TJ/RS - Suspensa cobrança de emissão de boletos e carnês pela BV Financeira
Em decisão liminar, o Juiz Giovanni Conti determinou que a BV Financeira suspenda cobrança de despesas com emissão de boleto bancário, fatura, tarifa administrativa e manuseio, carnê ou qualquer outro documento utilizado para pagamento de dívida. Em caso de descumprimento, deverá ser paga multa de R$ 1 mil para cada evento. O magistrado da 15ª Vara Cível determinou ainda que a empresa substitua em 60 dias, sem qualquer custo aos consumidores, os carnês que possuem prestações por vencer, descontando a tarifa de emissão, sob pena de multa de R$ 2 mil para cada descumprimento.
Da Redação
sábado, 16 de maio de 2009
Atualizado às 13:46
Cobrança suspensa
TJ/RS - Suspensa cobrança de emissão de boletos e carnês pela BV Financeira
Em decisão liminar, o Juiz Giovanni Conti determinou que a BV Financeira suspenda cobrança de despesas com emissão de boleto bancário, fatura, tarifa administrativa e manuseio, carnê ou qualquer outro documento utilizado para pagamento de dívida.
Em caso de descumprimento, deverá ser paga multa de R$ 1 mil para cada evento. O magistrado da 15ª Vara Cível determinou ainda que a empresa substitua em 60 dias, sem qualquer custo aos consumidores, os carnês que possuem prestações por vencer, descontando a tarifa de emissão, sob pena de multa de R$ 2 mil para cada descumprimento.
A ação do MP alegou não haver previsão legal ou administrativa (normas do Banco Central) para a prática, uma vez que se trata de prestação de serviços à própria financeira. Argumentou que são custos da sua atividade - contratos de empréstimos - cabendo a ela arcar com esse ônus.
O Juiz Giovanni Conti entendeu pelo deferimento da liminar, pois a manutenção da cobrança acarretaria em prejuízos aos consumidores que teriam de continuar a pagar algo cujo custeio seria de responsabilidade da financeira. Destacou que foi apresentado ofício do BACEN onde esclarece que Resolução 3.518/07 proíbe a cobrança pela emissão de boletos bancários.
A ação coletiva segue em tramitação na 15ª Vara Cível do Foro de Porto Alegre.
Veja abaixo a íntegra da decisão.
Processo nº 001/1.09.0130962-5
Ação Coletiva de Consumo
Vistos os autos.
Trata-se de ação coletiva de consumo ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra BV FINANCEIRA S/A - CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, em virtude de prática comercial abusiva de cobrança a título de emissão de boletos bancários em transação de financiamento.
Cumpre salientar, inicialmente, que o primeiro ponto de partida para aplicação da Lei 8078/90, é imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85) e subsidiariamente dos instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais, aplicados em conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica trazida inicialmente para análise "inaudita autera pars", ou seja, o provimento liminar de antecipação dos efeitos da tutela (art. 273, do CPC).
Restam caracterizados os conceitos de consumidor e fornecedor, nos exatos termos dos arts. 2º e 3º da Lei 8078/90, hipótese em que todo o seu sistema principiológico e todas as questões que permeiam a demanda, sob sua ótica devem ser tratadas.
A Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo ao consumidor, considerado tanto em sua forma individual como coletiva. Por isso, em seu art. 170, inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios básicos da ordem econômica, elemento estrutural fundante de todas as normas e de toda a relação de consumo.
Por isso que este dispositivo também deve ser lido em consonância com o que dispõe o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirmar que a dignidade da pessoa humana é elemento informador de toda base constitucional, para um Estado que se diz Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o intérprete buscar a força normativa destes Princípios que se espelham e intercalam para todo o sistema de proteção do consumidor, devendo ser concretizados através do Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.
Sendo assim, todas as questões definidas, servem para traçar a opção jurídica entre antecipar os efeitos da tutela, liminarmente, ou, com base em outros Princípios, como do Contraditório e da Segurança Jurídica aguardar toda a tramitação do processo, para isso a técnica processual se utilizou e criou o instrumento contido no art. 273, e 461 do CPC c/c art. 84, do CPDC.
Este instrumento processual requer que sejam postos para uma decisão urgente, buscando o que a doutrina tem atualmente tratado como tutela específica. Há a satisfação antecipada (exceção no processo civil), liminar, com base em princípios e em elementos que demonstrem a plausibilidade das alegações da parte autora (fumus boni iuris) e o perigo de dano iminente e irreparável (periculum in mora) como modo de garantir a efetividade para segurança, havendo a antecipação de um efeito concreto que possa garantir a utilidade final do provimento com base na satisfação antecipada que se dá, no CASO CONCRETO, por meio de um provimento mandamental que determine uma obrigação negativa, de não fazer.
A plausibilidade das alegações é evidenciada pelos documentos constantes nos autos. Questiona-se prática comercial abusiva de cobrança a título de emissão de boletos bancários em transação de financiamento, pois não há previsão legal ou administrativa (normas do BACEN) que autorizam tal cobrança do consumidor, já que se trata de prestação de serviços bancários ao sacador (requerida), ônus da atividade desenvolvida, qual seja, contratos de empréstimos.
Ora, tomando apenas por base a Lei 8078/90, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. Não se trata de afastar este Princípio somente com a alegação de que a demandante não é consumidor considerado em sua feição individual. A vulnerabilidade está sempre presente na relação de consumo, como elemento básico e não se confunde com a Hipossuficiência (outra questão jurídica). Cumpre, então, destacar e enfocar Princípio da Vulnerabilidade [1], nesse sentido:
"(...) vulnerabilidade é um conceito que expressa relação, somente podendo existir tal qualidade se ocorrer a atuação de alguma coisa sobre algo ou sobre alguém. Também evidencia a qualidade daquele que foi ferido, ofendido, melindrado por causa de alguma atuação de quem possui potência suficiente para tanto".
Vulnerabilidade é, então, o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade daquele ou daqueles sujeitos de que venham a ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação.
O princípio da vulnerabilidade "decorre diretamente do princípio da igualdade, com vistas ao estabelecimento de liberdade, considerado, na forma já comentada no item específico sobre este último princípio, que somente pode ser reconhecido igual alguém que não está subjugado por outrem." [2]
O consumidor considerado em sua forma individual ou metaindividual (direitos individuais homogêneos, coletivo strito sensu e difusos) são os vulneráveis desta relação jurídica, a parte mais fraca e que, na maioria das vezes sobre reflexos lesivos no desenvolvimento das atividades mais comuns da vida e diria indispensáveis da moderna sociedade de consumo.
Traçado o prisma ou ótica que deve ser observada a plausibilidade das alegações, verossimilhança (juízo mais robusto de plausibilidade) tenho por aplicáveis várias disposições que informam o sistema de proteção consumerista.
Ressalte-se, em tempo, que a Lei 8078/90 é de interesse público e social, sendo as suas disposições fundamentais para o crescimento não só da economia, mas que haja o devido respeito ao consumidor. Por isso, a política das relações de consumo deve ter como norte as determinações do art. 4º, incisos I, II, VI, VII, VIII, que tratam exatamente da vulnerabilidade, da ação governamental de proteção ao consumidor, do Princípio da Repressão Eficiente aos Abusos, racionalização e melhoria dos serviços públicos e estudo constante das modificações de mercado. Maus que isso, devem ser respeitados os direitos básicos do consumidor, contidos no art. 6º, com especial atenção aos incisos V, VII, VIII, X.
Sendo que nas práticas comerciais e nos contratos, deve haver a harmonia das relações de consumo, que também é um princípio básico, onde deve ser sempre buscado o Equilíbrio Contratual e os Fins Sociais dos Contratos, como bem demonstram as disposições do art. 39, incisos, V, X e art. 51, incisos IV, XXIII, XV e parágrafo 1º, incisos I, II e III.
Plausíveis as alegações do Ministério Público, cumpre, agora, determinar onde reside o perigo de dano iminente e irreparável. Tal dano não decorre da simples morosidade eventual ou natural que atinge a prestação jurisdicional em razão da busca da cognição plena e segurança jurídica inequívoca - impensável na sociedade de consumo de massa, instantânea. O dano advém da própria violação jurídica coletiva (art. 81 do CPC), em que muitos, diria incalculáveis consumidores.
O dano advém dessa perspectiva material e moral do consumidor, que não pode ser ignorada, no caso, continuar a pagar pelos serviços (emissão de boletos bancários) que seriam de responsabilidade da requerida. Restam, por isso, presentes os requisitos positivos para concessão da medida antecipatória da tutela, consubstanciado no fato de que a manutenção das práticas referidas acarretaria prejuízo a outros consumidores.
Considerando, ainda, a espécie de direito tutelado, vislumbrando o consumidor em sua forma coletivizada - metaindividual - a atividade preventiva e repressiva é essencial não apenas para cessação do perigo, mas para evitar a proliferação do dano (ainda que suposta a atividade nociva) já que é na tutela específica que se estrutura a função primordial da Lei 8078/90 - Princípio da Efetividade e Instrumentalidade do processo.
Ressalto, finalmente, que não observo a presença dos requisitos negativos que vedariam a concessão da medida liminar.
Diante dos fatos descritos e da prova carreada aos autos, em especial as informações constantes nos autos do inquérito civil nº 311/2008 e ofício do Banco Central juntado às fls. 131/132, esclarecendo sobre a Resolução nº 3.518/07, que entrou em vigor em abril/08, proibindo a cobrança pela emissão de boletos bancários, entendo presente a verossimilhança (semelhança com a verdade) das alegações.
DIANTE DO EXPOSTO:
1 - DEFIRO os pedidos liminares de antecipação de tutela para :
a) determinar que a ré se abstenha de cobrar dos consumidores qualquer valor para satisfação de despesas decorrentes de processamento e emissão de boleto bancário, fatura, tarifa administrativa e manuseio, carnê ou qualquer outro documento que tenha por finalidade possibilitar o pagamento de dívida, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (um mil reais), para cada hipótese de descumprimento;
b) determinar que a ré substitua, sem qualquer custo aos consumidores, os carnês que possuem prestações vincendas após a presente data, subtraindo a tarifa correspondente a emissão do documento, no prazo de 60 (sessenta) dias, sob pena de multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais), para cada hipótese de descumprimento;
2 - DEFIRO a inversão do ônus da prova nos termos requeridos na inicial.
3- EXPEÇA-SE o edital previsto no art. 94 do CDC.
Cite-se.
Intime-se.
Porto Alegre, 14 de maio de 2009.
GIOVANNI CONTI,
Juiz de Direito.
[1] "Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor;"
[2] PAULO VALÉRIO DAL PAI MORAES. Código de Defesa do Consumidor - o princípio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. Porto Alegre: Síntese, 1999, p. 96 e 97.
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