TJ/RJ - Bradesco é condenado por não impedir desvio de dinheiro
A juíza Georgia Vasconcellos da Cruz, da 49ª Vara Cível da capital, condenou o Banco Bradesco S.A a pagar uma indenização de R$ 2.285.541,31 por danos materiais e R$ 100.000,00 por danos morais a Lopes Filho e Associados Consultores de Investimentos. O banco não impediu desvios de cheques feitos por um correntista, empregado do escritório.
Da Redação
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
Atualizado às 08:12
TJ/RJ
Bradesco é condenado por não impedir desvio de dinheiro
A juíza Georgia Vasconcellos da Cruz, da 49ª Vara Cível da capital, condenou o Banco Bradesco S.A a pagar uma indenização de R$ 2.285.541,31 por danos materiais e R$ 100.000,00 por danos morais a Lopes Filho e Associados Consultores de Investimentos. O banco não impediu desvios de cheques feitos por um correntista, empregado do escritório (v. abaixo a decisão).
José Manoel Rebouças Quaresma endossava, falsificando a assinatura do diretor da empresa, vários cheques de clientes e fazia os depósitos em sua conta pessoal. O desvio foi descoberto por uma funcionária recém contratada pelo banco Bradesco, que estranhou o grande número de cheques depositados na conta de José Manoel e contactou a empresa.
"O funcionário que falsificava as assinaturas do diretor da empresa era correntista do réu e o referido diretor também possuía conta na mesma agência, bem como a empresa autora. Desse modo, detinha o réu total possibilidade de conferir os endossos feitos porque o endossante era titular de conta na agência. É de se ressaltar que está dentro das atribuições do banco zelar pela conta de seus clientes e não apenas lucrar com o dinheiro destes", afirmou o juiz na sentença.
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Processo nº: 2002.001.034503-9
JUÍZO DE DIREITO DA 49a VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL
Proc. 2002.001.034503-9
Autores: LUIZ FERNANDO LOPES FILHO e LOPES FILHO & ASSOCIADOS CONSULTORES DE INVESTIMENTOS
Réu: BANCO MERCANTIL DE SÃO PAULO S.A - FINASA posteriormente retificado para BANCO BRADESCO S.A
SENTENÇA
Trata-se de ação sob o rito ordinário entre as partes acima nominadas, qualificadas às fl. 02, onde os autores pedem a condenação dos réus ao pagamento de dano material e moral. Sustenta a inicial, para tanto, que os autores eram correntistas do réu até que descobriram a prática de um esquema de desvio de dinheiro conforme o qual um funcionário do 2o autor endossava, falsificando a assinatura do diretor da empresa, vários cheques de clientes e fazia os depósitos em sua conta pessoal.
O réu não desconfiava da aludida fraude e fazia os pagamentos, sendo certo que tal fato ocorreu por vários anos até a admissão de uma nova funcionária do banco, a qual desconfiou da grande quantidade de cheques depositados na conta pessoal de um mero empregado do 2o autor.
Contestação de fl. 330/359 onde o réu argüiu preliminares de ilegitimidade passiva e ativa quanto ao 1o autor. No mérito, sustentou que o dano foi cometido por empregado do próprio autor (2o autor), o qual falsificou a assinatura do sócio titular da empresa em diversos cheques.
Aduz que cabia à empresa rastrear os cheques recebidos dos clientes, mas, como não o fez, ocorreram os desvios. Ressalta dispositivos da lei do cheque que o isentam de qualquer responsabilidade. Réplica de fl. 364/380. Em provas, manifestaram-se as partes às fl. 388/390. Decisão saneadora às fl. 395/396, onde embora 'rejeitadas' as preliminares, em verdade seu exame ficou relegado ao mérito.
Laudo pericial contábil de fl. 453/468. Laudo do assistente técnico do réu às fl. 498/543, com anexos e laudo do assistente dos autores às fl. 566/579, também com anexos. Esclarecimentos do perito às fl. 720/731. Às fl. 819, o Juízo determinou ao réu o cumprimento da solicitação do perito sob pena de aplicação da multa prevista no art 14, V, do CPC e, ante à inércia do réu, foi aplicada a pena de litigância de má-fé (art. 18 CPC), além da multa (fl. 821).
Novos esclarecimentos periciais às fl. 833/837 e 881/884. Audiência realizada conforme ata de fl. 942.
É O RELATÓRIO.
DECIDO.
Tanto a preliminar de ilegitimidade ativa quanto passiva, de acordo com a teoria da asserção, serão analisadas com o mérito, a impor a procedência ou improcedência do pedido e não mera decisão terminativa.
Nesse passo, a ação foi bem posta em face do banco Mercantil, agora Bradesco S.A, pois indubitável, como adiante se verá com maior detalhamento, que foi o réu quem efetivamente recebeu os cheques falsamente endossados para depósito em conta de correntista da agência, sendo que a assinatura falsificada também era de correntista da mesma agência.
Contudo, prospera que ação não foi bem posta quanto ao1o autor, pois este não possui qualquer relação de direito material discutida no processo, mas apenas o segundo autor, já que foi o correntista lesado.
Nessa linha de princípio, o que se apurou nestes autos é que o réu recebeu para depósito na conta pessoal de José Manoel Rebouças Quaresma, empregado do 2o autor, centenas de cheques, ao longo de muitos anos, que em verdade eram destinados à empresa autora. Trata-se de fato incontroverso, expresso pelo documento de fl.67 e reconhecido pelo réu em sua resposta.
A responsabilidade existente entre as partes é a objetiva, porque regida a relação jurídica pela lei 8.078/90, sendo típica prestação de serviços (art. 2o e 3o da lei). Assim sendo, o dano restou configurado pelo prejuízo experimentado pela empresa autora, devidamente apurado em perícia contábil.
Quanto aos demais elementos - conduta do réu e nexo causal - entendo-os igualmente presentes, sendo certa a desnecessidade de prova da culpa dada a natureza da responsabilidade civil. O funcionário que falsificava as assinaturas do diretor da empresa era correntista do réu e o referido diretor também possuía conta na mesma agência, bem como a empresa autora.
Desse modo, detinha o réu total possibilidade de conferir os endossos feitos porque o endossante era titular de conta na agência. É de se ressaltar que está dentro das atribuições do banco zelar pela conta de seus clientes e não apenas lucrar com o dinheiro destes.
Tanto não era difícil descobrir a fraude perpetrada que uma funcionária, nova naquele setor, assim que ingressou na função, desconfiou da enorme quantidade de cheques depositados na conta do empregado da empresa autora e contactou a empresa, o que permitiu descobrir a fraude. Ou seja, tanto pelo prisma da conferência da assinatura do endossante (que era cliente do réu e da mesma agência onde eram feitos os depósitos), quanto pela simples diligência, comum que deveria ser à atividade bancária, seria possível ao réu impedir o desvio de dinheiro.
O dano moral exsurge paralelamente ao material, sendo este último o resultante dos valores traduzidos pelos cheques desviados e aquele o indubitável aborrecimento que veio à tona após vários anos de fraude cometida sem que o réu sequer suspeitasse, embora possuidor de todos os meios para detectá-lo e reprimi-lo.
Dizer em defesa que cabia ao autor 'rastrear os cheques' para impedir qualquer desvio é pretender transferir sua responsabilidade ao correntista, sendo de frisar que não há nada que o obrigue a 'rastrear' os cheques que recebe.
O dano material é de R$ 611.317,71 (fl. 458) consistente no somatório dos cheques desviados. O índice utilizado foi o do TJ/RJ e entendo-o como correto, pois não há razão para o ilustre perito se distanciar das usuais determinações legais para correção monetária que, como sabido, é mera atualização da moeda e não índice de rentabilidade.
Os lucros cessantes seriam de R$ 37.269,91 se utilizado o índice da caderneta de poupança. Contudo, discordo do perito quanto à utilização de tal índice porque dificilmente a empresa autora, ante o valor anual movimentado e os lucros apresentados, aplicaria dinheiro na poupança, que é típica dos conservadores e pequenos investidores.
Assim, o índice deve ser, neste caso, o IGP-M e juros simples, cujo valor alcança R$ 1.674.223,60 (segunda hipótese de fl. 834). Isso posto, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido para condenar o réu a pagar ao segundo autor o dano material, nele incluídos os lucros cessantes, conforme apurado pela perícia e acima esposado (R$ 611.317,71 e R$ 1.674.223,60), além de danos morais no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais), tudo acrescido de juros desde a citação e correção monetária a contar do julgado (súmula 97 do TJ/RJ).
Condeno o réu, por ter sucumbido na quase totalidade, ao pagamento de honorários de advogado, que arbitro em 10% do valor da condenação.
P.R.I. Rio de Janeiro, 18 de fevereiro de 2008.
GEORGIA VASCONCELLOS
JUÍZA DE DIREITO
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