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Comissão de Reforma do CPP se reúne para mais uma rodada de discussão sobre o novo texto

Nos dias 2 e 3 de fevereiro, a Comissão de Reforma do Código de Processo Penal se reúne para mais uma rodada de discussão sobre o novo texto que deve dar efetividade ao sistema penal brasileiro. O trabalho, de acordo com o presidente da Comissão, ministro Hamilton Carvalhido, é consolidar algo que já está na consciência de todos nós: a própria democracia.

Da Redação

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Atualizado às 08:42


Reforma

Comissão de Reforma do CPP se reúne para mais uma rodada de discussão sobre o novo texto

Nos dias 2 e 3 de fevereiro, a Comissão de Reforma do CPP (clique aqui) se reúne para mais uma rodada de discussão sobre o novo texto que deve dar efetividade ao sistema penal brasileiro. O trabalho, de acordo com o presidente da Comissão, ministro Hamilton Carvalhido, é consolidar algo que já está na consciência de todos nós: a própria democracia.

Ano de 1941

O mundo vive aterrorizado pela 2ª Guerra Mundial. Navios brasileiros começam a ser atacados por forças alemãs, e tropas norte-americanas se instalam no Nordeste. Um sentimento nacionalista faz Getúlio Vargas criar a Companhia Siderúrgica Nacional, e Monteiro Lobato é preso por acusar o governo de impedir a iniciativa privada de participar da exploração do petróleo. Em um cenário de autoritarismo, é criado no Brasil um novo CPP, refletindo um sistema inquisitivo, com poucas garantias ao acusado.

Mais de meio século se passou e o país foi aos poucos conquistando a democracia. O ápice dessa mudança foi a CF/88 (clique aqui), que trouxe novas atribuições para o Ministério Público, garantiu a ampla defesa ao acusado e muitos direitos penais até então desconhecidos pelos brasileiros. O ministro do STJ Hamilton Carvalhido, ator e espectador desse processo em mais de 40 anos de experiência na área jurídica, assistiu à transformação por que passou o país. Atualmente ele preside a Comissão de Reforma do CPP, já tendente a nascer, segundo ele, sob um viés democrático.

A mais importante transformação que a Constituição trouxe no campo jurídico, segundo o ministro, foi uma percepção diferente do Direito. Um direito não mais separado da vida, mas presente na vida do cidadão. "Antes, ele era visto só como um conjunto de normas que regulava a realidade social, mas não se mostrava presente na realidade", diz o ministro. "O Poder Judiciário se mantinha, assim, afastado da sociedade e dos órgãos. Era um poder à parte, conhecido pela sisudez dos seus membros. Para que fosse bom, correto, tinha que ser neutro, e fazendo-se neutro, fazia-se estranho e, sendo estranho, tornava-se desconhecido", assinala.

Reacende a consciência brasileira

Esse desconhecimento do Judiciário se modificou bastante após 1988. Com a democratização, a sociedade passou a estar mais consciente dos seus direitos e o número de processos cresce a cada ano. Em 1988, foi criado o STJ, que, só no ano passado, julgou 345 mil processos. Desde que foi criada, a instituição julgou dois milhões e oitocentos mil processos. Só de habeas-corpus, foram julgados mais de 23,5 mil. O que se busca com o Código é um sistema que proteja os direitos fundamentais do cidadão.

"A grande transformação que o projeto de reforma do Código está consolidando é transformar o lado autoritário da legislação numa disciplina que põe no devido lugar o direito fundamental da liberdade", acentua o ministro.

O maior desafio para esse novo Código é garantir agilidade ao trâmite das ações e assegurar o pleno exercício das garantias individuais, especialmente numa sociedade que, além de democrática, é cada vez mais violenta. Diante dos inúmeros delitos praticados e das notícias expostas no noticiário, a sociedade clama por mais rigor, principalmente para o crime praticado por menores de 18 anos.

Muitos preferiam rito sumário e pronto. Mas, de acordo com a ponderada análise do doutor em Direito Processual Penal pela USP Maurício Zanóide de Moraes, o processo melhor e mais justo não é o que pune mais, não é o que pune menos, somente o rico ou o pobre. "O processo justo é aquele que pune, com todas as garantias e com maior eficiência, os culpados e não pune, talvez nem idealmente, os inocentes".

Garantir o direito dos acusados envolve, por exemplo, transformar a prisão preventiva em exceção. Atualmente não há controle sistemático sobre as razões que motivam esse tipo de prisão. A Comissão defende a obrigatoriedade de reexame periódico da decisão judicial para que seja observado se os motivos que justificaram tal prisão ainda persistem. Pela jurisprudência, ninguém pode ser preso preventivamente por prazo superior a 81 dias, o que equivale à soma dos prazos de todos os atos processuais. No entanto, essa interpretação é descumprida e a falta de previsão legal faz muitos ficarem presos além do tempo.

A Comissão também defende, em nova ordem democrática, a necessidade de assegurar ao preso o direito de ser assistido por um advogado ou defensor público desde o interrogatório policial. Tal garantia, que já vigora nos Estados Unidos desde 1966, bem como em outros países como Itália, Chile e México, só é assegurada aos brasileiros na fase de interrogatório judicial.

Segundo o consultor legislativo e um dos membros da comissão Fabiano Augusto Martins Silveira, em matéria veiculada no site do Senado (clique aqui), isso representa um ganho do ponto de vista democrático ao evitar possíveis práticas de tortura ou ao evitar que fatos ocorridos durante o inquérito contaminem os desdobramentos dos rumos da investigação e do processo.

Um Código já amadurecido

O atual CPP regula o trâmite que vai da investigação criminal à sentença judicial e seus recursos e possui 811 artigos, distribuídos em cinco livros. Diversas modificações foram introduzidas ao longo de mais de meio século e mudanças na legislação alteraram seu teor, mas deixaram vazios que comprometem os princípios penais, segundo Carvalhido. De acordo com o ministro, a tentativa ou orientação de propostas parciais traz um defeito que só tempo mostra: criam lacunas que comprometem o sistema. "Elas às vezes criam contradições dentro do sistema e produzem resultados que não são aqueles desejados num Estado democrático de direito", diz.

Em termos de etapa de trabalho, a Comissão já conseguiu produzir os textos fundamentais em toda extensão que o projeto deve abranger. A entrega do texto estava marcada para 30 de janeiro deste ano, mas o prazo foi prorrogado por 180 dias para que seja submetido a um debate público. Cada membro da Comissão cuidou de um determinado tema, o que, segundo o ministro Carvalhido, não prejudicou a totalidade das discussões. As tarefas foram distribuídas em quatro grandes temas: princípios e estruturas, processos de conhecimento, investigação criminal e medidas cautelares e provas."Queremos fortalecer e dar efetividade ao Estado democrático de direito e essa efetividade passa por suas leis", resume o presidente da Comissão.

Assuntos já discutidos pela Comissão envolveram, entre outros, o fim da prisão especial para quem tem curso superior. Para a maioria de seus membros, não há justificativa constitucional para que os detentores de diploma universitário tenham a garantia desse benefício, pois isso fere o princípio da igualdade. Um outro assunto discutido é a instituição da figura do juiz de garantias, que participa das investigações dos processos. Tal juiz não seria o responsável pela causa, portanto pela sentença, o que, em tese, garantiria maior imparcialidade a quem vai decidir. O juiz de garantias atuaria numa fase pré-processual e o juiz da causa examinaria tudo o que foi produzido, como observador crítico.

Essas modificações que devem ser ainda votadas pela Câmara e Senado se somam a tantas outras, como a mais recente sancionada em junho pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (leis n. 11.689 - clique aqui e n. 11.690 - clique aqui).

Entre outras mudanças, a minirreforma do Código de Processo Penal, como foi denominada, trouxe a extinção da exigência de realização de novo julgamento sempre que o réu for condenado a penas superiores a 20 anos de reclusão por um único crime determinadas pelo Tribunal do Júri; criou a absolvição sumária e reduziu para uma única audiência a tomada de depoimento entre acusação e defesa, além de permitir audiência por videoconferência, medidas, entre outras, destinadas a tornar o processo mais célere. A demora nas fases do processo é uma das maiores causas de falta de punição aos criminosos, por conta da prescrição.

Um todo obediente a princípios democráticos

Instalada em 9 de julho último pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, a Comissão de Reforma do Código de Processo Penal foi criada atendendo a requerimento do senador Renato Casagrande - PSB/ES. O texto final do anteprojeto do Código será colocado em consulta pública e, após exame e aprovação dos senadores, será transformado em projeto de código. A sociedade também pode oferecer contribuições pelo site ou pelo e-mail (clique aqui).

"O novo Código não deve cuidar apenas de pequenas modificações numa lei que deve ser mantida na sua estrutura", afirma Carvalhido. "A Comissão de Reforma do Código de Processo Penal busca alterar a sua substância". Segundo o presidente da Comissão, o objetivo é elaborar um novo Código, obediente a princípios que não foram aqueles que inspiraram ao CPP, acolhendo as transformações que já foram operadas por ação do governo e jurisprudência. "Não se cuida de produzir algo que vai marcar uma nova etapa", diz o ministro. Cuida-se de consolidar algo que já está na consciência de todos nós. "Todas essas questões já são maduras pela experiência concreta, na reflexão."

Além do ministro, integram a comissão o juiz federal Antônio Corrêa, o advogado e professor da Universidade de São Paulo - USP Antônio Magalhães Gomes Filho, o procurador regional da República Eugenio Pacelli, o consultor legislativo do Senado Fabiano Augusto Martins Silveira, o advogado e ex-secretário de Justiça do estado da Amazônia Félix Valois Coelho Júnior, o advogado e professor da Universidade Federal do Paraná - UFPR Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, o delegado federal e presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal - ADPF, Sandro Torres Avelar, e o promotor de Justiça Tito de Souza Amaral.

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