Grampo - OAB representa contra delegados, promotor e juiz do MT
A Ordem dos Advogados do Brasil ingressou com representação junto ao Ministério Público de Mato Grosso contra os delegados Antônio Carlos de Araújo e Juliano Silva de Carvalho, do Centro Integrado de Segurança e Cidadania de Rondonópolis; contra a promotora de Justiça, Dulcilei Maria Soares Ribeiro Ambrósio, e contra o juiz Mirko Vicenzo Gianotte, da 2ª Vara Criminal. Motivo: ao investigarem homicídios contra funcionários da Universidade Federal de Mato Grosso, os delegados requereram que fosse grampeada a linha telefônica do advogado Mauro Marco Dias Cunha, classificado como "advogado de suspeito".
Da Redação
domingo, 14 de dezembro de 2008
Atualizado às 12:46
Grampo
OAB representa contra delegados, promotor e juiz do MT
A Ordem dos Advogados do Brasil ingressou com representação junto ao Ministério Público de Mato Grosso contra os delegados Antônio Carlos de Araújo e Juliano Silva de Carvalho, do Centro Integrado de Segurança e Cidadania de Rondonópolis; contra a promotora de Justiça, Dulcilei Maria Soares Ribeiro Ambrósio, e contra o juiz Mirko Vicenzo Gianotte, da 2ª Vara Criminal. Motivo: ao investigarem homicídios contra funcionários da Universidade Federal de Mato Grosso, os delegados requereram que fosse grampeada a linha telefônica do advogado Mauro Marco Dias Cunha, classificado como "advogado de suspeito".
Mauro Marco não foi apontado como investigado ou mesmo suspeito, apenas como "advogado de suspeito". De acordo com o presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas da OAB Nacional e secretário-geral adjunto do Conselho Federal da OAB, Alberto Zacharias Toron, a afronta se tornou mais evidente com a manifestação favorável da Promotoria de Justiça quanto à quebra do sigilo telefônico do advogado. Ela confirma, em seu despacho, que Mauro Marcos é "advogado de pessoa tida como suspeita" no início das investigações do crime.
"A promotora reconheceu às escâncaras que o único motivo para o monitoramento telefônico do advogado era justamente o fato de que ele estava buscando - por meio de legítima, legal e escorreita atuação profissional - nada mais, nada menos, que direito comezinho de seu constituinte, qual seja: o acesso aos autos de inquérito policial em que seu constituinte figura como investigado", explica Toron, ao destacar que a promotora Diulcilei Ambrósio perseguiu um advogado "apenas porque exercia suas funções".
Toron classificou também como "mais grave" a conduta do juiz ao deferir o pedido formulado pela promotora, a partir da indicação dos delegados, "sem qualquer fundamentação". O magistrado, ao deferir o pedido, "não fez qualquer consideração sobre o motivo pelo qual entendeu que deveria ser afastada, no caso concreto, a inviolabilidade da comunidade do advogado", acrescentou.
O grampo telefônico - contra a qual a OAB luta há vários anos - representa, de acordo com o secretário-geral adjunto da OB Nacional, "inquestionável violação a direitos e garantias individuais do cidadão e, observiamente, à sua prerrogativa profissional quanto à inviolabilidade de suas comunicações", conforme prevê o Estatuto da Advocacia,
Ele observou, ainda, que não se pode permitir abusos de tal natureza em nome de uma suposta eficácia na repressão. Toron lembrou que "nem o princípio da proporcionalidade e a supremacia do interesse público sobre o privado" "poderiam permitir a realização do grampo contra o advogado".
Na representação, o presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas da OAB pede que o Ministério Público de Mato Grosso abra inquérito para apurar a existência de crime por abuso de autoridade por estar configurado violação aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. Em seguida, o inquérito deverá ser encaminhado ao Tribunal de Justiça.
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A seguir a íntegra da representação:
"EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO
Representação criminal: abuso de autoridade
A Comissão Nacional de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, neste ato representada por seu Presidente, respeitosamente, vem à elevada presença de Vossa Excelência representar contra
i) os Delegados de Polícia Antonio Carlos de Araújo e Juliano Silva de Carvalho, ambos do Centro Integrado de Segurança e Cidadania de Rondonópolis;
ii) a Promotora de Justiça Ducilei Maria Soares R. Ambrosio, da Promotoria de Justiça de Rondonópolis;
iii) O Juiz de Direito Mirko Vicenzo Gianotte, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Rondonópolis
em razão dos fatos a seguir expostos, os quais configuram, em tese, a prática do crime previsto no art. 3º, "j", da Lei n.º 4.898/65:
No dia 7 de dezembro de 2007 os i. Delegados acima nominados representaram ao Juízo Criminal da Comarca de Rondonópolis requerendo quebra de sigilo telefônico nos autos do Inquérito Policial n.º 903/07, foi instaurado para apurar a prática de homicídio de funcionários da UFMT - Campus Rondonópolis (doc. 1).
O pedido tinha como fim a interceptação de linhas telefônicas pertencentes a uma das vítimas (que teve o celular subtraído), além de outros suspeitos. Os alvos foram qualificados como "vítima", "suspeito", "ex-marido da vítima Soraia" e "suspeito de autoria intelectual" (cf. doc. 1). Até aqui - abstraindo-se a questão de mérito, que não é objeto da presente representação - nada de incomum ou mesmo de ilegal.
O motivo ensejador desta representação reside no fato de que entre as pessoas cujas linhas telefônicas foram objeto de pedido de monitoramento, figurava - pasme! - o dr. Mauro Marco Dias Cunha, qualificado pelos próprios Delegados ora representados de forma singela, apenas como "advogado de suspeito".
Conquanto não se tenha apontado qualquer vínculo, afora o de "advogado de suspeito", entre o dr. Mauro e os fatos objeto da investigação ele se tornou alvo de pedido de monitoramento telefônico apenas porque fora constituído por um suspeito para cumprir seu múnus constitucional.
Frise-se: ele não foi apontado como investigado ou mesmo suspeito, apenas como "advogado de suspeito".
O abuso sofrido pelo advogado - que, afinal, representa também uma afronta ao seu constituinte - tornou-se ainda mais evidente com a manifestação da i. Promotora de Justiça ora representada sobre o pedido formulado pelos Policiais.
Não obstante os Delegados tenham se referido ao dr. Mauro - singelamente, repita-se - apenas como "advogado de suspeito", ao opinar favoravelmente à quebra de sigilo telefônico, Sua Excelência assim se referiu sobre o i. Advogado ora apontado como vítima, verbis:
"Por fim, constata-se que as pessoas as quais se pretende a quebra de sigilo telefônico embora não se tenha indícios concretos de autoria, se tem indícios razoáveis, como divergência conjugal ou profissional e a ocorrência de fatos posteriores que indica que tenham alguma informação, quais sejam:
(...) MAURO MARCOS DIAS CUNHA, advogado de pessoa tida como suspeita no início das investigações e que apesar de ter o nome abandonado pelas investigações, esse advogado continua a procurar delegados e até Promotores de Justiça buscando e exigindo o acesso aos autos do inquérito policial; (...)" (doc. 2, última página, grifos nossos).
Ao se pronunciar dessa maneira, i. Promotora de Justiça ora representada reconheceu, às escâncaras, que o único motivo para o monitoramento telefônico do i. Advogado era justamente o fato de que ele estava buscando - por meio de legítima, legal e escorreita atuação profissional - nada mais, nada menos, que direito comezinho de seu constituinte, qual seja: o acesso aos autos de inquérito policial em que seu constituinte figura como investigado.
O direito de acesso do investigado aos autos de inquérito, aliás, foi reconhecido expressamente pelo eg. Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que "é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado o acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8.906/94, art. 7.º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigiloso" (HC n.º 82.354/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 24.09.04, grifos nossos).
É mesmo de arrepiar a afirmação da i. Representante do Ministério Público, que propôs a quebra do sigilo do advogado que deve ter "alguma informação" somente porque este está "buscando e exigindo o acesso aos autos do inquérito policial". Por mais absurdo que seja, data venia, perseguiu-se um advogado, que teve suas comunicações devassadas apenas porque exercia suas funções.
E nem se diga que o fato de o constituinte do i. Advogado ora apontado como vítima supostamente ter tido seu "nome abandonado pelas investigações", como apregoou a i. Promotora de Justiça, justificaria a interceptação de suas conversas telefônicas.
Primeiro, porque sem vista dos autos o i. Advogado não teria como constatar se o seu cliente estava ou não sendo investigado. Portanto, ao insistir no seu pedido somente cumpriu - como lhe incumbia - o seu múnus constitucional de forma exemplar. O contrário seria relegar seu constituinte indefeso.
Outrossim, o motivo da interceptação telefônica - segundo a própria Promotora ora representada - seria somente o fato de o advogado estar buscando e exigindo o acesso aos autos do inquérito policial, o que é um direito de seu constituinte.
Ademais, o grampo do telefone do advogado represente inquestionável violação a direitos e garantias individuais do cidadão e, obviamente, à sua prerrogativa profissional quanto à inviolabilidade de suas comunicações (Estatuto da Advocacia, art. 7º, II). No caso, é bom remarcar, não se tratava de profissional da advocacia investigado, mas de alguém que queria apenas exercer seu labor.
Mais grave foi a conduta do i. Magistrado ora representado que, a despeito de tudo quanto se afirmou, deferiu o pedido de interceptação da linha telefônica do i. Advogado apontado como vítima sem qualquer fundamentação.
Com efeito, Sua Excelência referiu-se a todos os alvos dos pedidos de interceptação como "indiciados" e não fez qualquer consideração a respeito do motivo pelo qual entendeu que deveria ser afastada no caso concreto a inviolabilidade das comunicações do i. Advogado vítima - a Representante pressupõe que o afastamento do sigilo telefônico do causídico tenha sido resultado de um ato consciente e fruto da convicção do i. Magistrado ora representado.
Data venia, não se pode permitir abusos de tal natureza em nome de uma suposta eficácia na repressão. Sim, pois nem o princípio da proporcionalidade e "a supremacia do interesse público sobre o privado" poderiam permitir a realização do grampo contra o advogado. Referido princípio, como bem pontuou o eg. Supremo Tribunal Federal em memorável julgado relatado pelo e. ministro Eros Grau ao julgar o HC 95.009-4, funciona como uma "gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional".
As prerrogativas profissionais dos advogados, não é demais lembrar, conceituam-se como o conjunto de direitos e garantias que lhes é especificamente dirigido para o livre exercício da profissão. Não representam um privilégio de uma casta como outrora, por exemplo, se concebiam determinadas prerrogativas da realeza. Com acerto, Gisela Gondin Ramos assinala "que estes direitos não lhe são conferidos na condição de pessoas físicas, comuns, mas na especial condição de agente público, no exercício de seu mister, que já dissemos, é um munus público, para que lhe sejam asseguradas perfeitas condições ao pleno exercício profissional, de modo a garantir seja atendido o interesse público na realização da justiça".
De fato, num Estado Constitucional e Democrático as prerrogativas desempenham uma importante missão no que diz com o escorreito desempenho das atividades funcionais. Tomem-se como exemplo as garantias deferidas aos magistrados, conhecidas como predicamentos da magistratura ou mesmo as prerrogativas parlamentares, consubstanciadas nas imunidades parlamentares.
E entre as citadas garantias dos advogados, há aquelas que são absolutas, isto é, que não podem ser flexibilizadas sequer com a invocação do "princípio-gazua" da proporcionalidade de modo a se fazer um balanço dos bens em confronto. É que nesses casos o legislador já o fez e, bem ou mal, mal ou bem, definiu-se por um dos termos da equação.
É o que se dá, por exemplo, com o sigilo das comunicações. Este é um caso em que o legislador estatuiu ser direito do advogado o respeito o sigilo de suas comunicações, inclusive telefônicas (Estatuto do Advogado, art. 7º, II). Do mesmo modo que a Constituição não abre caminho para a devassa das correspondências os cidadãos em geral (art. 5º, XII), o Estatuto do Advogado reforça a proibição em relação aos advogados. Se forem investigados, a questão muda de figura. Mas, na condição de advogados - como no caso presente -,há de prevalecer o sigilo que o Estatuto assegura.
Ante o exposto e considerando que os ora Representados atentaram contra garantia legal assegurado ao exercício profissional, no caso aquela prevista no art. 7º, II, da Lei n.º 8.906/94, requer-se a instauração do Inquérito (e sua posterior distribuição ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso) para a apuração da prática, em tese, do crime previsto no art. 3º, "j", da Lei n.º 4.898/65.
De São Paulo para Cuiabá,
ALBERTO ZACHARIAS TORON
O.A.B./SP nº 65.371
FERNANDO DA NÓBREGA CUNHA
O.A.B./SP n.º 183.
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