(1) Reuniões de trabalho da Subcomissão
Nos dias 15 e 16 de março, reuniram-se em Curitiba os membros da Subdivisão encarregada de redigir propostas para a reforma da Parte Geral do Código Penal. Estiveram presentes: Desembargador de Câmara Criminal (TJ-RJ), José Muiños Piñeiro Filho; Professor de Direito Penal e Promotor de Justiça (GO), Marcelo André de Azevedo e Professor René Ariel Dotti (PR)1. Ausente, justificadamente, o Advogado, Emanuel Messias Oliveira Cacho (SE). Os trabalhos tiveram a valiosa colaboração do Advogado José Carlos Porciúncula Nobre Neto (DF), Doutor pela Universidade de Barcelona e pesquisador na Universidade de Bonn. Segue a relação de novos dispositivos propostos.
(2) Direitos do preso e proteção da visita
O Código Penal estabelece no art. 38: "O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se às autoridades o respeito à sua integridade física e moral".
O dispositivo se remete ao art. 41 da lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) que relaciona vários Direitos Humanos do apenado, – desde alimentação até o atestado de pena a cumprir (inc., I a XVI), o direito de visita do cônjuge, companheiro (a) de parentes e amigos (inc. X).
Lamentavelmente, porém, muitos condenados e presos provisórios sofrem o dano moral reflexo quando a esposa, companheira, parente ou amiga, sofre o constrangimento irreparável da revista por meio invasivo como diligência para evitar a entrada de droga na unidade prisional. Certamente quem deve ser revistado é o próprio interno após o encontro se houver fundada suspeita de uma ou mais hipóteses do art. 240, § 2º, c/c o § 1º, incisos b, f e h. do CPP.
A Subcomissão aprovou a proposta do Des. José Muiño de acrescer ao art. 38 do CP, o § 2º, com o seguinte teor: "§ 2º Impõe-se às autoridades o respeito à dignidade da pessoa humana do visitante, sendo vedada a revista invasiva". Foi também de sua iniciativa a redação do § 1º do seguinte e relevante direito: "§ 1º O condenado tem direito ao recolhimento em cela individual e de receber visita".2
(3) Adequada definição para o delito culposo
Muito embora as modalidades de conduta previstas no inciso II do art. 18 do Código Penal3 sejam de fácil apreensão, não raro é difícil distinguir uma de outra ou se ocorrem as duas. Vale a hipótese do motorista que, apesar das recomendações técnicas que recebeu para fazer longa viagem, deixa de verificar o estado dos pneus, o sistema de frenagem ou o funcionamento de alguma peça essencial.
Os criminalistas Luís Otavio Sales e Guilherme Alonso, propuseram a seguinte norma: "Art. 18. I- ................; II – culposo quando o agente, deixando de observar os deveres de cuidado objetivo, deu causa ao resultado previsível". A redação foi aprimorada pelo membro Marcelo de Azevedo e passou a constar assim: "II - culposo, quando o agente, deixando de observar os deveres de cuidado exigíveis nas circunstâncias, deu causa ao resultado previsível".
O conceito assim exposto contém os elementos da culpa – consciente ou inconsciente – e está em harmonia com a lição de Regis Prado ao ensinar que "a culpa tem, portanto, estrutura complexa que compreende a inobservância do cuidado objetivamente devido (elemento do tipo injusto culposo), e também a previsão ou a capacidade do agente prever o resultado (culpa consciente e inconsciente)."4
Neste sentido é também o meu entendimento: "Existe o crime culposo quando o agente, violando o dever de cuidado objetivo a que estava obrigado em face das circunstâncias, não prevê o resultado previsível ou, prevendo-o, supõe levianamente que o mesmo não ocorreria ou que poderia evitá-lo".5
(4) O desconhecimento da lei pode ser escusável
"O desconhecimento da lei é inescusável" (CP, art. 21). A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (lei 12.376/2010), que deu nova redação à ementa do Dec. lei nº 4.657/1942, declara que ninguem se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece (art. 3º). Em sua redação original, (Dec.-lei nº 2.848/1940), o Código Penal continha uma regra específica, declarando: "A ignorância ou errada compreensão da lei não eximem de pena" (art. 16). Tal problema poderia, quando muito, constituir uma circunstância atenuante, se a ignorância ou o erro fossem escusáveis (CP, art. 48, III).
Com a reforma determinada pela lei 7.209/1984, a presunção do conhecimento da lei perdeu o seu caráter absoluto. Estabelece o art. 21 que o desconhecimento da lei é inescusável, porém o erro sobre a ilicitude do fato, quando for inevitável, isenta o agente de pena. E se for evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. O parágrafo único desse dispositivo declara que o erro é evitável se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.
O dogma da irrelevância do desconhecimento da lei penal tem perdido nos últimos anos o prestígio que desfrutava na doutrina e na jurisprudência. Muitas normas incriminadoras se multiplicam no quadro da proteção de bens e interesses particularizados.
Pensando desta maneira o criminalista Gustavo Britta Scandelari observa que a regra de que o desconhecimento da existência da lei penal não isenta de pena está ultrapassada e é contraditória com o erro de proibição inevitável sobre a existência de lei penal. A reforma da Parte Geral (1984) tratou de prever o ‘erro sobre a ilicitude do fato’ como causa de isenção de pena, mas deixou de suprimir o resquício da redação original ('o desconhecimento da lei é inescusável') que é evidentemente incompatível com o espírito da Reforma (princípio da culpabilidade – individualização da pena – ação finalista). Assis Toledo já expunha que "só uma enorme confusão poderia identificar duas coisas diferentes como estas – o desconhecimento do injusto e o desconhecimento de uma norma legal"6. Vide, ainda, Cirino dos Santos, para quem "o equívoco da literatura penal doméstica sobre erro de proibição direto, na modalidade de ignorância da lei, nasce de arbitrária oposição dos conceitos de desconhecimento do injusto e de desconhecimento da lei (...) porque a ignorância da lei pode fundamentar a ignorância do injusto em tipos penais não coincidentes com direitos humanos fundamentais".7
Podem ser oferecidos alguns exemplos para demonstrar que o cidadão comum, não acostumado à vivência do campo, da fazenda ou de qualquer centro urbano em local onde não haja fauna nem flora, pode, perfeitamente, incorrer em um erro de proibição. Assim, várias normas incriminadoras da Lei nº 9.605/1998, (atividades lesivas ao meio ambiente), a exemplo do art. 45, verbis: “Cortar ou transformar em carvão madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público, para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração, econômica ou não, em desacordo com as determinações legais: Pena-reclusão, de 1 (um) a 2 (dois)a nos, e multa".
(5) O princípio da ofensividade
Na audiência pública realizada no dia 2 de março no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), a Subcomissão compareceu para ouvir as observações críticas e as propostas dos membros da histórica entidade. Para o bom rendimento do encontro eu providenciei, dias antes, a remessa do trabalho até então realizado com a indicação pontual dos dispositivos do Código Penal a serem alterados ou criados.
Inspirando-se no Anteprojeto de Código Penal para a Bolívia8, redigido por uma equipe de juristas de outros países liderados por Eugenio Raúl Zaffaroni, os colegas criminalistas que compõem a Comissão Permanente de Direito Penal do IAB, sustentaram que o nosso disegno di legge deve conter uma relação de princípios fundamentais com a natureza de normas imperativas conforme o modelo boliviano: "Artículo 1.- El presente Código se aplicará com rigurosa observancia de los seguintes princípios: (...) Segue-se a relação de 14 mandamentos desde a legalidade estrita até a intervenção penal mínima, passando pelas regras atinentes à humanidade, personalidade e proporcionalidade (das penas), irretroatividade da lei penal mais favorável, coculpabilidade, etc. E o sétimo preceito declara: (Ofensividad e insignificancia). No hay delito sin una lesión significativa para algún bien jurídico o sin ponerlo en peligro efectivo".9
Foi com esta oportuna referência que eu redigi uma outra hipótese de exclusão de ilicitude, com a seguinte redação: "Exclusão de Ilicitude (I)10. Art. 23. Não há crime
Quando o agente pratica o fato: I - ...........; II - ..............III...... § 1º (o atual parágrafo único); Exclusão de ilicitude (II). § 2º. “Também não há crime sem lesão ou perigo concreto de lesão juridicamente relevante".
A proposta exclui a hipótese do chamado crime de perigo abstrato porque, em meu entendimento as espécies de perigo se classificam em: a) crimes de perigo efetivo (ou concreto); b) crimes de perigo presumido. E no meu Curso tenho a oportunidade de afirmar: “Um perigo abstrato, vale dizer, que não corresponde a nenhum dado sensorial ou concreto, a rigor não existe. Essa é a conclusão de autorizada doutrina ao sustentar que qualquer perigo é, sempre, um perigo concreto. O perigo, pode-se afirmar, é um trecho da realidade que decorre da conduta humana, de fato do animal ou força da natureza.
Na lição de Cezar Bitencourt, "são inconstitucionais todos os chamados crimes de perigo abstrato, pois no âmbito do Direito Penal de um Estado Democrático de Direito, somente se admite a existência de infração penal quando há efetivo, real e concreto perigo de lesão a um bem jurídico determinado”. (Tratado, p. 22). Interessante é o entendimento de Ilha da Silva (Dos crimes de perigo abstrato em face da Constituição) formulando diversos exemplos práticos que seriam enquadrados nessa modalidade, entre eles, o tráfico ilícito de drogas. Mas para o referido penalista, os vocábulos 'abstrato' e 'presumido' são tidos como sinônimos (p. 72). Algumas hipóteses que menciona, inclusive com o acesso à jurisprudência, em meu entendimento devem ser classificadas como de perigo presumido. Na concepção filosófica, a abstração 'é uma operação intelectual que consiste em isolar, por exemplo num conceito, um elemento à exclusão de outros, do qual então se faz abstração (...) O termo abstrato qualifica o que deriva de uma abstração' (Durozoi e Roussel, Dicionário de Filosofia, p. 11-12). Uma das acepções de abstração é 'imagem mental subjetiva, irreal'" (Houaiss, p. 32).11
(6) Individualização e cálculo da pena
(6.1) O momento culminante do processo penal é o da sentença. Condenando ou absolvendo ou, ainda, extinguindo a punibilidade, o Poder Judiciário cumpre a difícil e espinhosa missão de materializar uma das tríades fundamentais dos preceitos do Direito Romano, atribuída a Ulpiano (Digesto, 1, 10,1) e confirmada nas Institutiones de Justiniano (1, 1,3), ou seja, suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu). Ao réu, a inocência ou o castigo; à vítima, a frustração ou a compensação moral.
A importância do princípio da individualização judicial da pena está declarada constitucionalmente no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais (art. 5º, XLVI) e na lei ordinária. Dispõe o art. 59 do Código Penal: "O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (...).
A Subcomissão entendeu de suprimir os indicadores "antecedentes" e "personalidade", porque caracterizam formas da culpabilidade pela conduta de vida, culpabilidade pela formação da personalidade e culpabilidade pelo caráter que são expressões de um direito penal autoritário. Um dos defensores dessa tipologia foi Mezger com a sua teoria da culpabilidade pela condução de vida, ao tempo em que estava em ascensão a filosofia totalitária do III Reich, na Alemanha nazista de Hitler.
A pena-base deve ancorar, exclusivamente, nos aspectos constitutivos do, fato típico, ilícito e culpável. Daí a nova redação proposta: Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos motivos e fins, aos meios e modo de execução, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:12
(6.2) O cálculo da pena para atender, tanto quanto possível, os princípios da necessidade, proporcionalidade e razoabilidade, deve consistir em prestação jurisdicional motivada, não sendo adequada a mera indicação do número de majorantes (Súmula, STJ, nº 443).
Em função da magnitude dessa operação legal a Subcomissão aprovou as seguintes disposições: "Cálculo da pena. (...) § 1º Na fixação da pena-base o juiz deve fundamentar cada circunstância, considerando ainda que o quantum de cada uma delas não poderá ser inferior a 1/10 nem superior a 1/6 da diferença entre os limites legais. § 2º O quantum de cada atenuante ou agravante não pode ser inferior a 1/8 nem superior a 1/6 da pena-base. § 3º (Renumeração do parágrafo único) No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.13
§ 4º Quando a pena-base for fixada no mínimo cominada e sofrer acréscimo em consequência de causa de especial aumento, o juiz poderá reconhecer atenuante até então desprezada.14
(7) Critério de avaliação
Segundo o critério adotado para os trabalhos de redação do anteprojeto, a avaliação das propostas oriundas de uma Subcomissão é realizada em reunião conjunta das três Subcomissões (Parte Geral, Parte Especial e legislação extravagante). Compete ao Relator-Geral “sistematizar o conjunto das contribuições oferecidas pelos relatores parciais e pelos demais membros da Comissão”.15
(8) A redação do texto final do anteprojeto
Até a data de entrega de minha carta contendo as razões do meu afastamento, não tive conhecimento acerca dos detalhes para a tarefa da redação final do disegno di legge. O Regulamento é omisso a esse respeito ignorando-se o critério a ser adotado, ou seja, se esta relevante etapa do procedimento seria atribuída ao Relator-Geral ou a uma comissão integrada por membros das Subcomissões. Essa dúvida, se ainda não foi esclarecida até a data da publicação deste artigo, poderá ser resolvida, segundo penso, por ato específico do Presidente da Comissão Geral e Coordenador dos Trabalhos, Ministro Gilson Dipp, pois a ele compete "outras atribuições inerentes à natureza da função".16
(9) A necessidade da publicação prévia do anteprojeto
Como é curial, a iniciativa parlamentar, acadêmica e profissional de revisão e reforma global do sistema positivo - após a frustração do Código Penal de 1969 (Dec.-lei nº 1.004) alterado pela Lei nº 6.016/1973)17 - exige, além das audiências públicas que estão se realizando com o apoio e a divulgação de setor administrativo do Senado Federal, uma ampla divulgação do texto do anteprojeto antes de ser convertido em projeto de lei. Independentemente do roteiro traçado pela organização dos procedimentos da reforma é fundamental que a comunidade dos penalistas brasileiros, em representação de entidades e órgãos públicos e privados e pela participação individual tenha a oportunidade, o direito e o dever de opinar sobre o conjunto inicial de uma obra legislativa dessa dimensão social e histórica. Principalmente quando a reforma é global envolvendo o desafio da compilação das leis extravagantes no contexto da Parte Especial do Código Penal ou para além de seus limites.
(10) A documentação dos trabalhos do anteprojeto
Além das audiências públicas que estão sendo realizadas para discussão e reflexão de temas pontuais da Parte Especial, torna-se indispensável o registro eficiente e organizado das reuniões e debates internos das subcomissões e perante a Comissão Geral bem como das votações, individualizadas das propostas em geral. Esse cuidado é indispensável para que a comunidade jurídica tome conhecimento - pelos meios de comunicação adequados para a mais ampla difusão – das propostas e suas justificações a fim de exercer a faculdade democrática de participação em uma discussão ampliada com a oferta de sugestões e emendas. Mas, além desse cuidado indispensável, é fundamental que a contribuição e os esforços dos grupos de trabalho não sejam condenados ao limbo como já ocorreu com a experiência frustrante de 1992/1994. Uma Comissão de Juristas, instituída pela Portaria nº 581, de 10.12.1992, baixada pelo Ministro da Justiça, Maurício Corrêa, presidida e coordenada pelo Ministro Evandro Lins e Silva foi incumbida de elaborar um Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias18. A grande comissão foi integrada pelos ministros Francisco de Assis Toledo e Luiz Vicente Cernicchiaro; Desembargador Alberto Silva Franco; professores Jair Leonardo Lopes, João Marcello de Araújo Júnior, Juarez Tavares e René Ariel Dotti; Deputado Federal Hélio Bicudo; Sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro; Promotora de Justiça Luiza Nagib Eluf e o Advogado Wandelkolk Moreira, com o desmembramento em três subcomissões que se reuniam em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Aquele restrito prazo foi prorrogado até 30.11.1994, pelo novo titular da Pasta da Justiça, Ministro Alexandre de Paula Dupeyrat Martins19. Na impossibilidade material e humana de completar a missão na forma pretendida optou-se pela apresentação de um esboço contendo todos os títulos e capítulos como fruto de um intenso esforço20. Apesar disso, o chamado Esboço de 1994 foi, na verdade, uma notável contribuição para a redação do Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal (1998), iniciado na gestão do Ministro da Justiça, Iris Rezende, e completado ao tempo do Ministro Renan Calheiros (1999). Assim o reconheceu, expressamente, o presidente e coordenador da nova Comissão de Especialistas, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, na respectiva Exposição de Motivos21.
Ao contrário do extravio e da perda da memória dos trabalhos preparatórios à legislação penal em nosso país, a sensibilidade e a cultura jurídica portuguesa têm documentado em edições especiais as atas e projetos de revisão do respectivo Código Penal a partir de 196322.
(11) O notável exemplo da experiência portuguesa
O Código Penal português é fruto de longa maturação desde os trabalhos de reforma do velho código, de 16 de setembro de 1886, e iniciado em 1963 (Parte Geral) e 1966 (Parte Especial), com base no histórico projeto de Eduardo Correia. Seguiu-se o Código aprovado em 1982, pelo Dec.-lei nº 400, de 23 de setembro, revisto pela Lei nº 35, de 15 de setembro de 1994 e daí para o vigente Dec.-lei nº 48, de 15 de março de 1995.
A experiência portuguesa não pode ser ignorada na atualidade brasileira quando o jornalismo de sensação, provocado e estimulado pelos juízes paralelos da mídia eletrônica, converte a informação e o comentário, indispensáveis num regime democrático sobre a tragédia do delito, em meios de publicidade opressiva contra suspeitos, indiciados ou réus. Esse abuso da liberdade de informação gera o expansionismo penal e a nociva influência perante as agências de controle da criminalidade, especialmente junto ao Poder Judiciário. Além da insuportável inflação legislativa, construída sobre os pilares de um direito penal de ocasião, o fenômeno coloca em rota de colisão a prudência judiciária na aplicação da lei e o alarido da voz das ruas a pregar o recrudescimento das penas e das medidas cautelares.
Essa usurpação de competência já foi objeto de uma norma incriminadora no Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal, elaborado pela Comissão de Juristas designada pela Portaria nº 518, de 6 de setembro de 1983, do Ministério da Justiça. Aquele diploma previa entre os crimes contra a administração da Justiça, o seguinte tipo de ilícito: “Coação indireta no curso do processo” e com a seguinte redação: "Art. 352. Fazer em jornal, rádio, televisão, ou qualquer outro meio de comunicação, antes da intercorrência de decisão definitiva em processo judicial, comentários com o fim de constranger ou de exercer pressão relativamente a declarações de testemunhas ou decisão judicial: Pena- detenção de três meses a um ano".23
Na exposição de motivos do famoso Projeto de 1963, Eduardo Correia manifestou a verdade absoluta ao denunciar a crise de segurança jurídica decorrente das mudanças legislativas impostas pela conjuntura de circunstâncias socialmente desfavoráveis. São suas estas palavras que o tempo não amainou: “Quando se constrói, na verdade, um direito penal com base na ideia de uma defesa ou protecção social contra o crime, pelo caminho utilitário ou pragmático da prevenção geral, não se vê como preservá-lo da tendência para a severidade das penas e para a multiplicação dos suplícios, em suma, não se vê, na sua lógica, como preservá-lo do perigo de se transformar num direito penal do terror. Como, de qualquer forma, tal caminho degradará sempre o criminoso para mero objecto, para mero meio de obter a intimidação geral e, com ela, a defesa da sociedade, com o que, como já ensinava Kant, se compromete irremediavelmente a dignidade humana".24
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1 Essa foi a última reunião da qual participei como membro e relator da Subcomissão dela tendo me afastado voluntariamente a partir do dia 21 de março.
2 Não colhe o rotineiro argumento da “falta de espaço” para efetivar o direito do réu porque o sistema prevê o “recolhimento em cela individual”, como forma de punição no RDD: Lei nº 10.792/2003, que deu a redação ao art. 52, II da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984).
3 Imprudência, negligência e imperícia
4 regis prado, Luiz. Curso de Direito Penal Brasileiro- Parte Geral, 11ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 417. (Os itálicos são meus).
5 Dotti, René Ariel. Curso de Direito Penal- Parte Geral, 4ª ed., rev., atual. e ampl. , com a colaboração de Alexandre Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 404.
6 Assis Toledo, Francisco. RT, 578/271.
7 Cirino dos Santos, Juarez. Direito Penal-Parte Geral. Curitiba: Editora ICPC, 2007, p. 315.
8 Conforme às resoluções adotadas nas reuniões de Santa Cruz da Serra (2008) e Buenos Ayres (2009)
9 Para o Dicionário da Real Academia espanhola, a expressão “efectivo” está assim grafada em sua primeira acepção: “Real y verdadero, en oposición a lo quimérico, dudoso o nominal”. Diccionario de la Lengua Española, Madrid: Editorial Espasa-Calpe, S.A, p. 504. (Os destaques em itálico e negrito são meus).
10 O algarismo romano I não é do original.
11 Dotti, René Ariel. Ob. cit., p. 416.
12 O Projeto de Lei nº 3.473/2000. (Emenda Substitutiva), propõe entre os indicadores “as oportunidades sociais a ele oferecidas”. No entender do Relator a proposta é inconveniente porque, em lugar de atenção ao seu espírito (a co-culpabilidade do Estado), ela certamente será utilizada para aumentar a pena- base em muitos casos ao argumento de que o acusado teve boas (ou excelentes) oportunidades sociais e ainda, assim ... Essa foi a objeção da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros.
13 Proposta originalmente apresentada pelos advogados Luís Otavio Sales e Guilherme Alonso e aprimorada pela Subcomissão.
14 Proposta do membro Marcelo André de Azevedo
15 Regulamento, art. 4º, II. A primeira atribuição do Relator-Geral é a de “receber as sugestões encaminhadas À Comissão pelo público externo, distribuindo-as aos relatores parciais conforme a área de atuação temática” (inciso I).
16 Regulamento, art. 3º, IX
17 O CP 1969/1973 teve o seu início de vigência sistematicamente adiado até ao advento da Lei nº 6.578, de 11.10.1978, que o revogou. Foi o maior período de vacatio legis de um diploma desta natureza na história legiferante de nosso país.
18 DOU de 14.12.1992, p. 7.881.
19 DOU de 27.10.1994, seção 2, p. 6.903.
20 As vicissitudes do movimento reformador de 1992/1994 e seus incidentes estão em dotti, René Ariel. “A reforma do Código Penal (História, notas e documentos), em Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº 24, out. dez., 1998, p. 179/208, especialmente, p.185 e s.
21 Além da divulgação no DOU e na Internet o documento foi publicado por iniciativa de Luiz Flávio Borges D’Urso. Vide, Anteprojeto da parte especial do código penal/Luiz Flávio D’Urso, organizador.- São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
22 Actas das sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, vols. I e II : Associação Acadêmica Lisboa; Actas das sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Especial: Associação Acadêmica Lisboa, 1979 e Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Lisboa: Ministério da Justiça, 1993.
23 O Anteprojeto somente foi oficialmente publicado por determinação da Portaria nº 790, de 27 de outubro de 1987, assinada pelo Ministro Paulo Brossard de Souza Pinto e por iniciativa do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sob a presidência de Eduardo Augusto Muylaert Antunes (Resolução nº 34, de 19.10.1987).
24 Código Penal – Projecto da Parte Geral, Coimbra: impressão em offset por João Abrantes, Coimbra, 1963, p. 13. (Os destaques em itálico são meus. O destaque da palavra “meio” é do original).
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* René Ariel Dotti é advogado do escritório Professor René Dotti e professor titular de Direito Penal, conselheiro federal da OAB, Vice-Presidente Honorário da Associação Internacional de Direito Penal
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