Kleber Luiz Zanchim
Cláusulas inúteis
É clichê que vivemos uma americanização dos contratos no Brasil. Documentos longuíssimos são, muitas vezes, traduções de textos escritos sob a lógica anglo-saxã. Isso não seria ruim se houvesse um cuidado de adaptação. Porém, o que mais se vê é mera reprodução, inclusive com termos não aplicáveis à realidade brasileira. Cria-se, então, uma situação estranha: muitos instrumentos são elaborados como se fossem um fim em si mesmos, uma obra de arte ou uma poesia cheia de definições, ressalvas e referências caras a seus autores, mas, muitas vezes, inadequadas para o contexto negocial. O contrato deixa de ser uma ferramenta operacional para se tornar uma peça de manifestação de vaidade ou de um estilo pseudo "chic" de advogar.
Esse cenário traz duas consequências imediatas: (i) gasto de enorme quantidade de horas para discutir textos longos e (ii) dificuldade de fechar a minuta final, dado o emaranhado de cláusulas. É comum, ainda, sobrar para uma das partes (ou para as duas) certa sensação de insegurança a respeito daquele documento extenso, haja vista a possibilidade de algum ponto ter escapado aos olhos e, depois, ser usado de modo oportunista pelo outro contratante. Sendo assim, por que não elaborar minutas mais simples? Talvez por comodismo e insegurança dos seus autores.
O comodismo tem base no fato de os instrumentos já estarem modelados. É muito mais conveniente propor um modelo "obeso" do que enxugá-lo ou lapidá-lo para cada caso concreto. A insegurança, por seu turno, identifica-se na ideia de que, se as pessoas já estão usando aquele padrão, não é conveniente modificá-lo. E se for retirada cláusula que, depois, fará falta? Não, melhor deixar tudo como está. Por conta disso, acontecem equívocos como o ocorrido no exercício narrado acima: em duas cláusulas da primeira minuta que os grupos entregaram ao professor havia referência à operação de um contrato de distribuição de alimentos, apesar de o estudo proposto referir-se a medicamentos. As cláusulas estavam no tradicional capítulo "Das Declarações das Partes", presente na generalidade das longas minutas que circulam no mercado, como aquela que os grupos tomaram por referência.
Questionados sobre o assunto, os alunos ruborizaram. Depois de alguma conversa confessaram que apenas "passaram os olhos" naquele capítulo. O motivo, segundo disseram, foi que o conteúdo dele é padrão e, em geral, não muito relevante. Observando as marcas de revisão na minuta foi possível comprovar a afirmação: os grupos marcaram bastante o objeto, o preço, o prazo, as garantias e a extinção do contrato. O restante passou praticamente ileso. Convidados a reler o texto, julgar cláusula a cláusula e excluir o supérfluo e o irrelevante, chegaram a resultado que os surpreendeu. O documento final foi reduzido a um quarto do tamanho do inicial.
Algumas conclusões merecem destaque. Como todo mundo parte de algum modelo, hoje um bom advogado de contratos pode ser medido mais pelo que exclui do que pelo que inclui no texto contratual. Para excluir é preciso refletir e pesquisar, ou seja, fugir do comodismo e superar a insegurança. Além disso, nota-se que instrumentos depurados por profissionais com vivência em litígios têm solidez diferenciada. A falta de experiência contenciosa pode fazer crer que um contrato longo é bom, uma inocência diante do fundo estratégico de demandas contratuais complexas nas quais, por vezes, o menos é mais. Por fim, verifica-se que o processo de contratação ganha velocidade quando o "amor" pelo texto fica de lado em favor da praticidade do negócio. É sinal de amadurecimento eliminar das minutas cláusulas inúteis e definições como, entre outras, "Brasil: República Federativa do Brasil", por se compreender que ninguém interpretará "Brasil" em qualquer outro sentido como, por exemplo, "pau-brasil".
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*Kleber Luiz Zanchim é professor e sócio do escritório Souza Araujo Butzer Zanchim Advogados
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