Marco civil e as investigações no espaço cibernético
Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos*
Flávia Nápoles Fonseca**
RESUMO
Os dias de hoje são marcados por uma constante modificação social, econômica e cultural, tendo em vista a era da Sociedade da Informação. Essa globalização ocorre em pleno modelo neoliberalista de governo. Os direitos fundamentais refletem os valores correlatos à vida, liberdade, a igualdade, a fraternidade ou solidariedade, tendo como sucedâneo o direito a dignidade da pessoa humana. Garantir esses direitos fundamentais no ambiente da web é o objetivo primordial do inédito instrumento normativo MARCO CIVIL NA INTERNET, que além de diminuir o custo social, reconhece a escala mundial da rede, o exercício da cidadania em meios digitais, os direitos humanos, a pluralidade, a diversidade, a abertura, a livre iniciativa, a livre concorrência, a colaboração e normatiza o desenvolvimento da rede mundial na sociedade da informação, como instrumento de transformação social. O marco legal é oriundo de consultas públicas colaborativa, visa normatizar responsabilidades, orientações e direitos para os usuários, provedores e o Estado, apresentando três temas centrais, direitos e garantias fundamentais com a tutela das liberdades, a proteção aos direitos dos usuários, a responsabilização dos infratores e a intervenção indireta do Estado. Neste contexto o presente artigo pretende discorrer sobre a troca de valores, princípios elencados no projeto e as dificuldades que o mesmo pode vir a acarretar as investigações dos crimes cometidos no ambiente da internet.
PALAVRAS-CHAVE: Marco Civil, Direitos e Garantias Fundamentais e Interoperabilidade, Investigação, princípios constitucionais.
Direitos e Garantias Fundamentais dos cidadãos convergem com uma intervenção minimalista do Estado. Essa era pós-industrial é marcada pelo direito à democracia, à informação e ao pluralismo, direitos esses constitucionais de 4ª geração, na concepção do doutrinador Paulo Bonavides. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008).
Os princípios explícitos norteadores dessa nova perspectiva de relações originárias do novo instrumento de informação coadunam-se com a liberdade, privacidade, governança, universalidade, diversidade, inovação, neutralidade da rede, inimputabilidade, funcionalidade, segurança, estabilidade, padronização, interoperabilidade, ambiente legal e regulatório. Além de outros princípios implícitos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que o Brasil seja signatário, esse estatuto legal ainda menciona a garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, proteção da privacidade, proteção aos dados pessoais na forma da lei, preservação e garantia da neutralidade da rede, preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais, pelo estímulo ao uso de boas práticas e preservação da natureza participativa no ambiente da internet.
Caracterizado por uma grande participação popular, através de audiências públicas e manifestações em site disponibilizado na rede, vários setores e entidades públicas e privadas puderam acrescentar diálogos sobre temas abordados nesse estatuto legal, considerando além dos fundamentos, princípios e objetivos previstos, a natureza da Internet, seus usos e costumes particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social, cultural, as exigências do bem comum e os direitos e deveres individuais e transindividuais.
A utilização da internet diminui custos e tempo nas transações, aumentando as vantagens concorrenciais, propiciando uma competitividade econômica, além de trazer benefícios ao meio ambiente, com a diminuição de utilização de papéis.
Regularizar as relações na internet torna-se indispensável dentro da globalização, sendo a subsunção aos princípios, pedra angular na proteção dos direitos fundamentais, garantindo, justamente, a concretização dos valores inseridos nas relações na web.
Qual o papel do marco civil na internet? As normas precisam ser regulamentadas, ou apenas o comportamento das pessoas acerca das suas condutas nesse novo espaço cibernético? Nesta nova era digital estamos maduros para criar normas oriundas da sociedade do conhecimento, reflexos da teoria do conhecimento jurídico? Ou a sociedade estará mais bem amparada com a construção jurisprudencial?
Questionamentos como esses são pertinentes quanto se traz à baila o entendimento de Kelsen sobre caráter deontológico - determinações objetivas - da norma do "dever ser', citado por Antônio Luis Guimarães de Alvares Otero, na reunião da Sessão Temática da Comissão dos Crimes de Alta Tecnologia, OAB/SP, debate sobre Marco Civil, 30/04/2010.
Para Kelsen, ser e dever ser são dados empíricos traduzidos numa interpretação. A norma é um dever ser e o ato de vontade de que ele constitui o ser, a norma jurídica positiva, objeto da ciência jurídica, traduz-se como um esquema de interpretação e como um sentido do dever ser. (PERELMAN, Chaïm. A Teoria Pura do Direito e a Argumentação. 14/11/2000.)
Kelsen ressaltou o positivismo ao desenvolver sua teoria do conhecimento epistemológica. Partiu do pressuposto de que só é possível construir a norma com neutralidade e objetividade, não conhecendo de axiomas sociais, históricos e culturais.
Pode-se dizer que com a era da informação estamos vivendo uma mudança paradigmática e conhecer as bases da formação de direito, a partir do positivismo de Kelsen e outras concepções da teoria juscientífica da norma, traz para essa nova era uma nova concepção da hermenêutica jurídica.
Wilhelm Canaris, autor alemão que discorreu sobre Pensamento Sistemático na Ciência do Direito, dispôs que para a construção do direito, como discurso jurídico, tanto o formalismo quanto o positivismo, tem de, como primeira tarefa, ampliar a sua base de incidência. Todo o processo de realização de Direito, portanto todos os fatores que interferem, justificam ou explicam as decisões jurídicas, devem ser incluídos no discurso juscientífico. (CANARI, Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Ed. Fundação Calouste Gulbenkian)
Para o Marco Civil, a percepção importante dessa epistemologia como teoria do conhecimento na formação da norma é traçar um regime democrático à informação, promovendo o acesso ao conhecimento e à participação na vida cultural, além do fortalecimento a livre iniciativa e a livre concorrência, promovendo assim a inovação e fomentando a ampla difusão de novas tecnologias, modelos de uso e acesso, com a padronização, a acessibilidade e a interoperabilidade, a partir do uso de padrões abertos.
O acesso à Internet passa a ser disciplinado então, como discurso científico, que na opinião do autor Canaris, deve ser integral. No ordenamento jurídico pátrio a informação pela internet passa a ter status de direito fundamental do cidadão, no exercício da cidadania, às liberdades de manifestação do pensamento e de expressão e à garantia do acesso à informação.
Garantir o direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações no exercício do direito de acesso à Internet, destarte, não pode ensejar práticas de ilícitos, devendo ser resguardado aos usuários da Internet a livre opção por medidas de segurança direcionadas a salvaguardar a proteção de dados pessoais e o sigilo das comunicações.
No entendimento do Secretário do SAL-MJ, Felipe de Paula, "o Marco não trata diretamente de temas como crimes de Internet e direito autoral, mas pode dialogar com esses e outros assuntos, e ser um ponto de partida para outras regulamentações".
Para uma corrente de doutrinadores o ordenamento jurídico brasileiro já absorve toda a legislação necessária para regular as relações jurídicas na rede, para outros, temas como empresa virtual, comércio eletrônico, títulos de créditos virtuais, segurança da informação ainda precisam ser normatizados. (Ata da Sessão Temática da Comissão dos Crimes de Alta Tecnologia, OAB/SP, debate sobre Marco Civil, 30/04/2010).
O Estado, por seu turno, além de apresentar diretrizes para o ambiente cibernético, propiciando a livre concorrência e a iniciativa privada, deve cumprir o dever na prestação da educação, em todos os níveis de ensino, abarcando a capacitação para o uso da Internet como ferramenta de exercício de cidadania, promoção de cultura e desenvolvimento tecnológico e a inclusão digital.
2. INVESTIGAÇÕES NO ESPAÇO CIBERNÉTICO
No ambiente da rede, em se tratando de propriedade, agora diz-se imaterial, intangível O que era privado agora cumpre função social, o que era soberano agora se submete ao interesse privado, mas necessário que seja investigada certas premissas para que todos os conflitos de valores na rede sejam regulamentados.
Na opinião do especialista Opice Blum, o ordenamento jurídico já comporta toda a legislação necessária para regular as relações na rede. O fato é que especificar matérias aludidas a um novo contexto social e econômico em uma nova legislação nunca pode ser demais. (BLUM, Opice, Ata da Sessão Temática da Comissão dos Crimes de Alta Tecnologia, OAB/SP, debate sobre Marco Civil, 30/04/2010).
Noutro giro, discussão relevante sobre o tema está pautada na tipicidade penal ou não das condutas antijurídicas praticadas na rede. O direito penal é a ultima ratio e criminalizar as condutas, antes mesmo do amparo do direito civil, poderia levar a uma penalização do sistema.
Seguindo o exemplo de países mais desenvolvidos, que adotaram uma legislação civil, para depois enfocar o aspecto criminal, o marco civil tem esse viés de padronização.
O usuário de Internet tem direito à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações e somente por ordem judicial essa inviolabilidade poderá ser quebrada nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Assim, além de ser vedada a divulgação ou uso de registros de conexão e registros de acesso a serviços de Internet, apenas na hipótese de consentimento expresso da parte ou em decorrência de determinação judicial o sigilo não será mantido.
3. MARCO CIVIL COMO DIPLOMA LEGAL
O Poder Público deverá estabelecer diretrizes e mecanismos de governança transparentes, colaborativo e democrático, com a participação de vários setores da sociedade, promovendo a racionalização e a interoperabilidade tecnológica dos serviços de governo eletrônico, nos diferentes níveis da federação, para permitir o intercâmbio de informações e a agilização de procedimentos, além de incentivar a adoção de padrões de formatos abertos, com a publicização e disseminação de dados de informações públicos de forma aberta e estruturada, otimizando a infraestrutura das redes, promovendo a qualidade técnica, a inovação, além da disseminação dos serviços de internet, sem prejuízo à abertura, neutralidade, natureza participativa, maior eficiência e imparcialidade.
Padrões abertos, na opinião de Cézar Taurion, dependem da interoperabilidade, definida como a capacidade de diferentes softwares trocarem informações via conjunto padrão e forma.
Esse especialista discorre que a adoção desse tipo de tecnologia propiciará uma melhor eficiência e imparcialidade na informação, já que trará uma colaboração de todo o setor envolvido no processo de comunicação. Esse sistema tem reconhecimento no protocolo TGP/IP para todos os usuários dos EUA, Brasil, China e Uganda e a tendência e a sua universalidade.
Nesse ambiente que traduz a mudança paradigmática da informação, esse diploma legal conceitua internet como o conjunto de meios de transmissão, comutação e roteamento de dados, estruturados em escala mundial, bem como os protocolos necessários à comunicação entre terminais, incluídos ainda os programas de computador específicos para esse fim.
Esses serviços de Internet podem ser acessados por meio de um terminal, computador ou dispositivo análogo que se conecta à Internet, através do serviço de navegação, comunicação instantânea, envio e recebimento de correspondência eletrônica, publicação de obras textuais ou audiovisuais em formato digital, entre outros.
O ente responsável por blocos específicos de número IP (Internet protocol) e por um conjunto de roteadores, redes e linhas de comunicação pela Internet que formem uma infraestrutura delimitada por protocolos e métricas comuns, será a pessoa jurídica devidamente cadastrada junto ao Registro de Endereçamento da Internet para América Latina e Caribe (LACNIC).
Para corroborar com o sistema de provas e segurança no acesso a rede o marco civil estabelece um conjunto de informações e registro de acesso a serviços da internet que registram a data e hora de início e término de uma conexão à Internet, sua duração e o número IP utilizado pelo terminal para o recebimento de pacotes de dados definidos como registro de conexão.
A defesa dos interesses e direitos dos usuários da Internet poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo, como direitos homogêneos coletivos ou transindividuais (81 e 82 da lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 - clique aqui).
O desenvolvimento de ações e programas de capacitação para uso da internet, promovendo a promoção da cultura e a cidadania, inclusive pela prestação mais dinâmica e eficiente de serviços públicos, com o atendimento ao cidadão de forma integrada, simplificada e por múltiplos canais de acesso, compatibilizando serviços de governo eletrônico com diversos terminais, sistemas operacionais e aplicativos para seu acesso, ficará a cargo do setor público.
Nesse ensejo, a democracia participativa será disponibilizada com ações conjuntas do poder público e privado e de todos os interessados, independentemente de suas capacidades físico-motoras, perceptivas, culturais e sociais, para que todos tenham acesso à internet, resguardados os aspectos de sigilo e restrições administrativas e legais.
O cumprimento do dever constitucional do Estado na prestação da educação, então, não ficará adstrito a aulas especializadas de tecnologia, mas sim em capacitação integrada em todos os níveis de ensino, incluindo a capacitação para o uso da Internet como ferramenta de exercício de cidadania, promoção de cultura e desenvolvimento tecnológico, fomentando iniciativas privadas que promovam a Internet como ferramenta educacional, buscando minimizar as desigualdades, sobretudo as regionais e promovendo a inclusão digital, especialmente a de população de baixa renda
Assim, o Estado se predispõe a buscar, formular e fomentar estudos periódicos regulares e periodicamente fixando metas, estratégias, planos e cronogramas referentes ao uso e desenvolvimento da Internet no país.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES
Sob pena de cercear a liberdade de expressão, a privacidade, a liberdade de imprensa, o Marco Civil estabeleceu que não haverá responsabilização dos provedores por conteúdo dos blogs.
Os provedores só serão responsabilizados por conteúdo dos blogs, se houver condenação judicial posterior a informação.
Haverá necessidade de autorização do usuário para guarda dos registros de serviços, no sentido de que se tal autorização não existir o provedor não poderá fornecê-los nem mesmo por ordem judicial, posto que não as armazenou.
Critica que se faz é no sentido que se não houver a autorização do usuário para o armazenamento dessa informação, até mesmo um mandado judicial seria inútil, pois ainda que haja uma liminar judicial deferindo a sua apresentação judicial, corre-se o risco de não haver mais qualquer informação armazenada após a ordem judicial ser deferida.
A responsabilidade civil passou por várias transformações, desenvolveu-se da responsabilidade subjetiva, (pessoal), marcada pela culpa, avançando para a responsabilidade objetiva, bastando o nexo causal e o evento danoso e hoje já se fala em responsabilidade coletiva.
O que se impõe no marco civil é talvez uma isenção de responsabilidade dos provedores, já que a provisão de serviços de Internet, onerosa ou gratuita, leva o provedor a ficar impedido de monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar o conteúdo dos pacotes de dados, salvo para administração técnica de tráfego ou mediante ordem judicial. O provedor também não será responsável por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
Para efeitos de analogia, os usuários que detenham poderes de moderação sobre o conteúdo de terceiros se equiparam aos provedores de serviços de Internet.
A responsabilização do provedor de serviços de Internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros fica condicionada ao descumprimento dos procedimentos específicos no Marco Civil, e se for notificado pelo ofendido, não tomar as providências para, dentro de prazo razoável, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
Não obstante a delimitação da responsabilidade dos provedores, o marco civil seguiu os procedimentos estabelecidos nas Diretivas Europeias 95/46/CE 97/66/CE e estabeleceu a possibilidade de medidas inibitórias de diversa natureza consistentes em decisões judiciais que exijam a prevenção ou a cessação de uma eventual infração, incluindo a remoção de informação ilegais ou tornando impossível o acesso a estas.
Talvez devesse também seguir a sugestão estampada nessas Diretivas Europeias e estabelecer um código de conduta, como medida administrativa, determinando regras deontológicas aplicáveis aos deveres de diligência e que estivessem especificados, o que se evitaria uma sobrecarga no sistema jurisdicional, com inúmeras demandas judiciais.
5. TRANSMISSÃO DE DADOS
O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, conteúdo, serviço, terminal ou aplicativo, sendo vedado estabelecer qualquer discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos destinados a preservar a qualidade contratual do serviço.
A preocupação com a qualidade e continuação do serviço prestado visa a garantia da unicidade da informação, como direito fundamental e proteção aos direitos dos usuários, prevendo ainda responsabilização dos infratores, quando estabelece a possibilidade de indenização por prejuízos por ventura advindos.
6. TRÁFEGO DE DADOS
Quanto ao tráfego de dados a tutela ficará a cargo da qualidade do serviço prestado e o marco civil prevê vedação da suspensão ou degradação da qualidade contratada da conexão à Internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização.
Despicienda seria a previsão de normas claras acerca do contrato de prestação de serviços de internet, se não fosse a recorrente violação as regras consumeristas, assim, talvez seja necessária ressaltar o regime de proteção aos seus dados pessoais, registros de conexão e registros de acesso a serviços de Internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar a qualidade do serviço oferecido.
7. GUARDA DE REGISTROS DE CONEXÃO
A guarda e a disponibilização dos registros de conexão devem atender à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.
A provisão de conexão à Internet impõe ao administrador do sistema autônomo respectivo o dever de manter os registros de conexão sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo máximo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento. Um prazo maior para a guarda dessa informação traria uma maior segurança jurídica.
O dever de manter os registros de conexão não poderá ser transferido. Nessa guarda de registros de conexão, os registros de conexão somente poderão ser fornecidos a terceiros mediante ordem judicial ou por autorização prévia e expressa do respectivo usuário. Assim, os dados cadastrais somente poderão ser disponibilizados de maneira vinculada aos registros de conexão, mediante ordem judicial e as medidas e procedimentos de segurança, sigilo dos registros de conexão e dos dados cadastrais.
Todavia, os procedimentos de segurança necessários à preservação desse sigilo e da integridade dos registros deverão ser definidos por meio de regulamento, em padrões adequados de segurança, para que não seja definido em regras estanques e obsoletas. Assim, uma política de segurança da informação poderá adotar a tutela dos ativos de informação, resguardando os meios de provas, que se fizerem necessárias para se tornar punível uma infração, evitando-se nesse sentido, que os criminosos autorizem a guarda dos dados, o que não irá ocorrer.
8. DA REMOÇÃO DE CONTEÚDO
O provedor de conexão à Internet não será responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. O provedor de serviço de Internet somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se for notificado pelo ofendido e não tomar as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro de prazo razoável, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
Os provedores de serviços de Internet devem oferecer de forma ostensiva ao menos um canal eletrônico dedicado ao recebimento de notificações e contranotificações, como mecanismo de prova, podendo ser criado mecanismo automatizado para atender a essas exigências.
Referida notificação deve conter, sob pena de invalidade, identificação do notificante, incluindo seu nome completo, seus números, de registro civil e fiscal e dados atuais para contato, data e hora de envio, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material pelo notificado, além da descrição da relação entre o notificante e o conteúdo apontado como infringente e ainda a justificativa jurídica para a remoção.
Se o usuário responsável pelo conteúdo infringente não for identificado ou não possuir localização, mas estiver presente os requisitos de validade da notificação, cabe ao provedor de serviço manter o bloqueio.
Destarte, se o acesso ao conteúdo se tornar indisponível, não poderá haver identificação ou reparação pelo dano originário das informações maliciosas.
Visando atender o princípio da ampla defesa e contraditório, a lei facultará ao usuário, ou qualquer outra pessoa interessada, física ou jurídica, responsável pela publicação contra notificar o provedor de serviço, requerendo a manutenção do conteúdo e assumindo a responsabilidade exclusiva pelos eventuais danos causados a terceiros, caso em que caberá ao provedor de serviço o dever de restabelecer o acesso ao conteúdo indisponibilizado e informar ao notificante o restabelecimento, assumindo a responsabilidade pela manutenção do conteúdo.
O Marco Civil equipara os usuários que detenham poderes de moderação sobre o conteúdo de terceiros aos provedores de serviços de Internet para efeitos do disposto, alem de impor ao notificante ou ao contranotificante nos termos da lei, responsabilidade por informações falsas, errôneas e pelo abuso ou má-fé.
9. DA REQUISIÇÃO JUDICIAL DE REGISTROS
Na ocorrência de indícios razoáveis da ocorrência do ilícito, visando à investigação do ilícito, a parte poderá requerer seja deferida expedição de requisição solicitando ao responsável pela guarda, o fornecimento de registros de conexão ou de acesso a serviço de Internet, justificando motivadamente a utilidade dos registros solicitados.
A requisição de fornecimento de registros de acesso a serviços de Internet fica sujeita à comprovação de que o responsável mantém a guarda com a autorização expressa dos usuários.
Cabe ao juiz tomar as providências necessárias à garantia do sigilo do conteúdo das comunicações e à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do usuário, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação às informações recebidas.
Caso o fornecimento dos registros de acesso a serviços de Internet não seja necessário para os fins da investigação, cabe ao juiz limitar a requisição apenas ao fornecimento dos registros de conexão.
O que se denominou de "notificação e retirada", (notice and take down) talvez, tenha sido a maior inovação da lei, visando à proteção dos usuários vitimados por agressões via internet, diante de imagens ou informações rechaçado de injúria, calúnia ou difamação. A pessoa ofendida poderá apresentar denuncia ao provedor, que poderá retirar o conteúdo da publicação, até que o autor se pronuncie, caso em que este poderá autorizar a sua exclusão ou poderá assumir a responsabilidade jurídica sobre o mesmo, isentando o provedor de qualquer responsabilidade.
10. COMÉRCIO ELETRÔNICO
O ambiente eletrônico compreende um espaço sem fronteiras internas, no qual é assegurada a livre circulação de mercadorias e o desenvolvimento dos serviços da sociedade necessitam, outrossim, de segurança jurídica para seu desenvolvimento, fortalecendo a livre iniciativa e a livre concorrência.
Os inúmeros recursos tecnológicos trazidos pela informática forçaram uma adequação indispensável dos institutos jurídicos, também no que se refere ao direito empresarial.
Incentivo a uso de relacionamentos eletrônicos com clientes (B2B) (business-to business) é uma das formas de comércio eletrônico existente e envolve as empresas (relação "empresa - a – empresa"). Com o advento do Sistema Público de Escrituração Digital - SPED, espera-se que tal relacionamento seja efetivamente impulsionado pela utilização de padrões abertos de comunicação pela Internet e pela segurança trazida pela certificação digital.
Nesse diapasão, não poderia o marco civil trazer disposições acerca de especificidades de matérias como SPED (SISTEMA PUBLICO DE ESCRITURAÇÃO DIGITAL), comércio eletrônico, empresa virtual e títulos de créditos virtuais?
Regulamentações como título de crédito virtual poderiam ser realizadas no corpo desse diploma legal, Marco Civil, com modificações dialéticas de princípios outros, como a cartularidade, propondo-se uma nova exegese evolutiva com a modificação de escrita cartular para uma noção de intangibilidade, com a possibilidade de se validar a emissão de título de crédito no ambiente web, sob o pressuposto de que o direito, por se apresentar como algo imaterial, não se extingue com o documento cartular.
11. CONCLUSÃO
O Marco Civil apresenta em sua natureza o caráter colaborativo, eivado de valores, plural e aberto em benefício de um Estado Democrático de Direito. Traz em seu bojo três temas relevantes, a definição de diretrizes e garantia dos usuários, a definição de responsabilidade jurídica, e por fim, a diretrizes governamentais.
Mutatis mutantis suas previsões sobre diversos temas, visa traçar princípios e diretrizes sobre políticas na regulamentação das relações na rede, defendendo de um lado a liberdade de expressão, sem que para tanto propicie a disseminação de condutas maliciosas, por falta de regulamentação, fomentando o anonimato e inserções de conteúdos ilícitos na rede.
Esse novo estatuto legal dispõe de 33 artigos direcionados à sociedade da informação, oriundos do desenvolvimento de novos relacionamentos interpessoais na rede, estabelece o direito de acesso à internet, responsabilidade dos provedores e dispõe sobre qualidade das conexões, guarda dos regimes de acesso dos usuários, trafego de dados, remoção de conteúdos e requisição judicial de registros, além de estabelecer a possibilidade do "Notice and Take Down", já utilizado em alguns países, conhecido como notificação ao responsável pela autoria de conteúdo e concomitante bloqueio da inserção pelo provedor do serviço, para após uma contra notificação determinar a exclusão do conteúdo, isentando de responsabilidade os provedores e responsabilizando o verdadeiro autor de postagens ilícitas, arquivo malicioso ou imagem.
A maior dificuldade se esbarra na identificação do usuário em razão de não se estabelecer com clareza a responsabilidade dos provedores pela guarda dos LOGS e ainda sob a exigência de autorização do armazenamento desse conteúdo, já que pelo caráter volátil, poderá levar a lugar nenhum.
O reconhecimento da escala mundial da rede, o exercício da cidadania em meios digitais, os direitos humanos, a pluralidade, a diversidade, a abertura, a livre iniciativa, a livre concorrência, a tutela de princípios e garantias fundamentais no espaço cibernético necessitam ser tutelados, para que haja uma real segurança jurídica na rede e proteção de axiomas outros que uma vez transgredidos no meio cibernético, poderão impor destrutíveis conseqüências a honra e dignidade dos usuários.
12. Referência Bibliográfica
1. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
2. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede: a era da informação, economia, sociedade e cultura. v1, 8ª edição. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2005.
3. DE LUCCA, Newton e FILHO, Adalberto Simão (coordenadores). Direito & Internet – Aspectos Jurídicos Relevantes. Editora Edipro, 2000.
4. Diretivas Europeias 95/46/CE 97/66/CE.
5. FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis. Aspectos Jurídicos do Comércio Eletrônico. Porto Alegre: Síntese, 2004.
6. LORENZETI, Ricardo. Comércio eletrônico. In : Lucca, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto (Coord.), Direito & Internet – Aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
7. MENEZES CORDEIRO, A. Introdução in: CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1989.
8. MARCO CIVIL (PROJETO). Ata Temática da Comissão de Crimes de Alta Tecnologia. São Paulo, 30/04/2010.
9. OLIVEIRA, Wilson J. HACKER: Invasão e Proteção. 2ª edição. Florianópolis: Editora Visual Books Ltda., 2000.
10. PAESINI, Liliana Minardi (org.). Direito na Sociedade da Informação. São Paulo: UNESP, 2000, 2ª rev. e ampliada.
11. PERELMAN, Chaïm. A Teoria Pura do Direito e a Argumentação. Tradução: Ricardo R. de Almeida (clique aqui).
12. SENISE LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2ª edição. São Paulo: RT, 2007.
13. ROHRMANN, Carlos Alberto. O direito comercial virtual – A assinatura Digital. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos. Belo Horizonte, n. 4, 1997, p. 48.
14. SIMÃO FILHO, Adalberto. Nova Empresarialidade. Revista FMU Direito. Ano XVII, nº 25, pp. 11-51, São Paulo, 2003.
15. UNCITRAL - Lei Modelo sobre a assinatura Eletrônica da Comissão das Nações Unidas.
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*Advogado. Juiz do Eg. Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. Presidente da Comissão dos Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP. Coordenador da Especialização em Direito Eletrônico e Inteligência Cibernética da FADISP - Faculdade Especializada em Direito. Conselheiro da Federação do Comércio no Conselho Jurídico Superior (SP) e Diretor Titular do Centro do Comércio (SP). Mestre em Direito pela FMU, é Professor debatedor no evento Estrutura da Legislação para o Combate aos Crimes Cibernéticos e Investigações Digitais Organizado em Brasília pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Professor Palestrante da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Grupo de Segurança do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Academia de Polícia Civil do Estado de São Paulo (ACADEPOL) e da Escola Fazendária do Governo de São Paulo (FAZESP). Integrante da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA), é Professor do Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial com apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA). Autor do primeiro E-Book da OAB/SP versando sobre tributação, crimes eletrônicos e outros temas. Profissional atuante nas áreas do Direito Tributário, Eletrônico, Empresarial e Ambiental. Atua na área jurídica desde 1988. Mais informações, clique aqui.
**Advogada em MG. Integrante da Comissão de Direito Eletrônico da OAB/MG, integrante da Comissão de Crimes de Alta Tecnologia da OAB/SP. É professora convidada do Coordenador da Pós-Graduação de Direito Eletrônico e Inteligência Cibernética da FADISP - Faculdade Especializada em Direito.
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