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Advogada vítima é confundida com autor do crime e Estado do RJ terá que indenizá-la

O Estado do RJ foi condenado a pagar indenização, a título de danos morais, no valor de R$ 15 mil por confundir vítima com autor de crime. A decisão é dos desembargadores da 2ª câmara Cível do TJ/RJ.

Da Redação

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Atualizado às 13:10


De vítima a autor

Advogada vítima é confundida com autor do crime e Estado do RJ terá que indenizá-la

O Estado do RJ foi condenado a pagar indenização, a título de danos morais, no valor de R$ 15 mil por confundir vítima com autor de crime. A decisão é dos desembargadores da 2ª câmara Cível do TJ/RJ.

Josefa Lenilda Pereira Lima conta que, em agosto de 1997, ao comunicar a policiais que foi vítima do furto de um cheque em sua residência, teve o seu nome incluído no Registro de Ocorrência como autora do crime. A autora da ação acrescentou ainda que passou a ter folha de antecedentes criminais positiva, o que lhe causou inúmeros prejuízos, inclusive concernentes à impossibilidade de obter a carteira da OAB e de prestar concursos públicos.

Para o relator do processo, desembargador Jessé Torres, "ainda que se não possa presumir que a autora seria aprovada no exame de ordem e que exerceria a profissão de advogada, ou que seria aprovada em concursos públicos, é certo que a mácula ao seu nome obstou a busca de oportunidades sérias e reais de avanço profissional, atraindo a aplicação da teoria da 'perda de uma chance'".

  • Processo : 2009.001.46805

Confira abaixo o acórdão na íntegra.

_____________

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO N° 2009.001.46805

Apelante 1: ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Apelante 2: JOSEFA LENILDA PEREIRA LIMA

Apelados: OS MESMOS

Origem: Juízo de Direito da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital

ACÓRDÃO

APELAÇÃO. Ordinária de reparação de danos materiais e morais. Agravo retido que se rejeita: os elementos constantes dos autos bastaram à formação do convencimento do juiz. A produção da prova testemunhal pleiteada pelo Estado não contribuiria para o deslinde da questão, nem afastaria sua responsabilidade. Vítima de crime de furto que é indiciada como autora do fato; erro reconhecido pela autoridade policial competente e não corrigido como determinado.

Responsabilidade civil objetiva do Estado (CR/88, art. 37, §6º). Dano material não comprovado. Aplicação da teoria da "perda de uma chance": o erro grosseiro originado do inquérito policial obstou a busca de avanço profissional da autora, que se bacharelou em direito, mas não se pode submeter a exame da OAB, nem a concursos públicos durante dez anos, com forte abalo à autoestima. Majoração da verba reparatória de dano moral. Inexistência de interesse recursal quanto aos efeitos da sucumbência recíproca, posto que a sentença considerou ambas as partes isentas do recolhimento de custas e compensou os honorários. Desprovimento do primeiro recurso.

Parcial provimento do segundo.

Vistos, relatados e discutidos estes autos da apelação n° 2009.001.46805, originária do Juízo de Direito da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital, em que figuram, como apelante 1, ESTADO DO RIO DE JANEIRO, como apelante 2, JOSEFA LENILDA PEREIRA LIMA, e, como apelados, OS MESMOS, os Desembargadores que compõem a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro ACORDAM, por unanimidade, negar provimento ao primeiro recurso e dar parcial provimento ao segundo, nos termos do voto do relator.

Rio de Janeiro, 02 de setembro de 2009.

Des. Jessé Torres

Relator

SEGUNDA CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO Nº 2009.001.46805

VOTO

Relatório a fls. 120.

O Estado, primeiro apelante, reedita as razões do agravo retido de fls. 293, interposto contra decisão que, com esteio no art. 130 do CPC, dispensou a oitiva de testemunhas por ele arroladas.

Deve ser examinado e decidido como preliminar da apelação (CPC, art. 523).

Determinado às partes que especificassem provas (fls.115), o apelante requereu a produção de documental suplementar (fls. 118). Proferida a decisão saneadora de fls. 286, foi deferida prova oral, arrolando o Estado as testemunhas constantes de fls. 288 e expedida carta precatória para sua intimação (fls. 290-291).

Na audiência de instrução e julgamento, aludidas testemunhas não se fizerem presentes, insistindo o apelante em sua oitiva. O Juízo dispensou a prova: a uma, porque, na oportunidade própria, não foi requerida por qualquer das partes; a duas, porque a divergência apontada pelo réu nos depoimentos que as testemunhas prestaram em sede policial, a justificar-lhe a pretensão de ouvi-las em Juízo, não guarda correlação com o objeto desta demanda; a três, porque, sendo ele o destinatário da prova, a testemunhal era desnecessária, diante dos demais elementos probatórios entranhados.

Ao juiz cabe o poder instrutório da lide, incumbindo lhe avaliar e decidir sobre a necessidade, ou não, em face do quadro factual, da produção de provas (CPC, artigos 130 e 131). No caso, os elementos constantes dos autos bastaram à formação de seu convencimento, não se percebendo qual seria a utilidade de expandir-se a dilação com a produção de prova testemunhal que em nada contribuiria fosse para o deslinde da questão, fosse para afastar a responsabilidade do Estado.

Rejeita-se, destarte, o agravo retido.

Os fatos estão sobejamente demonstrados.

Aos 11.08.1997, a autora noticiou à autoridade policial competente haver sido vítima de crime de furto de um cheque em sua residência. Instaurado o inquérito policial, passou, todavia, a figurar como indiciada. Verificado o erro, a autora requereu à autoridade policial a devida retificação, que, aos 11.09.2000, foi determinada pelo Delegado Tarcisio Andreas Jansen, verbis: "Adite-se este IP. Retifique-se os autos do presente lavrando-se nova portaria; indicie-se Fernando Leite da Silva, como incurso nas penas do art. 155 do CP, tendo como vítima/lesada a Srª Josefa Lenilda Pereira Lime e a dona Leonides Soares Resende, em virtude de erro material grosseiro na autuação deste..." (fls. 211).

Aludido inquérito foi distribuído à 6ª Vara Criminal da Comarca de Nova Iguaçu (proc. nº 1998.530.024178-6), sem que, até a presente data, referido erro fosse sanado. A autora figura como ré da ação penal, consoante se vê do site deste Tribunal (www.tjrj.jus.br), muito embora o Ministério Público, por diversas vezes, se houvesse manifestado no sentido do cumprimento do despacho da autoridade policial (v. fls. 213, 215, 217, 219, 221, 223 e 243).

Induvidoso, portanto, que o fato se enquadra na moldura da responsabilidade civil objetiva do Estado (CR/88, art. 37, § 6º), que deve responder pelos danos causados a terceiros por seus agentes, quando atuam nessa qualidade.

Quanto aos danos materiais, que abrangem o emergente (o que a vítima efetivamente perdeu) e o lucro cessante (o que razoavelmente deixou de lucrar), é certo que a autora, em relação àquele nenhuma prova ministrou de sua ocorrência; o mesmo, entretanto, não se pode afirmar em relação aos lucros cessantes.

Veja-se que a autora figura, indevidamente, por erro grosseiro originado do inquérito policial, como ré em ação penal desde 1998, fato que a impediu de se submeter a exame da OAB, já que obteve o título de bacharel de direito em julho de 2005, e assim exercer a profissão de advogada, bem como de se submeter a concursos públicos.

Ainda que se não possa presumir que a autora seria aprovada no exame de ordem e que exerceria a profissão de advogada, ou que seria aprovada em concursos públicos, é certo que a mácula ao seu nome obstou a busca de oportunidades sérias e reais de avanço profissional, atraindo a aplicação da teoria da "perda de uma chance", segundo a qual "o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, como progredir na carreira artística ou no trabalho, arrumar um novo emprego, deixar de ganhar uma causa por falha do advogado etc." (Sergio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, Ed. Malheiros, 6ª Ed., p. 95-96).

Embora não se possa estimar a perda material daí resulante, tal circunstância há de repercutir sobre a ponderação do dano moral.

No que toca ao quantum fixado a título de reparação de dano moral, o réu pugna por sua redução e a autora por sua majoração. O valor fixado na sentença (R$ 10.000,00) não discrepa da média dos valores de reparação de dano moral, que se situa na escala de 50 a 500 salários mínimos, levando-se em conta a intensidade da lesão, a situação da lesada e o grau de participação do réu na geração do dano. Excesso não se acha no valor arbitrado, que cumpre função complexa - restauradora para a vítima, pedagógica e punitiva para o responsável.

A estagnação da vida profissional da autora, porém, decerto lhe inflingiu perda de autoestima em dose acentuadamente maior do que aquela que ordinariamente acompanha a frustração de o candidato ser reprovado no exame da OAB ou em concurso público. No caso, a autora sequer pode inscrever-se nos certames competitivos que se ofereceram nos últimos dez anos.

Não se percebe interesse recursal na impugnação do Estado aos efeitos da sucumbência recíproca reconhecida pela sentença, posto que esta também considerou ambas as partes isentas do recolhimento dos encargos processuais e compensou os honorários.

Eis os motivos de votar por que se: (a) negue provimento ao primeiro recurso, do Estado do Rio de Janeiro; (b) dê parcial provimento ao segundo apelo, da autora, para fixar-se em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) o valor reparatório do dano moral, mantida a sentença em seus demais termos.

Rio de Janeiro, 02 de setembro de 2009.

DES. JESSÉ TORRES

Relator

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