MEC considera educação domiciliar inconstitucional
O Ministério da Educação questionou a constitucionalidade da educação domiciliar, nos moldes propostos pelo PL 3518/08, que tramita na Câmara e foi tema de audiência pública, ontem, 15/10, na Comissão de Educação e Cultura.
Da Redação
sexta-feira, 16 de outubro de 2009
Atualizado às 08:28
Questionamento
MEC considera educação domiciliar inconstitucional
O Ministério da Educação questionou a constitucionalidade da educação domiciliar, nos moldes propostos pelo PL 3518/08, que tramita na Câmara e foi tema de audiência pública ontem, 15/10, na Comissão de Educação e Cultura.
O diretor de Concepções e Orientações Curriculares para Educação do ministério, Carlos Artexes Simões, declarou que predomina na área a interpretação de que a obrigatoriedade de o Estado garantir o ensino fundamental, conforme prevê a CF/88 (clique aqui), deve ser exercida na escola. Assim, os pais que optarem pelo ensino domiciliar poderão continuar a responder pelo crime de abandono intelectual, crime que prevê detenção de 15 dias a um mês, além de multa. "A escola ainda é a vanguarda do ponto de vista do conhecimento necessário para a construção de um Estado republicano", definiu Simões. "Nós temos que aprimorar a escola, e todas as ideias e demandas não atendidas devem ser trabalhadas dentro das escolas para que ela seja alterada do ponto de vista pedagógico", acrescentou. O diretor declarou ainda que a escola não é um local destinado apenas ao aprendizado, mas à socialização também.
Interpretação da Constituição
Essa interpretação do texto constitucional foi criticada pelos participantes da audiência que optaram pela educação domiciliar e pelo professor de Direito da Unip/DF Alexandre Magno Moreira. Para ele, o tema poderia até ser abordado por uma emenda constitucional, mas apenas para deixar mais claro um conceito que já pode ser aceito nos termos atuais da Constituição. "A Constituição foi feita em uma época em que não havia a discussão do ensino domiciliar no Brasil e, passados mais de 20 anos, existem hoje diversas outras demandas na sociedade", disse.
"A Constituição diz que a educação é dever do estado e da família, é preciso definir como isso deve ser compartilhado, levando em consideração o princípio fundamental do pluralismo político e, mais ainda, o direito pouco debatido no Brasil que é o da objeção da consciência, que é a possibilidade de a pessoa desobedecer uma regra - que, a princípio, seria imposta a todos - por considerar, como fundamento, que a regra é indevida, imoral ou prejudicial", destacou.
O deputado Wilson Picler (PDT/PR) presidiu a audiência e considerou que as manifestações demonstram a necessidade de se aprofundar o assunto. "Temos que reconhecer o fundamento de boa parte do que foi dito, as pessoas que optam pelo ensino domiciliar estão insatisfeitas com o modelo de ensino, existe o problema de violência nas escolas, então há uma insatisfação com esse modelo, estamos no terceiro milênio, a educação à distância está se consolidando e é natural que a sociedade venha a desejar novos modelos", argumentou.
O projeto
Conforme o PL 3518/08 - de autoria dos deputados Henrique Afonso (PV/AC) e Miguel Martini (PHS/MG) - para ensinar os filhos em casa, os pais precisarão de uma licença do governo. Além disso, de acordo com a proposta, os pais ou responsáveis deverão escolher uma escola credenciada para avaliar, anualmente, o rendimento do aluno. Essa avaliação será feita de acordo com as diretrizes nacionais já estabelecidas na legislação.
Se as notas dos testes básicos de leitura, escrita e matemática ficarem abaixo do mínimo exigido pela escola escolhida pelos pais para avaliar a aprendizagem da criança, no final do ano, a licença concedida para educação em casa será mudada para licença temporária e os pais terão mais um ano para recuperar o rendimento do estudante.
Uma dúvida levantada por Picler e pelo deputado Jairo Carneiro (PP/BA), que poderá constar de um eventual substitutivo ao texto, foi a definição de uma formação mínima para os pais serem autorizados a educar seus filhos.
-
Veja abaixo a íntegra do PL :
________________________
PROJETO DE LEI N° 3518 DE 2008
(Dos Senhores Henrique Afonso e Miguel Martini)
Acrescenta parágrafo único ao artigo 81 da Lei nº 9.394, de 1996 que institui as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e dispõe sobre o ensino domiciliar
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º É acrescentado parágrafo único ao artigo 81 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com a seguinte redação:
"Art.81..............................................................................
Parágrafo Único - É admitida e reconhecida a modalidade de educação domiciliar, no nível básico, desde que ministrada no lar por membros da própria família ou guardiães legais e obedecidas as disposições desta Lei. É dever do Estado facilitar, não obstruir, essa modalidade educacional.
I- Os pais ou responsáveis por crianças ou adolescentes em regime de educação domiciliar deverão usar os serviços de uma escola institucional como base anual para avaliação do progresso educacional, conforme regulamentação dos sistemas de ensino.
II- A avaliação dar-se-á em conformidade com as diretrizes nacionais estabelecidas nesta Lei e currículos nacionais normatizados pelo Conselho Nacional de Educação.
III- Os pais serão responsáveis perante a escola pelo rendimento das avaliações do estudante em regime de educação domiciliar. Se as notas dos teste básicos de leitura, escrita e matemática da criança ou o adolescente forem abaixo do mínimo do rendimento escolar nacional, no final do ano a licença para a educação em casa será mudada para licença temporária, dando-se aos pais ou guardiães mais um ano escolar de recuperação a fim de que o estudante possa tirar notas conforme ou acima do mínimo de rendimento escolar nacional. Caso contrário, a licença para educar em casa será cancelada no final do ano escolar de recuperação e a criança deverá freqüentar uma escola institucional no ano escolar seguinte.
Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A Constituição Federal determina, em seu artigo 205, que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser incentivada a colaboração da sociedade para que cumpra seus objetivos de pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.
Mais adiante, no artigo 209, a Constituição esclarece que ensino é livre à iniciativa privada, desde que cumpridas as normas gerais da educação nacional e sob condições de autorização e avaliação de qualidade pelo poder público. Portanto, o ensino não deverá ser considerado monopólio da instituição escolar.
O ensino domiciliar permite adequar o processo ensino-aprendizagem às necessidades de cada criança e enseja um espaço de intensa convivência e educação ou aprendizado mútuo para a família.
Trata-se, assim, de reforçar o insubstituível papel educativo da família na formação de seus filhos.
A família é a principal engrenagem da educação e a criação da educação domiciliar, além de ampliar o leque de oportunidades da escolarização de crianças e adolescentes favorece uma integração gerenciada entre essa e a escola com redistribuição de responsabilidades. Além disso, favorece o desenvolvimento da auto-disciplina e do aprender a aprender, qualidades avidamente buscadas nos profissionais de hoje.
O legislador, consciente das mudanças e potencialidades dos processos educativos fora do ambiente escolar institucional, permitiu a organização de cursos ou instituições de ensino experimentais, desde que obedecidas as disposições contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 1996 (Artigo 81).
A LDB prevê também, em seu artigo 38, que os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de quinze anos, e no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de dezoito anos.
Pedimos, portanto, o apoio dos Nobres Pares a este projeto para que a possibilidade de avaliação e certificação da educação adquirida fora do ambiente escolar não seja limitada apenas por questões etárias a jovens e adultos que não tiveram acesso à escola na idade própria.
Sala das Sessões, em de 2008
Deputado Henrique Afonso Deputado Miguel Martini