Desdobramentos do caso Isabella
O caso Isabella teve mais um desdobramento. A defesa do casal, comandada pelo advogado Roberto Podval, do escritório Podval, Rizzo, Mandel, Antun, Indalecio e Advogados, entrou com pedido de HC em favor do casal, Alexandre Alves Nardoni e de Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá.
Da Redação
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Atualizado às 08:03
Caso Isabella
Desdobramentos do caso Isabella
O caso Isabella teve mais um desdobramento. A defesa do casal, comandada pelo advogado Roberto Podval, do escritório Podval, Rizzo, Mandel, Antun, Indalecio e Advogados, entrou com pedido de HC em favor do casal, Alexandre Alves Nardoni e de Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá.
O MPF, em parecer do subprocurador-geral da República Eugênio José Guilherme de Aragão, opinou pelo trancamento da ação penal com relação ao delito de fraude no processo penal.
No entanto, o MPF ressaltou que o fato de a alteração no local do crime, antes da chegada da autoridade policial, não configurar hipótese de fraude processual, não invalida o fundamento da prisão preventiva com base na garantia da instrução criminal por esse mesmo motivo.
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Clique aqui e confira na íntegra o HC impetrado pelo advogado em favor do casal.
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Confira abaixo o parecer do MPF na íntegra.
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria Geral da República
Nº 3742/2009/EA/SA/PGR
HABEAS CORPUS Nº 137206/SP (2009/0100079-3)
IMPETRANTE : Roberto Podval e outros
IMPETRADO : Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
PACIENTES : Alexandre Alves Nardoni (preso)
Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá (presa)
RELATOR : Ministro Napoleão Nunes Maia Filho - Quinta Turma
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. FRAUDE PROCESSUAL. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECI-MENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA DE ALTERAR O LOCAL DO CRIME. ALTERAÇÃO OCORRIDA QUANDO AS PROVAS ESTAVAM SOB O DOMÍNIO DOS RÉUS, ANTES DA CHEGADA DA AUTORIDADE POLICIAL. GARANTIA CONTRA AUTO-INCRIMINAÇÃO. CONCESSÃO.
1. Não tendo havido exame das questões suscitadas no writ pela corte coatora, está, o STJ, impedido de adentrá-las, porque tanto implicaria supressão de instância.
2. Não há atribuir prática de crime de fraude processual a imputado que, antes da chegada da autoridade policial, altera prova no local do crime, quando esta ainda está sob seu domínio. Incidência da garantia constitucional contra a auto-incriminação..
3. Parecer por que não seja conhecida a ordem ou, caso entendimento contrário, seja concedida para trancar a ação penal com relação ao delito de fraude processual, ante à atipicidade da conduta dos pacientes.
Excelentíssimo Senhor Ministro-Relator,
trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Alexandre Alves Nardoni e Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negou provimento ao recurso em sentido estrito interposto em face da decisão de pronúncia, mantendo-a, inclusive, quanto ao delito de fraude processual (ff. 121-159). Os pacientes foram pronunciados, o primeiro, como incurso nas sanções do art. 121, § 2.º, III, IV e V c/c o § 4.º, parte final e art. 13, § 2.º, "a" (com relação à asfixia) e art. 347, parágrafo único, todos c/c os arts. 61, II, "e", segunda figura, e 29, todos do CP, e a segunda, como incursa nas penas do art. 121, § 2.º, III, IV e V c/c o § 4.º, parte final e art. 347, parágrafo único, ambos c/c o art. 29, todos do CP (ff. 57-120).
Os impetrantes alegam, em síntese, que a imputação do delito de fraude processual não pode ser feita a quem é imputado o crime que se tenta encobrir, à semelhança do que ocorre com os delitos de favorecimento pessoal e favorecimento real, eis que ninguém seria obrigado a produzir prova contra si mesmo. Aduz que o tipo descrito no caput do artigo 347 do CP exige, para sua configuração, que o agente altere provas na pendência de processo civil ou administrativo, o que não teria ocorrido no caso. Salienta que o parágrafo único de tal dispositivo trata de causa de aumento que incide quando a inovação objetivar, também, induzir em erro juiz em causa criminal e, não, de delito autônomo, de forma que se exige a implementação do caput do referido artigo. Argumenta que, ainda que se admitisse a possibilidade de autonomia típica do parágrafo único do artigo 347 do CP, os fatos tratados nos autos não se subsumiriam a essa hipótese, de vez que tanto implicaria admitir que um acusado que, quando abordado por policiais, se livrasse de bem roubado, estaria cometendo roubo e fraude processual. Requer o trancamento da ação penal em relação ao delito de fraude processual, por atipici-dade da conduta (ff. 2-34).
Recebidos os autos nesse e. STJ, vieram os autos para manifestação do custos legis.
II.
Pelo que se infere da cópia do acórdão recorrido juntada aos autos, o tribunal impetrado não se manifestou sobre a questão aqui aventada, a saber, a suposta inadmissibilidade de imputação de fraude processual a quem é imputado o crime por encobrir em virtude da garantia constitucional contra a auto-incriminação. Igualmente, não se manifestou sobre a suposta atipicidade da conduta, decorrente da ausência de pendência de processo civil ou administrativo. É o que se infere do acórdão atacado, in verbis:
"(...) E, por extensão, também a questão quanto ao crime de fraude em processo penal (art. 347, § único, do Código Penal).
Que também deve ser submetido à apreciação do E. Tribunal do Júri.
Afinal, o afastamento deste crime, como aqui, só pode e deve ser aceito quando a prova quanto ao acontecimento a que refere à ação, é nenhuma.
O que inocorre, nos autos.
Isto porque os exames periciais revelaram que diversos vestígios de sangue encontrados no imóvel dos recorrentes teriam sido parcialmente removidos por limpeza.
Demais disso, a prova técnica leva fortemente a crer que a fralda de algodão apreendida na área de serviço do imóvel dos recorrentes - em pleno processo de lavagem - também teria tido contato com sangue.
Em suma.
Há indícios suficientes de que os recorrentes - na hipótese de terem sido os autores do homicídio - de tudo fizeram para eliminar quaisquer vestígios que os pudesse incriminar, acabando por praticar o delito previsto no art. 347, § único, do Código Penal.
Enfim.
A valoração da prova, propriamente dita - exceto a que diz aos indícios de autoria e materialidade, como se viu - e dos elementos fáticos contidos nos autos, não encontra campo apropriado e aprofundado de avaliação neste momento.
É coisa de se reserva ao julgamento futuro. (...)" (ff. 154-155 - grifos no original)
Como se vê o tribunal a quo se limitou a examinar os indícios de autoria e materialidade. Dessa forma, é inviável a manifestação dessa e. Corte Superior sobre as questões, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância.
Contudo, acaso ultrapassado referido impedimento ao exame do mérito, merece guarida a pretensão de trancamento da ação penal com relação ao delito de fraude em processo penal.
O mencionado delito está previsto no artigo 347, parágrafo único, do CP, e preceitua que a inovação artificiosa no estado de lugar, coisa ou pessoa, para produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, com o fim de induzir a erro o juiz ou perito, é crime apenado com o dobro de pena prevista no caput.
Têm razão os impetrantes quando apontam para a inviabilidade jurídica de se atribuir a prática do crime a agente que altera provas no local do crime que ainda estão sob o seu domínio, eis que, enquanto a autoridade policial não chega ao local do crime para tomar assegurar a cena do delito, as supostas provas estão sob disponibilidade do agente e lhe pertencem. Incide na espécie a garantia constitucional contra a auto-incriminação, decorrente do direito à presunção de inocência insculpida no tratado internacional denominado Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, em seu art. 8.º, item 2, alínea "g":
"Art. 8.º - Garantias judiciais:
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada".
Portanto, se as provas ainda estavam sob o domínio do imputado, sem que o Estado tenha tomado as providências previstas no Código de Processo Penal (artigo 169 do CPP ) para assegurar o local do crime, não se pode exigir do imputado que se mantenha inerte, deixando intacta a cena do crime, ainda que sob risco de se auto-incriminar. Da mesma forma, apenas para exemplificar, seria o caso de um acusado de homicídio ser obrigado a permanecer com a arma utilizada para o crime e a entregá-la à autoridade policial, sob pena de responder, também, pelo crime de fraude processual.
Por óbvio que diversa seria a situação se as provas já estivessem sob o poder do Estado, quando, então, o agente não poderia se socorrer de da discriminante extralegal. Se, por exemplo, o imputado ou seu defensor tiverem acesso à prova já coletada em autos ou apartado e aproveitarem esse acesso para inová-la, podem, sim, incidir no tipo em questão, pois já não mais detêm o domínio da prova.
Assim, é de ser trancada a ação penal com relação ao delito de fraude no processo penal, ante à atipicidade da conduta dos pacientes.
É de ressaltar, porém, que o fato de a alteração no local do crime, antes da chegada da autoridade policial, não configurar hipótese de fraude processual, não invalida o fundamento da prisão preventiva com base na garantia da instrução criminal por esse mesmo motivo. É que a prisão preventiva não tem natureza inculpatória, mas se constitui em mera cautela processual destinada, entre outros fins, a garantir a integridade da prova por colher na instrução criminal. Se o investigado ou acusado tangencia essa integridade, é lícito detê-lo para evitar o dano à instrução.
III.
Ante ao exposto, opina o Ministério Público Federal por que não seja conhecida a ordem ou, acaso ultrapassado o óbice da supressão de instância, por que seja concedida para o fim de excluir da pronúncia a imputação de fraude processual.
Brasília, 2 de julho de 2009.
Eugênio José Guilherme de Aragão
Subprocurador-Geral da República
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