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Indenização por danos reiterados – esferas trabalhista e cível

Notadamente nos fatos jurídicos em que se vislumbrem relações com a presença marcante de hipossuficientes em um dos pólos, como ocorre nas de trabalho e de consumo, é inegável a constante e crescente violação aos direitos oriundos dessas relações sem que nenhuma medida efetiva seja implementada no sentido de impedi-la.

23/2/2010


Indenização por danos reiterados – esferas trabalhista e cível

Guilherme Almeida Galdeano*

Notadamente nos fatos jurídicos em que se vislumbrem relações com a presença marcante de hipossuficientes em um dos pólos, como ocorre nas de trabalho e de consumo, é inegável a constante e crescente violação aos direitos oriundos dessas relações sem que nenhuma medida efetiva seja implementada no sentido de impedi-la.

O abuso reiterado a direitos individuais, cuja repercussão é de ordem pública, tem o condão de extrapolar a esfera de abrangência desses direitos, dando ensejo a danos sociais decorrentes do desrespeito a fundamentos da República Federativa do Brasil estabelecidos pela Carta Magna de 1998, tais como "a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho...".

É cediço a premência de se encontrar mecanismos que impeçam o lucro desregrado e ilimitado de empresas que, além de não desempenharem função social a elas atribuídas pela Constituição, praticam concorrência desleal mediante a redução ilegal do custo da produção, causando danos aos empregadores ou concorrentes que cumprem fielmente a legislação trabalhista/consumerista – dumping social.

Sobre o assunto, importa destacar o Enunciado 4, da 1ª. Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, organizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA –, realizada nos dias 21 a 23 de novembro de 2007, no Tribunal Superior do Trabalho, quando assentou-se que dumping social causado por "agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência".

Ainda a respeito do mesmo enunciado, malgrado a alegação de grande parcela dos magistrados de que inexistem instrumentos jurídicos em condição de enfrentar a gravidade do problema, apreendeu-se, na mesma jornada de direito, que a solução para coibir esses conflitos está no Código Civil de 2002, o que evidentemente também deve ser aplicado na defesa dos consumidores.

A prática de repetidos atos ilícitos vai de encontro com a norma estampada no art. 927 do Código Civil (clique aqui), autorizando a fixação de indenização para a reparação dos danos causados, além de também malferir as normas dos artigos 186, 187 e 404, parágrafo único, do mesmo estatuto.

Os fundamentos jurídicos suso referidos compõem a base teórica de sustentação para a urgente intervenção do Poder Judiciário, ainda que de ofício, contra atos danosos à sociedade que "...excedem manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social...", permitindo ao "juiz conceder ao credor indenização suplementar" contra àquele que costumeiramente comete ato ilícito.1

Ora, se o parágrafo único do art. 404 do CC confere ao juiz a faculdade de fixar indenização suplementar nas obrigações de pagar em dinheiro, quando a atualização monetária, juros, custas e honorários (na justiça do trabalho, se houver) não forem suficientes para suprir as perdas e danos que determinada empresa causar a outrem, carece de motivação a justificativa dos magistrados de que há lacuna legislativa, em especial na CLT (clique aqui), bem como no CDC (clique aqui), no que tange à matéria.

Registre-se novamente, pela controvérsia da matéria, não ser necessário sequer que o credor (na primeira instância da justiça do trabalho) ou seu advogado tenham realizado pedido de indenização suplementar para o seu deferimento, uma vez que os reflexos danosos, como já dantes esclarecido, surtem efeitos nefastos a toda sociedade, afrontando diretamente valores da Justiça Social e, por consequência, do Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, o juiz Jorge Luiz Souto Maior, da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí/SP, um dos maiores estudiosos do tema, afirma que "as reclamações trabalhistas em face de uma mesma empresa que apresenta agressões reincidentes... devem resultar em condenação de uma indenização, por dano social, arbitrada "ex officio" pelo juiz, pois a perspectiva não é a da proteção do patrimônio individual".2

Também é controverso o entendimento relativo à destinação do montante da indenização suplementar. O í. magistrado acima citado, Souto Maior, entende que esses direitos "são mais sociais do que propriamente individuais, não é razoável que haja uma apropriação particular de tais valores... sendo cabível a destinação do numerário para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos".3

Por outro lado, o juiz Alexandre Chibante Martins, do Posto Avançado de Iturama – Vara de Trabalho de Ituiutaba/MG –, que recentemente proferiu sentença nos autos do processo nº 00866-2009-063-03-00-3, condenou uma empresa a indenizar ao próprio reclamante – a decisão foi ratificada pelo TRT da 3ª região.4

Destarte, conclui-se que, qualquer que seja o destinatário, é dever do Poder Judiciário, mesmo que de ofício, fixar indenizações suplementares fulcradas especialmente no art. 404 do Código Civil, a fim de que grandes empresas e/ou conglomerados empresariais sejam coibidos a reincidirem na prática dos mesmos atos ilícitos, que a todo dia embasam milhares de ações que despencam no já tão assoberbado Judiciário brasileiro.

Pela conjectura que se apresenta, mais uma vez a Justiça do Trabalho será vanguardista em regras que, com o decurso do tempo, são incorporadas por outras esferas de competência e até mesmo pela legislação, tal como aconteceu, por exemplo, com a conciliação, que há anos participa do processo do trabalho e, apenas há alguns anos, vem sendo aclamada pelos demais operadores do direito.

Não há qualquer justificativa plausível para que os juízes cíveis não impulsionem o processo ex-officio, como procedem os juízes trabalhistas, sempre em favor da celeridade processual, principalmente quando o interesse em lide sobrepujar questão meramente individual, como nas questões consumeristas. A propósito, o art. 262 do Código de Processo Civil insculpiu que a instauração processual depende da parte, mas afiançou o respectivo desenvolvimento por impulso oficial; com exceção, é obvio, de atos que devam necessária e exclusivamente ser realizados pelas partes.

Enquanto isso não se tornar uma praxe, mormente em relação às indenizações suplementares, devem os consumidores, por meio de seus advogados, ou pela Promotoria de Defesa do Consumidor, quando tiverem de recorrer ao Poder Judiciário na busca da tutela de seus direitos, pleitear que seja alvitrada também uma indenização suplementar, com o escopo principal de prestigiar a vertente de caráter educativo-punitivo da responsabilização civil.

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1 Trechos extraídos do art. 404, parágrafo único, do Código Civil de 2002.

2 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz, Indenização por dano social pela agressão voluntária e reincidente aos direitos trabalhistas. Material da 2ª aula da disciplina atualidades em Direito do Trabalho, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito e Processo do Trabalho – Anhanguera – UNIDERP/REDE LFG, 2009, p. 3.

3 Sentença proferida pelo juiz Jorge Luiz Souto Maior nos autos do processo nº 1255/08-7, em trâmite na 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí/SP.

4 TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. Recurso Ordinário nº 00866-2009-063-03-00-3. Relator: Júlio Bernardo do Carmo. Quarta Turma. Publicação em 31.8.2009.

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*Advogado do escritório Alcoforado Advogados Associados

 

 

 

 

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