Adequação na fixação de astreintes nos juizados especiais cíveis
Karine Maria Rodrigues Pereira*
Os Juizados Especiais, com previsão constitucional do artigo 98, inciso I da Constituição de 1988, foram criados com competência para a conciliação, julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade, das causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo, nos casos previstos no artigo 275, inciso II do Código de Processo Civil, bem como das ações de despejo para uso próprio e possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a 40 salários mínimos.
O Código Civil não traz qualquer definição de "obrigação", tendo ficado a cargo da doutrina a fixação deste conceito. Entende-se que, havendo o descumprimento do dever jurídico imposto, aquele que venha a sofrer lesão em decorrência dele poderá dirigir-se aos órgãos competentes a fim de requerer o cumprimento ou reparação do mal sofrido. Constituído, assim, o direito subjetivo que possui o proprietário ou credor de defender seus direitos.
As multas diárias ou astreintes são uma forma de coerção estatal que visam impor uma penalidade ao devedor recalcitrante para que realize a obrigação. Esse meio de coerção, originado da jurisprudência francesa, foi acatado pelo direito positivo brasileiro nos artigos 461, 644 e 645 do CPC. Elas não correspondem a qualquer indenização por inadimplemento e, portanto, somente são incindíveis nas obrigações de fazer ou de não-fazer.
É notável que a fixação de astreintes elevadas, em sede de Juizados Especiais Cíveis, fere seus princípios norteadores, gerando enriquecimento de uma das partes, tendo em vista as causas que estão sob a sua competência serem de menor complexidade, possuindo, ainda, valor máximo previamente fixado.
Algumas multas, ao serem fixadas, chegam a ser mais interessantes para a parte beneficiada do que propriamente o cumprimento da obrigação de fazer imposta. Assim, verifica-se, na maioria das vezes, o silêncio da parte quanto ao cumprimento da obrigação, deixando, destarte, que a multa se acumule por muito tempo, até que alcance um “considerável” valor exeqüendo.
Outros três problemas encontrados nestes casos são: (i) ausência de limite máximo fixado para a multa, (ii) ausência de fixação da data inicial da multa, (iii) ausência de prazo razoável para o cumprimento da obrigação de fazer e, (iv) ausência de revisão das multas, ainda que claramente demonstrado o interesse no recebimento da mesma e não, especificamente, no cumprimento da obrigação.
Tendo em vista seu caráter coercitivo e não indenizatório, as multas diárias fixadas em sede de Juizados Especiais devem ser limitadas ao teto pré-estabelecido para o valor da causa tendo em vista seus princípios norteadores, e ainda pelo fato das causas de sua competência serem de menor complexidade, evitando, assim o enriquecimento sem causa de uma das partes.
Além do mais, ao fixar a multa, o juiz deverá, inicialmente, fixar a data de início da mesma, observando, ainda, um prazo razoável para o cumprimento da obrigação de fazer, evitando o desvirtuamento da ação proposta.
O juiz da causa deve, ainda, rever a multa antes imposta, ampliando-a ou reduzindo-a, conforme as necessidades da atividade executiva, mesmo quando estabelecida na sentença final, posto que o trânsito em julgado não impede que ocorra sua revisão durante o processo de execução, bem como pelo fato da multa não integrar o mérito da sentença e como simples medida executiva indireta não estar coberta pelo manto da coisa julgada.
Observados esses aspectos, os juizes, ao fixarem as astreintes para garantir o cumprimento da obrigação em ações que tramitam em Juizados Especiais, deverão limitá-las ao valor máximo de 40 (quarenta) salários mínimos, fixando para tanto data de início e, ainda, um prazo razoável para o cumprimento da obrigação de fazer, evitando o desvirtuamento da ação proposta em face de um enriquecimento de uma das partes.
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*Advogada do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados