O crime do padre, Amaro ou Mouret ?
Apanhou do pé o fruto, partiu-o ao meio e espremendo a sua carne foi retirando pouco a pouco o suco de seu interior. Pode-se, assim, ilustrar o difícil ato da expressão do pensamento humano. A pintura, a música, o verso - e assim por diante - configuram-se realizações marcadas de pessoalidade - "o suco de seu interior".
Da Redação
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
Atualizado em 20 de novembro de 2009 14:03
O crime do padre, Amaro ou Mouret ?
Eça de Queirós - personagens e cenas jurídicas de um homem do Direito
Apanhou do pé o fruto, partiu-o ao meio e espremendo a sua carne foi retirando pouco a pouco o suco de seu interior.
Pode-se, assim, ilustrar o difícil ato da expressão do pensamento humano.
A pintura, a música, o verso - e assim por diante - configuram-se realizações marcadas de pessoalidade - "o suco de seu interior".
Não é de estranhar, portanto, que essas expressões artísticas consigam até mesmo revelar seu autor simplesmente pelos traços característicos que dele carregam.
E quando isso se dá, temos aí, verdadeiramente, uma obra original.
Na mão contrária à originalidade, temos a cópia. E em sua pior expressão, pois quer ter caráter de original, o plágio. É como assinar um trabalho que não se fez.
Foi do que Eça de Queirós foi acusado pela obra o "Crime do Padre Amaro", conforme ele mesmo nos relata nas "Cartas Inéditas de Fradique Mendes".
Aquele livro havia recebido certa atenção da crítica, em vista da publicação anterior de "O Primo Basílio", e escreveu-se, sem qualquer prova efetiva, que a obra não passava de uma imitação do romance "La Faute de l'Abbé Mouret", de Émile Zola.
Será ? Será que o "Crime do Padre Amaro" era resultado de uma ação astuciosa ou aproveitadora por parte de Eça de Queirós ?
Não, definitivamente não. E o autor português tratou de provar isso.
Em preliminar, argumentou quanto às datas de produção dos dois livros : sua obra portuguesa havia sido escrita em 1871, lido por alguns amigos em 1872 e publicado em 1874, a obra francesa fora escrita e publicada em 1874.
No mérito, foi ao enredo dos livros. Bastava a leitura para constatar o originalidade das obras. Explicava o autor português : "La Faute de l'Abbé Mouret é, no seu episódio central, o quadro alegórico da iniciação do primeiro homem e da primeira mulher no amor" ; já o "Crime do Padre Amaro" tinha no enredo uma "simples intriga de clérigos e de beatas, tramada e murmurada à sombra duma velha Sé de província portuguesa".
Apesar do transtorno Eça de Queirós não guardou mágoas. Disse mais tarde : "eu, por mim, adoro a crítica: leio-a com unção, noto as suas observações, corrijo-me quando as suas indicações me parecem justas, desejo fazer minha a sua experiência das coisas humanas".
Mas como nem todos tem a grandeza do autor português, especialmente no que diz respeito à originalidade, vale a pena insistir um pouco mais na questão do plágio.
Pelo artigo 5º, inciso XXVII, da Constituição Federal de 1988 , bem como pela lei nº 9.610/98 - que altera, atualiza e consolida a legislação sobre os direitos autorais e dá outras providências - cabe apenas ao autor o direito exclusivo de utilizar ou dispor da sua obra. O desrespeito à lei, previsto no artigo 184 do Código Penal, gera detenção de 3 meses a 1 ano, ou então multa. Só que para poder requerer os direitos previstos em lei, é necessário que a obra - texto escrito, fotografia, partitura musical etc. - esteja devidamente registrada na Biblioteca Nacional.
Intertextual
Mas não confundamos alhos com bugalhos, quer dizer, plágio com "intertextualidade". Este termo, conforme define o léxico, designa a "superposição de um texto a outro". Trata, portanto, da absorção e transformação de uma multiplicidade de textos para a produção de outro. A princípio pode parecer plágio, alguns chegam até a definir esse uso como "plágio criativo", mas a diferença está no acréscimo ou enriquecimento que se presta à ideia original e na homenagem que se faz ao seu autor.
Quer ver um exemplo ? Vamos então a um dos mais notáveis nomes da música brasileira, Chico Buarque. Quem nunca ouviu esses versos da letra "Até o Fim" ?
"Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim"
Como base para a composição, "Poema de Sete Faces", de Carlos Drummond de Andrade :
"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida"
Não parece haver dúvida que os versos do Julinho da Adelaide sejam "o suco de seu interior", espremido com suas vivências e leituras seletas.
Enfim, independente de lei ou mesmo de questões éticas, uma coisa é certa : melhor criar que copiar.
Mesmo porque, sem esforço o cérebro atrofia.
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