Decisão proíbe ingresso na Universidade Federal de Santa Catarina pelo atual sistema de cotas
Da Redação
terça-feira, 22 de janeiro de 2008
Atualizado às 09:14
MPF/SC
Decisão proíbe ingresso na UFSC pelo atual sistema de cotas
O MPF/SC obteve liminar favorável a fim de que as vagas do concurso vestibular 2008 da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC sejam concedidas aos candidatos por ordem de classificação, ignorando a preferência concedida pela Resolução Normativa nº 008/2007, que instituiu o sistema de cotas para alunos negros e egressos do ensino público.
Conforme o MPF, as reservas de vagas previstas no edital 04/Coperve/2207 ferem o princípio da legalidade, pois a questão deve ser tratada por lei, e não por resolução normativa. A ação, proposta pelo procurador da República Davy Lincoln Rocha, foi ajuizada contra a UFSC e requer a anulação da respectiva resolução. Para ele, qualquer medida que estabeleça critérios étnicos ou socioeconômicos para ingresso no ensino público superior depende de lei, no sentido material e formal.
Conforme a decisão, a liminar foi garantida em função do receio de dano irreparável ou de difícil reparação em virtude da realização das matrículas, em meados do próximo mês, e do início das aulas. O juiz Gustavo Dias de Barcellos concordou com os argumentos do MPF de que a competência para legislar acerca de diretrizes e bases da educação nacional é privativa da União Federal (artigo 22, inciso XXIV, da Constituição Federal de 88).
Com a decisão da Justiça Federal, todo candidato que tenha alcançado a pontuação mínima exigida para a classificação em cada curso terá direito a vaga, a matrícula e a freqüência às aulas.
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Confira abaixo a decisão na íntegra.
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2008.72.00.000331-6/SC
AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC
DECISÃO (liminar/antecipação da tutela)
Vistos etc.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL propõe ação civil pública, veiculando pedido de antecipação de tutela no sentido de determinar à UFSC que garanta as vagas e conceda o direito de matrícula e freqüência às aulas a todos os candidatos que alcançarem a pontuação mínima exigida para a classificação em cada curso, ignorando-se o direito de preferência concedido pela Resolução Normativa 008/2007. O objeto do pedido principal é a declaração de nulidade dessa Resolução e conseqüente destinação das vagas do concurso vestibular 2008 aos candidatos aprovados por ordem de classificação.
Aponta que dependerá de Lei, no sentido material e formal, qualquer medida que estabeleça critérios étnicos ou sócio-econômicos para ingresso no ensino público superior.
Oportunizada a manifestação da UFSC, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.437/92, foi promovida a defesa da Resolução Normativa nº 008/2007 e do Programa de Ações Afirmativas como um todo.
Decido.
A presente ação civil pública é absolutamente oportuna, não apenas porque proposta em tempo hábil a buscar garantir, via liminar, as matrículas dos candidatos afastados em virtude das reservas de vagas, mas porque viabiliza a discussão em bloco, para todos os candidatos ao vestibular da UFSC.
O questionamento relativo ao Programa de Ações Afirmativas, que estabeleceu sistema de cotas para o ingresso de negros e oriundos da escola pública na UFSC, reclamará quando da sentença um exame mais aprofundado do alcance do disposto no art. 5º da CF/88 (Todos são iguais perante a lei...), bem como da (im)possibilidade, no Brasil, de uma identificação precisa da etnia.
De qualquer forma, em análise preliminar já se faz evidente a presença dos requisitos do art. 273 do CPC.
O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação decorre da iminência da realização das matrículas, em meados do próximo mês, e do início das aulas. Acaso não garantida a participação dos candidatos afastados por conta da reserva de vagas, por certo até o final do processo restará prejudicado o normal desenvolvimento dos seus estudos.
A verossimilhança da alegação se apresenta sob diversos aspectos.
Tenho que padece de vício de legitimidade a Resolução Normativa nº 008/CUN/2007, ao introduzir as reservas de vagas para determinadas classes de candidatos, presente a competência privativa da União Federal para legislar acerca de diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV, da CF/88).
Conforme bem apontou o Ministério Público Federal, nos termos do art. 37 da CF/88 a Administração Pública direta e indireta está adstrita ao princípio da legalidade, dentre outros, estando a autonomia administrativa da Universidade restrita ao seu próprio funcionamento, não podendo estabelecer direitos ou impor vedações de forma discricionária.
A discriminação imposta pelo sistema de cotas para o ingresso em Universidade, chamada "positiva" sob o aspecto dos candidatos beneficiados, se manifesta restritiva ou "negativa" para os demais, diante da conseqüente diminuição da disponibilidade de vagas a esses, assim afrontando diretamente o princípio da igualdade assegurado no art. 5º da CF/88.
O fator de discriminação relativo à cor ou à tonalidade da pele, por sua vez, apenas resultará em casuísmos e arbitrariedades. A ciência contemporânea aponta de forma unânime que o ser humano não é dividido em raças, não havendo critério preciso para identificar alguém como negro ou branco.
Não existindo raças, e presente a circunstância de que no Brasil a população resulta da imigração de diversas origens e sua miscigenação, com qual autoridade científica a tal "Banca de Validação da Auto-Declaração" estabelecida no art. 14 da referida Resolução poderá apontar quem é negro e quem não é?
Na hipótese prevista de questionamentos da auto-declaração de alguns candidatos, como serão classificados aqueles filhos de negros que apresentam traços europeus ou pela clara, herança de algum antepassado mais distante? Enfim, são inúmeras as hipóteses ensejadoras de casuísmos, o que faz lembrar de uma matéria de capa da revista Veja, apontando dois irmãos gêmeos idênticos, vestibulandos da Universidade de Brasília; um identificado como branco, o outro como negro.
Ainda que adotando termo ultrapassado (raça), a própria Constituição Federal indica que não deverá haver preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer formas de discriminação (art. 3º, IV).
A vedação ao preconceito encontra-se também estampada no inciso XXX do art. 7º: "proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil".
Nesse cenário, no tocante ao critério "étnico", sequer uma Lei ordinária lograria dar validade ao sistema de cotas adotado pela UFSC, dada sua evidente inconstitucionalidade.
Ademais, a carência de recursos na idade escolar atinge boa parte da população. O que dizer aos pobres não contemplados pelo benefício aqui em discussão? Que de agora em diante estão ainda mais afastados da possibilidade de alcançar um curso superior?
No tocante à reserva para os candidatos egressos do ensino público, ainda que se reconheça um grau de objetividade bem mais elevado do que o critério "étnico", tenho que tal iniciativa deveria estar amparada em Lei, conforme já exposto.
No âmbito legislativo, espera-se, venha a ser ampliada a discussão sobre o acesso ao ensino superior, evitando-se o simplismo de uma cláusula que apenas atribui 20% das vagas a quem tenha cursado todo o ensino fundamental e médio na escola pública. O enfrentamento sério da questão deverá passar pelo restabelecimento da qualidade do ensino público, dentre inúmeras outras iniciativas.
Ante o exposto, defiro a antecipação de tutela para determinar ao Magnífico Reitor da UFSC que garanta as vagas e conceda o direito de matrícula e freqüência às aulas a todos os candidatos que tenham alcançado a pontuação mínima exigida para a classificação em cada curso, ignorando-se a preferência concedida pela Resolução Normativa nº 008/2007.
Quanto ao pedido cautelar (item VII da inicial), observo que o seu deferimento implicaria exigir da UFSC um incremento em sua estrutura e um aporte de recursos que por certo a Instituição não dispõe. O número de vagas oferecidas a cada vestibular deve, naturalmente, corresponder ao número de vagas disponíveis, daí se tornar materialmente impossível acolher um acréscimo de 30% de alunos em cada curso, contemplando cotistas e não cotistas. Por isso, indefiro tal requerimento.
Intimem-se com urgência.
Aguarde-se a contestação da ré.
Florianópolis, 18 de janeiro de 2008.
Gustavo Dias de Barcellos
Juiz Federal Substituto
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