Dia Internacional da Mulher
Laurita Vaz*
Num país como o Brasil, cuja marca registrada é justamente os contrastes e as extremas diferenças, é muito difícil tecer considerações generalizadas que reflitam a realidade de qualquer classe de pessoas.
Percebe-se que, nas últimas décadas, a mulher brasileira vem conquistando seu espaço na sociedade, com perseverança, dedicação, disciplina, competência, responsabilidade, sabedoria e sacrifícios.
Para as novas gerações, hoje, não é concebível sequer cogitar da exclusão da mulher do cenário social e político da nação. Contudo, é bom lembrar que o simples ato de votar é um direito fundamental que só foi conquistado, e com grande resistência, em 1934, quando tudo que a sociedade esperava da mulher brasileira era a total dedicação às tarefas domésticas e criação da prole.
O desate das amarras que a prendiam, submissa, junto aos deveres do lar passou pela elevação, de forma crescente nos últimos anos, do seu grau de escolaridade. Muitos espaços, antes restritos aos homens, foram, aos poucos, sendo ocupados pelas mulheres, mas não sem luta e sacrifícios.
Ainda hoje se espera da mulher, de forma ostensiva ou disfarçada, a mesma dedicação aos afazeres domésticos. As mulheres, nessa situação, têm que se desdobrar para cumprir dupla jornada: uma no exigente mercado de trabalho, onde sempre precisam renovar a prova de sua capacidade, e outra em casa. Alguns homens, nesse contexto, vivem uma certa "crise de identidade": não detêm mais a exclusividade do papel de provedor e, ainda, se veem chamados a colaborar em atividades domésticas que antes não eram da sua incumbência.
Essa reacomodação de papéis, creio, ainda vai durar algumas décadas. Enquanto isso, se vê um certo desconforto entre homens e mulheres, que não sabem, com certeza, se estão cumprindo bem o seu papel nos grupos sociais aos quais pertencem, o que, frequentemente, gera uma série de angústias e frustrações.
É inegável, contudo, a franca ascensão das mulheres na sociedade brasileira, galgando importantes cargos nos altos escalões do Governo Federal e nos Estados, e na iniciativa privada. Há também mulheres desempenhando sua atividade laboral nas forças armadas e forças auxiliares, comandando aeronaves comerciais, conduzindo ônibus, caminhões e táxis, dirigindo grandes empresas, mercado antes exclusivo dos homens. Na política, elegemos a primeira mulher para a presidência da república. No parlamento, embora ainda tímida a participação, as mulheres estão marcando presença, com 12 senadoras e 47 deputadas na atual legislatura. No Poder Judiciário, um dos mais apegados à tradição, as mulheres vêm rompendo antigas barreiras: há duas magistradas, entre onze, no Supremo Tribunal Federal; no Superior Tribunal de Justiça, somos cinco em trinta e três; no Tribunal Superior Eleitoral, duas em sete; no Tribunal Superior do Trabalho, cinco em dezessete; e há muitas Desembargadoras e Juízas na Justiça Estadual e Federal.
Conquistas importantes para a mulher brasileira foram concretizadas também no ordenamento jurídico, valendo ressaltar a Constituição Federal de 1988 (clique aqui), que enuncia a igualdade de tratamento, sem distinção de sexo; o Novo Código Civil Brasileiro, lei 10.406/02 (clique aqui), que reafirma o princípio da igualdade nas relações conjugais em vários de seus dispositivos, adotando a nova concepção de família dada pela Constituição Federal, fundada nos princípios igualitários e democráticos, em que se preconiza a direção conjunta da sociedade conjugal e administração dos bens comuns, além da igualdade no exercício do poder familiar; a lei 11.340/06 (clique aqui), apelidada "Lei Maria da Penha", é mais um importante marco no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Outro aspecto a ser refletido diz respeito aos salários da iniciativa privada. Verifica-se a discriminação em desfavor das mulheres que, nas mesmas condições de trabalho, no mesmo nível de formação, acabam ganhando menos que os homens. O mercado empresarial ainda não cedeu totalmente à nova realidade.
Como todo processo sociológico, pela própria natureza, não se tem resultados do dia para a noite, razão pela qual se deve sempre exaltar o progresso, criticar as injustiças e trabalhar pelas mudanças.
Esse progresso sociológico a que me referi, infelizmente, não é ainda a realidade de muitas mulheres deste país, mormente quando se olha para as classes mais baixas, em que mulheres ainda são vítimas de maus tratos, violências, opressão e discriminações. Para elas o tempo parece correr bem mais devagar.
Dados estatísticos frequentemente lembrados em datas comemorativas revelam percentuais tristes, que denigrem a imagem do Brasil. A cada 15 segundos uma mulher é espancada no Brasil. A bebida alcoólica, o ciúme e o machismo, nesta ordem decrescente, são as maiores causas de violência contra a mulher. Outro dado vergonhoso, digno de repúdio: 43% das mulheres do país já sofreram algum tipo de violência, física ou psíquica.
Por essas e outras, nosso grande país ainda é marcado pelos contrastes. Muitas mulheres ainda não vivem a plenitude da liberdade e igualdade de oportunidades. Essas mulheres desprotegidas, violentadas, vítimas de todas as formas de agressões, sem grau de instrução, sem trabalho digno e sem salário, sem rumo e sem horizontes, necessitam da ajuda das autoridades constituídas e da ajuda da comunidade. É necessário abrir trilhas, buscar as veredas, encontrar soluções, fazer com que essas mulheres, que são o esteio do lar, a estrutura da família, possam viver plenamente sua cidadania e serem mais felizes.
Nesta data, em que se comemora a Mulher, espera-se que essas bravas lutadoras, que são o esteio do lar, a estrutura da família, possam viver plenamente sua cidadania e serem mais felizes. Em tempo, as diferenças discriminatórias entre homens e mulheres devem ser superadas, mas as diferenças naturais devem ser valorizadas.
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*Ministra do STJ
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