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Mandado de Segurança

Leia decisão de primeiro grau em Mandado de Segurança

Da Redação

quarta-feira, 27 de outubro de 2004

Atualizado às 10:26

 

Mandado de Segurança

 

Leia abaixo decisão de primeiro grau em Mandado de Segurança, impetrado contra autoridade municipal relativo à cobrança do ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) - com base em alíquota fixa - sobre a atividade da advocacia. A sentença foi requerida pelo migalheiro Augusto Geraldo Teizen Júnior.

____________

 

Transcrição da Sentença do Processo. n° 1964/2003 3ª Vara Civil da Comarca de São Carlos.

 

AUGUSTO GERALDO TEIZEN JÚNIOR impetrou mandado de segurança contra ato da Senhora CHEFE DA DIVISÃO DE RECEITA DA PREFEITURA MUNICIPAL DE. SÃO CARLOS, pedindo a declaração de inexigibilidade da obrigação de pagar o Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN). Alegou, para tanto, não ser devedor do imposto e ocorrer ilegalidade na base de cálculo utilizada para sua cobrança.

 

Indeferida a medida liminar, a autoridade impetrada prestou informações. Argüiu, preliminarmente, carência de ação. Quanto ao mérito, sustentou existir válida previsão legal para cobrança do ISSQN.

 

O Ministério Público justificou a desnecessidade de sua intervenção na causa.

 

O impetrante foi ouvido a respeito da tese de carência de ação.

É o relatório.

 

Fundamento e decido.

 

Supõe-se, à falta de alegação em sentido contrário, que a impetrada, Chefe da Divisão de Receita, tem incumbência de promover a arrecadação dos tributos municipais, devendo, se for o caso, deixar de cobrar imposto indevido. Até porque é ela quem está cuidando do lançamento do tributo (v. fls. 27). Daí resulta sua legitimidade passiva, pois não demonstrou faltar-lhe atribuição decisória. Não se trata, aqui, de discutir quem exercer a representação judicial do Município, mas de quem ostente legitimidade para corrigir, no âmbito administrativo, ato tido por ofensivo a direito líquido e certo do contribuinte. Afasta-se a tese de carência de ação.

 

Cuida-se de Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN).

 

O Decreto-Lei n° 406, de 31 de Dezembro de 1968, já atribuía ao Município a competência para cobrança do imposto, consoante o artigo 8°: Art. 8 - O imposto, de competência dos Municípios, sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa.

 

A regra foi preservada na Lei Complementar n° 116, de 31 de Julho de 2003, consoante o artigo 1°: Art. 1 - o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

 

A base de cálculo é o preço do serviço e a alíquota máxima é de 5%, como dispõem os artigo 6° e 7° da citada lei complementar .

 

A Lei Municipal n° 13.102, de 20 de dezembro de 2002, contra a qual se debela o impetrante, alterando disposições da Lei Municipal n° 11.438, de 22 de dezembro de 1997, prevê a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, tendo como fato gerador a prestação de serviços por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, não compreendidos na competência da União ou dos Estados (fls. 47). E considera com tais os serviços prestados por advogados (fls. 49, item 87), impondo o pagamento de valor fixo anual, de R$ 275,00 (Anexo II da Lei Municipal nº 11.438/97, modificado pela Lei Municipal n° 13.102/2002 - v. fls. 56).

 

Incidiu, porém, em ilegalidade ao estabelecer tributo fixo.

 

Com efeito, a exigência do ISSQN segundo um valor previamente estipulado não guarda consonância e adequação com a estrutura das normas de incidência, uma vez que a base de cálculo do imposto está fundamentada, decorre e se condiciona à prestação material do serviço e não à possibilidade hipotética. A cobrança de valor fixo, desvinculado do preço do serviço, fere a lei complementar, a qual permite a fixação de alíquotas fixas ou variáveis, incidentes sobre a base de cálculo, que é o preço do serviço, e não um imposto de valor fixo, como se imaginando uma igualdade entre todos os contribuintes exercentes da mesma atividade profissionais, que no entanto iguais não são do ponto de vista da capacidade contributiva.

 

É injurídica a exigibilidade de ISS segundo valores fixos, que não têm qualquer conotação com a figura da alíquota (percentuais aplicáveis à base de cálculo) para quantificar os exatos valores da obrigação tributária (José Eduardo Soares de Melo, "ISS -Aspectos Teóricos e Práticos", Editora Dialética, 2003, pág.137).

 

Pondere-se, com Aires F. Barreto ("ISS Na Constituição E Na Lei", Editora Dialética, 2003, páginas 309/310), que a Constituição não tolera a chamada tributação fixa. Essa afirmação não é agradável, especialmente para os profissionais liberais, mas esse entendimento é extraível da conjugação do art. 145, § 1º, com o art. 150, II.

 

Do entrelaçamento sistemático e harmônico dessas disposições, parece ser intolerável, no sistema da Constituição de 88, a chamada tributação fixa - assim entendida aquela em que não se tem nem base de cálculo nem alíquota - porque descompassada com o princípio da igualdade e com o princípio da capacidade econômica.

 

Equivoca-se, porém, quem suponha ter o Decreto-lei 406, de 31 de dezembro de 1968, alterado pelo Decreto-lei 834, de 8 de setembro de 1969, previsto uma tributação fixa no caso do chamado trabalho pessoal do próprio contribuinte ou, ainda, na tributação das sociedades de profissionais.

 

Para que não se dê por provado o que provado não está, lembre-se o teor do § 1°, do art. 9°, do Decreto-lei 406, de 31 de dezembro de 1968. Esse preceito estabelece:

 

"Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a remuneração do próprio trabalho".

 

Diante desse preceito, a doutrina, de um modo geral, tem se manifestado no sentido dê que ai se prevê tributo fixo. Mas isso não é correto.

 

É necessário, por conseguinte, que se afaste, de pronto, a confusão, feita por alguns, entre tributo fixo (imposto, taxa ou contribuição) e alíquota fixa. Tributo fixo é aquele que não tem nem base nem alíquota. Expressa-se numa importância invariável constante da própria lei. Diversamente, alíquota fixa é o fator invariável que se aplica sobre a base de cálculo.

 

A divisão dos tributos em fixos e variáveis decorre da possibilidade de constatação, na própria lei, do valor da dívida tributária, relativamente aos primeiros, e da necessidade de mensuração de cada fato, em relação aos últimos. Dito de outra forma: intensidade do comportamento humano é passível de mensuração nas hipóteses em que o tributo encontra guarida no rol dos variáveis (ou avaliáveis). Essa intenção não é graduada quando o legislador, em simplista solução, estabelece uma quantia fixa como objeto da prestação jurídica.

 

O traço dicotômico dos tributos, sob essa ótica, tem por estigma o meio de determinar o "quantum debeatur" só se pode excogitar de base de cálculo nos tributos variáveis (ou variáveis), nos quais é imprescindível a concreta investigação quantitativa de cada fato tributário, à luz do critério genérico de mensuração previsto na lei. A dimensão financeira do aspecto material da hipótese de incidência não coincidirá com hábito tributário a ser obtido, se e quando ocorrer o fato imponível, salvo quando a alíquota for de 100%. Ao revés, diante de opção legislativa simplificada - estatuição de importância fixa - qualquer investigação quantitativa do fato tributário é prescindível, porque a medida é dada integralmente pela lei. Equivale-se esta, ademais, ao próprio "quantum" exigido do sujeito passivo. O critério genérico de mensuração corresponde, quantitativamente, à determinação concreto do montante a pagar.

 

Estabelecidos esses pressupostos, retomemos o exame do § 1º, do art. 3º, do Decreto-lei 406/68, redação do Decreto-lei 834/69. Esse dispositivo não prevê tributação fixa porque a) remete à estipulação de uma alíquota e b) indica as bases de cálculo possíveis.

 

Efetivamente, ali se diz que o imposto será calculado (tributo fixo não é calculado) por meio de alíquotas fixas ou variáveis (previu quais as modalidades de alíquotas podem ser fixadas) a serem aplicadas sobre a base de cálculo eleita considerando a) a natureza do serviço ou b) de outros fatores pertinentes.

 

Análise detida desse dispositivo evidencia que ele não autoriza uma tributação fixa; pelo contrário, limita-se a traçar as balizas do critério quantitativo a ser eleito pelo legislador ordinário, focalizando assim a base de cálculo como á alíquota.

 

Enfim - e vale enfatizar -, não existe permissão legal ao legislador ordinário para uma tributação fixa. É dispensável lembrar que-o citado Decreto-lei foi recepcionado pela Constituição de 1988, consoante decisões do STF.

 

Esse regime de tributação fixa, escolhido pela Lei Municipal n° 13.102, de 20 de dezembro de 2002, deste Município de São Carlos, fere o princípio da isonomia tributária. uma vez que trata igualmente os contribuintes que se encontram em situação desigual.

 

Deve ser ressaltado que não se trata, em hipótese alguma, de imposto sobre a profissão, mas sim de imposto sobre serviços. A habilitação profissional é mero pressuposto da prestação de serviços e nem sequer integra a hipótese de incidência do tributo. Assim o ilustre Juiz Rizzatto Nunes fundamentou o v. acórdão do E. Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado, na Apelação n° 839.146-2 julgado em 10 de setembro de 2003, votação unânime, com a seguinte ementa:

 

Imposto Serviços de Qualquer Natureza - Município de Tupã - Exercício de 1998 - Base de Cálculo que só pode ser o preço do serviço - Ilegalidade da cobrança de valor fixo, pois implica em obrigar alguém a pagar o ISS sem ter prestado qualquer serviço - Entendimento jurisprudencial e doutrinário -Observância do principio constitucional estatuído no § 1°, do art. 145, da CF - Regime de alíquota fixa anual que fere o principio da isonomia tributária - tratamento igual dos contribuintes que encontram em situação desigual - Inadmissibilidade - Imposto incidente sobre os serviços e não sobre a profissão -Habilitação profissional que é mero pressuposto da prestação de serviços e nem sequer integra a hipótese de incidência do tributo Segurança concedida - Apelo provido para esse fim.

 

A cobrança do ISS, para se manter sua constitucionalidade, deve ter por base imponível a remuneração do serviço.

 

A utilização de valor fixo, sem atenção à efetiva prestação do serviço, configura extravasamento, induzindo tributação da capacidade física e intelectual.

 

Diante do exposto, concedo a segurança impetrada por AUGUSTO GERALDO TEIZEN JÚNIOR e julgo inconstitucional a cobrança do ISSQN por valor anual fixo.

 

A autoridade impetrada está isenta de custas processuais mas reembolsará o impetrante pelas despesas antecipadas, com correção monetária.

 

Não incide condenação em verba honorária.

 

Submeto esta decisão ao reexame necessário, pelo E. Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado.

 

Transmita-se cópia, por ofício, à autoridade impetrada P.R.I.C.

 

São Carlos, 18 de outubro de 2004.

 

Carlos Castilho Aguiar França

Juiz de Direito