Desnudando a nossa Justiça...
Com o controle democrático implementado, via eleições, pondo fim a essa arcaica peça de museu que é a vitaliciedade - herdada da monarquia - sem prejuízo, obviamente, da carreira e do concurso público de provas e títulos, o judiciário sairá verdadeiramente fortalecido e independente, porquanto respaldado na representação popular e assim livre de interferências diretas, como hoje ocorre. Duvidar disso é duvidar da força da democracia, inequívoca, apesar de todas as suas contradições.
Afinal, os poderes existem para servir ao país e não simplesmente para auferir privilégios e pompa aos seus integrantes, tal como nas monarquias do passado. O povo não pode continuar compromissado em mimar com benesses e títulos vitalícios aqueles servidores que se mostram inadequados para a função pública. Por óbvio, além da imoralidade implícita, isso contraria os propósitos democráticos.
Ademais, um judiciário unificado e eleito, eclodiria com força incomensurável e nunca vista na história republicana. Os outros dois poderes, com tudo aquilo que neles há de condenável e corrupto, então, "tremeriam nas bases".
Entrementes, no atual sistema judiciário, o advogado e seu constituinte não passam mesmo de meros pedintes dos favores do juiz do feito.
E o direito? - bem, este acaba sendo um detalhe de somenos importância no contexto.
Tanto que já se firmou, entre nós advogados militantes, o conceito pragmático de direito: “direito é aquilo que se requer e o juiz defere”. Isso porque se o pedido é indeferido, mesmo contra a lei, o direito, em tese, somente será alcançado após anos e anos de renitente perseguição, e, não raro, somente quando já não tenha mais qualquer utilidade prática para o seu titular.
Donde a constatação da triste realidade: a morosidade da justiça já se tornou moeda de troca entre as partes litigantes.
Neste sentido, o resultado útil e efetivo do direito é, pois, determinado pelo fator tempo, vez que é ele quem regula a existência dos seres vivos sobre este mundo.
Sendo assim, o tempo é fator determinante para a eficácia do direito dos jurisdicionados. - Destarte, ou se exige "também" do julgador e demais serventuários da justiça o cumprimento dos prazos legais, ou jamais o judiciário passará de mero "vendedor de ilusões", conforme é hoje notoriamente rotulado pela sociedade.
Assim, no comando do processo, o juiz comanda também o tempo, e, via sua nem sempre "iluminada" discricionariedade, vai encaminhando o desfecho e duração da lide na direção que melhor lhe aprouver. Posto que correntes doutrinárias e jurisprudenciais antagônicas não lhe faltam para amparar o entendimento e assim substituir a Lei pelo seu critério de conveniência e simpatia. Destarte, “os senhores do tempo”, não raras vezes, utilizando-se do direito como fachada e do subserviente advogado como instrumento da sua legalidade, vão ditando o destino aos seus semelhantes, arvorando-se, de fato, em legisladores sem mandato.
A figura do judge made law é incompatível com a nossa tripartição do Poder, pois gera o arbítrio do Judiciário, a par de invadir a esfera legiferante, atribuição de outro poder. - Onde irá a certeza do direito se cada juiz se arvorar em legislador?
Não nos iludamos. A magistratura não é um sacerdócio. Tanto que o Juiz não faz voto de pobreza e castidade. Eles, como qualquer ser humano, são suscetíveis às tentações mundanas. E a toga, por mais reverenciada que seja, infelizmente não tem o condão de conferir a infalibilidade e imunidade desejáveis a seus usuários. Sem dúvida que tal conceito é utópico.
A discricionariedade, certamente, seria bem usada por um juiz que, individualmente, possuísse uma boa formação da estrutura superegóica, a qual se traduz por um grande senso ético em suas ações. Entretanto, é sabido, nem todo ser humano é dotado destes privilégios da natureza. O conhecimento da matéria legal não lhe confere o dom. Daí, esse instrumento em mãos inadequadas é temerário. – A discricionariedade necessita de melhor regulamentação legal, com delimitação rígida e clara quanto às hipóteses que justifiquem sua aplicação. Ou servirá de instrumento de favorecimento com cunho legal, como não raro presenciamos nas lides forenses.
De tal sorte que o binômio, discricionariedade + morosidade da justiça, na prática, acaba equivalendo a uma sentença final. Isto porque, reverter uma decisão da 1ª instancia implica em verdadeira "via crucis". Qualquer advogado militante sabe perfeitamente da força perversa desse binômio. Só não pode admitir publicamente, sob pena de ser considerado "persona non grata" e inexoravelmente fadado ao desastre profissional.
Por isso a Súmula Vinculante se faz necessária. Advogados e a sociedade já estão cansados dessa insegurança jurídica (à guisa de evoluir o Direito), e cansados de ter de impetrar recursos simplesmente para ver o óbvio triunfar. Com a súmula, a par da celeridade, as demandas ficarão mais transparentes e as decisões, por certo, mais previsíveis e imparciais. - e, também por certo, sua evolução acompanhará a realidade social alicerçada na ciência do direito, gerando as mudanças quando necessárias.
A bem da verdade, a súmula vinculante não engessa o direito, mas sim, engessa o julgador no cumprimento da Lei que traduz o direito. O que, mister convir, é indiscutivelmente salutar.
Resta claro, portanto, que a morosidade da justiça armou o magistrado de 1ª instância do poder subjetivo de decisão isolada e definitiva do feito e, por vezes, impondo seu critério ao arrepio das normas legais. Situação deveras temerária, posto que, como qualquer ser humano, estão sujeitos a desvio de conduta. E ao advogado, neste contexto, só resta o humilhante papel de lobista e bajulador, sempre de pires na mão, pisando em ovos, com receio de melindrar.
Daí porque a prestação jurisdicional, dentro desta fatídica realidade, passou de obrigação do ofício para mero favor concedido pelo julgador, na medida em que o magistrado e demais serventuários da justiça não são punidos pelo descumprimento dos prazos legais. Prazos estes, como cediço, de há muito letra morta nos códigos processuais pátrio.
Então, o resignado cidadão brasileiro, melhor dizendo "o súdito do Estado", impotente diante desta fatalidade, prefere simplificar sua vida se curvando ao brocardo: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
Tanto que hoje, ser “bom advogado” é sinônimo de “ter trânsito” nas varas judiciais, condição esta que irá medir, de fato, a verdadeira "competência" do causídico. É a competência e a ética superada pela infame “arte de bajular”.
Nesta pretensa Reforma do Judiciário, pergunta-se, quem sustenta a necessidade da súmula vinculante? – quem reconhece a necessidade do controle externo, vale dizer, controle da formação de castas e do corporativismo? – quem se insurge contra a cassação, sem direito a aposentadoria, dos maus juizes relapsos, prevaricadores e corruptos? – e, sobretudo, quem ousa tocar na ferida: punição severa aos juizes e serventuários que excedem os prazos processuais e que protelam decisões?
Mesmo as OABs, com ressalva das honrosas exceções, devido ao fato de seus diretores também exercerem a advocacia, procuram evitar estes pontos nevrálgicos que evidentemente estrangulam o sistema; certamente tementes das conseqüências desagradáveis de serem considerados “personas non gratas” pelos que decidem o destino das causas. – E aí, adeus ao "trânsito" e, em conseqüência, adeus ao sucesso profissional.
Já é hora das OABs “vestirem a camisa dos advogados”, dando-lhes o efetivo respaldo que necessitam ao denunciarem as irregularidades processuais, quase sempre fruto da prepotência e arrogância de alguns juízes “desajustados na função” que, incentivados pela certeza de que as representações contra eles formuladas irão ter o destino comum do arquivamento. Em geral, como é sabido, acata-se a informação colhida do representado arquivando-se a representação sem oportunizar ao representante a produção de provas. Ou seja, não se admite contestação à resposta do representado, retrocedendo-se à superada máxima: "The King can do no wrong", numa demonstração clara de corporativismo explícito.
Numa democracia não se pode, simplesmente, varrer a sujeira para debaixo do tapete sem qualquer satisfação à sociedade. É preciso democratizar o judiciário. – Para tanto, a OAB precisa “descer do muro” e se posicionar francamente ao lado do advogado, vale dizer, da cidadania, razão maior senão a única da sua existência.
A propósito, aqui vai uma sugestão – de cunho meramente exemplificativo - para apreciação dos colegas: toda e qualquer reclamação ou representação contra irregularidades praticadas no processo por juizes e/ou servidores das varas judiciárias, tais como desvio de conduta, favorecimento, omissão e protelação de decisões, prevaricação, parcialidade, procrastinação de atos, inobservância do devido processo legal, desrespeito às prerrogativas do advogado, etc, deveriam ser impetradas com a chancela e sempre via OAB. Obviamente depois de se regulamentar mecanismos específicos para esta finalidade, com a criação, nas seccionais, de câmaras compostas de pelo menos três colegas, estes, eleitos pelos inscritos na Ordem e com mandato de dois anos. Lá seriam avaliadas, de portas abertas, as provas e indícios trazidos pelos advogados reclamantes, e, em seguida, sendo o caso, aviada enérgica e fundamentada representação ao Presidente do Tribunal de Justiça ou ao recém criado Conselho Nacional de Justiça, notificado o MP e as Fazendas Públicas quando interessadas, exigindo-se, de imediato, rigoroso processo administrativo contra o servidor ou magistrado os quais seriam afastados de suas funções até decisão final. O processo deverá ser sempre público e acompanhado por dois membros da seccional da OAB, a serem indicados pelo representante, até o final. – Por certo, a Justiça, a democracia e a sociedade como um todo seria a grande favorecida, bem como o grande número de magistrados vocacionados e competentes que cumprem com o seu dever. – Cremos que “abertura e transparência” desse tipo, conjugada com as súmulas vinculantes, com a ampliação do seu efeito às súmulas de todos os Tribunais Superiores, seria fator decisivo para rompermos com os grilhões dessa tradição romana arcaica enraizada nos países do terceiro mundo. Eis que a influência do Poder Judiciário no crescimento econômico das nações modernas é fato incontestável.
Constata-se aqui, também, a reprise da fábula do "rei nu", onde todos vêem o absurdo, mas ninguém ousa dizer nada...
Este alquebrado causídico não quer ser pretensioso com este ato de absoluta franqueza. Até mesmo pela ciência da inocuidade deste desabafo, diante da rigidez estrutural do sistema; - consubstanciado, principalmente, no fato de que todo cidadão, rico ou pobre, ilustre ou socialmente desapercebido, um dia estará sujeito a uma decisão judicial.
Talvez aí o “porquê” da conhecida aversão aos que advogam em causa própria, compelidos que são a defender direito próprio. Ou seja, os que advogam em causa própria são justamente os que acabam por se insurgir contra essas situações vexatórias da advocacia em nosso país e que, por certo, clamam por mudanças.
Gostaria imensamente de conhecer a opinião dos colegas sobre esta "face oculta" da nossa justiça, tão relevante para a sociedade e a dignidade da nossa desprestigiada advocacia militante, posto que,
"Democracia nenhuma jamais se consolidou ou se consolidará enquanto não estiver alicerçada por justiça séria e efetiva, imprescindível para o progresso e a paz social."
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* Advogado
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