem-se, então, o teorema de que as leis são imperfeitas, grande é o volume do trabalho, sem meios equivalentes, a burocratização atrapalha, e faltam juízes e servidores; dessa forma, não se tem como impedir os atrasos na produção de sentenças e acórdãos.

Além desse expediente legal, férias e recesso de 75 dias no ano, a concessão, por alguns Tribunais de auxílio moradia, auxílio transporte e outras vantagens contribuem para apimentar ainda mais o distanciamento entre o magistrado e o jurisdicionado.

Questiona-se a punição ao magistrado que comete falta grave com a aposentadoria compulsória, sem alteração nos vencimentos. O cidadão não absorve tamanha benevolência para quem pratica atos incompatíveis com a missão de julgar e prossegue recebendo, como castigo, a aposentadoria com vencimentos. Afinal de contas, segmento nenhum da sociedade merece pena tão complacente e sem diminuição alguma na remuneração. O servidor que incorrer em falta perde o emprego e o salário, situação diferente com o magistrado que recebe o salário como se estivesse trabalhando e pode ainda exercer outra profissão, a exemplo da advocacia.

A eleição antidemocrática da diretoria dos tribunais é prática estigmatizada pela mídia e incompatível com o sistema democrático brasileiro. Não se compreende como servir-se somente do critério de idade para a escolha dos gestores dos Tribunais. O patrimônio material e pessoal do Judiciário reclama maiores cuidados e não se entende tamanho descuido. A gestão é altamente comprometida pela incompetência administrativa, daí a má aplicação do dinheiro público. A burocracia se encarrega de complicar ainda mais a situação.

A corrupção na magistratura é explicada pelos descuidos na arregimentação do quadro funcional de julgadores; há de se ter melhores critérios para a seleção dos futuros juízes.

Tudo isso, entretanto, não serve para justificar as férias e recesso de 75 dias no ano, a aposentadoria compulsória com vencimentos, a título de punição, ou a eleição da diretoria, sustentada somente no critério de que o tempo é o único sustentáculo da competência administrativa.

Os benefícios considerados inadequados para os tempos atuais, juntamente com a corrupção incompatibilizam o Poder com o povo e com a mídia, provocando ate mesmo hostilidades, porque as leis e os governantes dificultam a atividade do juiz, a imprensa mistifica-a e os “bandidos de toga” atrapalham o dialogo com a comunidade. O entendimento torna-se difícil e as necessidades do sistema são deixadas de lado, emperrando assim a movimentação da máquina judicial.

As reivindicações da magistratura em boa parte são justas e a morosidade nos julgamentos é explicada pela falta absoluta de estrutura; a Comarca ou Vara Judicial não tem servidor, não dispõe do material de expediente necessário, o espaço físico é incompatível com a atividade, além de faltar ao magistrado a mínima segurança possível.

Tudo isso ocorre porque a diretoria dos Tribunais limita-se a aceitar as imposições dos governantes sem se debruçar sobre a correção dos seus orçamentos, direcionados para aperfeiçoamento da máquina judicial; afinal, a Justiça não pode produzir e oferecer o produto, prestação de serviço, sem ter os avanços tecnológicos dos tempos atuais, considerando fundamentalmente a judicialização que ocorreu após a edição da Constituição de 1988, que ampliou o quadro dos direitos sociais, crescendo assim substancialmente a busca dos serviços judiciários.

O Judiciário, principalmente das unidades federadas do Norte, Nordeste, continuam com quase o mesmo número de juízes, de servidores e a mesma estrutura para atender à crescente massa de jurisdicionado.

Sabe-se que há enorme diversidade de orçamentos entre os Tribunais do país; alguns Estados, mesmo com menor arrecadação, população inferior, conseguem percentuais significativos para suas despesas e investimentos. Assim, cuidam dos seus servidores, oferecem condições para o desempenho da atividade; não é o que acontece com a maioria dos Tribunais que não dispõem de recursos para manter o quadro de servidores dentro de suas necessidades, daí porque estão sempre com menos juízes, menos funcionários e, portanto, sem condições de oferecer os serviços reclamados.

Ciente dessa realidade, o CNJ criou um Grupo de Apoio aos Tribunais para negociar com o Legislativo e Executivo, evitando cortes que possam comprometer o funcionamento do Judiciário.

A verdade é que boa parte dos Tribunais simplesmente se acomoda à leitura do texto frio e literal da Lei de Responsabilidade Fiscal, sem adentrar no princípio maior, fixado na Constituição Federal. Se aquela, juntamente com outras normas infraconstitucionais, limitam, restringem a movimentação financeira dos Tribunais, a Constituição, art. 99, assegura autonomia administrativa e financeira. O percentual de 6% estabelecido em lei é meramente indicativo, na expressão de juristas de renome, a exemplo de Ives Gandra. O Judiciário não pode aceitar cortes indevidos no seu orçamento, pois a cada ano aumenta sua clientela, sem os correspondentes recursos.

Na verdade, os Tribunais gastam boa parte de seus orçamentos com despesas obrigatórias, a exemplo de pessoal, pouco sobrando para a implantação dos avanços tecnológicos nos cartórios.

Isso, além de irrazoável é desleixo com o que é público.

Depois de experiências amargas, os operadores do direito ainda não se conscientizaram de que o simples aumento no número de desembargadores ou de juízes não soluciona a morosidade da justiça; a ocupação de todos os cargos na situação atual seria semelhante à entrega das cadeiras vagas a bonecos, sem planejamento e sem meta alguma.

Nossa cultura é voltada para a criação de faculdades que se prestam para estimular a cultura do litígio; aliás, já se disse que há mais faculdades de direito que botecos.

Enquanto isso, o Judiciário desempenha papel semelhante à seca no nordeste; resolve hoje um problema, amanhã outro, mas não se ataca o fundamento maior do mal, motivando o descrédito e a hostilidade; ninguém faz nada e tudo continua como está.

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* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior






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