Resultado do sorteio da obra "Direito Matrimonial e seus princípios jurídicos"
Da Redação
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Atualizado em 4 de janeiro de 2010 10:53
Sorteio de obra
De autoria de Carlos Dias Motta, a obra "Direito Matrimonial e seus princípios jurídicos" (RT - 2ª edição - 432p.) apresenta de início um extenso estudo dos princípios jurídicos e dedica-se ao exame do Direito Matimonial.
"Na transição do século XVIII para o XIX, operou-se no Direito Ocidental de raízes européias uma mudança bastante significativa. Refiro-me à positivação. Antes dele, no contexto de uma abordagem jusnaturalista de fundamento racional, o direito derivava da natureza do homem. Assim como a ciência descobria as leis da física, a partir do estudo dos corpos em movimento, também deveria descobrir as leis jurídicas, debruçando-se sobre a natureza humana. O Direito, de qualquer modo, estava dado, restando revelá-lo. Se todos titulavam o direito à vida era porque a tanto correspondia um atributo natural de homens e mulheres.
Com a positivação, opera-se radical transformação na forma de entender o direito. Ele passa a ser resultante de uma decisão. Os representantes do povo, em nome deste, aprovam leis que criam os direitos. Nada mais está dado, à espera da revelação. O que é direito hoje pode deixar de sê-lo amanhã, se as pessoas investidas de competência legiferante assim decidirem. Se todos titulam o direito à vida é porque a ordem jurídica o estabelece, e não porque existe algum atributo qualquer ínsito aos seres humanos a assegurá-lo.
A positivação, em essência, importava a inexistência de qualquer direito além do positivado, isto é, do resultante da decisão dos titulares do poder de legislar. Mas não conseguiu excluir inteiramente do discurso jurídico a noção de que haveria direitos além do positivado. Em Nuremberg, enquanto os acusados se defendiam levando ao extremo os argumentos em torno da positivação, ao procurarem justificar seus atos como obediência à ordem jurídica vigente, os acusadores se pautavam na afirmação de direitos que a transcendem.
Na verdade, a crescente complexidade das relações sociais impede a construção de qualquer sistema de solução de conflitos de interesses que possa dispensar tanto a positivação como sua negação. É paradoxal, como tantos outros conceitos jurídicos, mas nunca será possível a superação da dicotomia de concepção entre positivistas e antipositivistas. Para dar conta da complexidade que os conflitos de interesses encerram, o Direito deve ser necessariamente maleável, flexível, paradoxal. Para tanto, a convivência de doutrinas e jurisprudências mais apegadas ao texto normativo ditado pelo legislador com as que dele se afastam, com maior ou menor intensidade, é ínsita ao direito da complexa sociedade dos nossos tempos. Por mais ilógico que possa soar, o direito é e não é a lei posta; não há como escapar dessa contradição dialética.
Mas como podem os antipositivistas argumentar contra o direito positivo? Já não mais convencem os argumentos de inspiração jusnaturalista, no sentido de que estariam dados, de algum modo, na natureza humana os direitos e obrigações. Para atender a essa necessidade, surgem os princípios. Eles fundamentam direitos que são também revelados, descobertos pelos sábios; mas não a partir da natureza humana, e sim do ordenamento posto. Os antipositivistas, para afirmarem a existência de direitos além da ordem positiva, não podem cogitar de uma outra ordem, superior, à qual aquela se submeteria. Seus argumentos só podem se afastar do texto normativo sustentando que o próprio direito positivado a tanto os obriga.
Por meio dos princípios que, não sendo postos, a doutrina e jurisprudência revelam, preserva-se a positivação e, ao mesmo tempo, flexibiliza-se a ordem positiva, para que, no final, o direito possa atingir o seu objetivo, de viabilizar a superação institucional dos conflitos de interesses. Não é à toa que muitos dos princípios, mesmo os expressos, são difusamente circunscritos por meio de conceitos abertos como "moralidade" ou "dignidade humana". Não fosse assim, não proporcionariam margem retórica nenhuma às indispensáveis argumentações para o afastamento do direito positivado. Devem ser compreendidas nesse texto noções como a das normas constitucionais inconstitucionais proposta por Otto Bachof em 1951 ou a do Direito Civil de enraizamento constitucional elaborada por Fietro Perlingieri em 1975.
Desse modo, os princípios jurídicos, tal como sustenta Carlos Dias Motta, conciliam os valores de segurança jurídica e justiça. O primeiro associa-se à positivação: o direito é produto de uma decisão das pessoas investidas de poder legiferante, que deve possibilitar aos súditos nortearem suas condutas; o valor da justiça, por sua vez, está associado aos argumentos antipositivistas: ha direitos que nenhuma decisão pode restringir ou suprimir nem mesmo a de quem tem poder de legislar. Do emaranhado das combinações entre esses dois extremos surgem as superações dos conflitos de interesses na sociedade complexa dos nossos tempos.
O Direito Matrimonial é campo fecundo para o exame de como se desenvolve esse processo paradoxal da positivação. No passado não muito distante, o casamento era definido juridicamente como a única forma legítima de constituição de nova família. Isso atendia, grosso modo, às necessidades do direito para solucionar os conflitos de interesses surgidos no seio das relações familiares porque a sociedade era muito mais simples. Homens e mulheres tinham papéis sociais bem definidos, desde a infância, e afastar-se deles era anormal, quando não uma aberração. O extraordinário aumento da complexidade nas relações familiares após os anos 1960 forçou o direito positivado a considerar, ao lado do casamento, outras formas legítimas de constituição de família; e o processo ainda está em curso, com a crescente aceitação social das uniões livres e parcerias de pessoas do mesmo sexo." Fábio Ulhoa Coelho, professor titular da PUC/SP.
Sobre o autor :
Carlos Dias Motta é doutor em Direito pela USP. Graduado em Direito pela PUC/SP. Professor da faculdade de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na PUC/SP. Juiz de Direito do Foro Central da comarca de São Paulo.
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Ganhador :
Antônio Mente, da Companhia Energética de São Paulo, de Presidente Prudente/SP
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