Migalhas de Peso

Dividir e desmatar?

Os professores explicam porque o novo Código Florestal somado à divisão do Pará resulta em um aumento do risco de desmatamento da Floresta Amazônica.

21/9/2011

José Garcez Ghirardi

Mario G. Schapiro

Dividir e desmatar?

Some os artigos do novo Código Florestal à possibilidade de divisão do Estado do Pará e o resultado será o aumento exponencial do risco de desmatamento da Floresta Amazônica. A conexão entre os temas – desmembramento e desmatamento – não tem recebido grande atenção da mídia, concentrada nos problemas isolados de cada um deles. Mas o efeito conjunto das decisões precisa ser trazido à tona e discutido com clareza, porque ele pode facilitar um desastre ambiental que afetará a vida de todos os brasileiros, não só daqueles autorizados pelo plebiscito a fazerem valer sua vontade.

O Código Florestal aprovado recentemente dá aos Estados a tarefa de "legitimar as áreas que remanesceram ocupadas com atividades agrossilvopastoris, regularizando seu uso como área rural consolidada para todos os fins" (art. 33). Isto é, por meio do Programa de Regularização Ambiental, cada Estado poderá decidir quais atividades justificam regularizar áreas desmatadas.

Não por acaso, ex-ministros do Meio Ambiente se manifestaram contra o Código. Conhecendo os meandros da política, eles entendem o perigo de disposições como essa. Sabem que a prática não têm sido favorável à preservação ambiental.

No caso do Pará, por força de seu extraordinário patrimônio verde, a estadualização de questões ambientais tem um maior potencial nocivo. E o cenário se agrava diante da possibilidade de se dividir essa grande área em três, com a criação dos Estados de Tapajós e de Carajás.

Isto porque a criação de novos Estados pressupõe um conflito que pode fragilizar a capacidade de defesa do meio ambiente. Por um lado, é natural que esses novos Estados lutem por seu rápido desenvolvimento. Essa é uma das justificativas para a sua possível criação. Por outro, um novo Estado enfrenta os desafios da morosidade da constituição de um aparato burocrático: novos órgãos de fiscalização, autoridades policiais e cortes de Justiça. Pergunta-se: a constituição desse aparato ocorrerá no mesmo ritmo com que se processarão os negócios envolvendo questões ambientais?

Além disso, o desenvolvimento desses Estados dependerá, em boa parte, de sua capacidade de atrair investimentos privados. Isto se faz com a oferta de vantagens, não de entraves. A aposta é que eles buscarão atrair investimentos priorizando o respeito ao meio ambiente. Resta saber se Estados recém-criados, com burocracias em formação, terão força para dizer não a ofertas de grupos econômicos poderosos. Considerados o histórico de desmatamento na região, a ação onipresente das madeireiras e a forma como tal ação tem sido enfrentada, essa parece ser uma dúvida, pelo menos, razoável.

Não parece exagero afirmar que arriscamos repetir, com maior gravidade, os problemas gerados pela guerra fiscal. Aquele episódio deixou claro que Estados individualmente considerados têm limitada capacidade de resistir às pressões de grupos econômicos fortes. A prática tem sido a de criar vantagens que atraiam tais grupos, ainda que à custa de exagerados benefícios públicos. A diferença é que tributos podem ser criados novamente, a Floresta Amazônica não.

Por isso, importa pensar os temas em conjunto. Essa não é apenas uma questão de redesenho federativo. Estamos debatendo qual modelo de desenvolvimento desejamos para o país e qual o lugar da preservação ambiental neste modelo. Essa não é só uma questão regional. É necessariamente nacional.

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*José Garcez Ghirardi e Mario G. Schapiro são professores doutores da Direito GV

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