STF: Sustentações orais em ação do rol da ANS opõem planos e pacientes
Para defensores da lei 14.454/22, rol exemplificativo favorece inovação e eficácia dos tratamentos; opositores alertam para riscos jurídicos e possível colapso do sistema de saúde.
Da Redação
sexta-feira, 11 de abril de 2025
Atualizado às 16:34
Nesta quinta-feira, 10, o STF deu início ao julgamento que analisa a validade da lei 14.454/22, norma que estabeleceu o caráter exemplificativo do rol da ANS - permitindo que os planos de saúde sejam obrigados a custear procedimentos não incluídos na lista oficial da agência, desde que preenchidos critérios técnicos.
A ação contra a norma foi ajuizada pela Unidas - União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, que sustenta a inconstitucionalidade da lei e defende a adoção de um rol taxativo, isto é, com cobertura restrita apenas aos procedimentos expressamente listados pela ANS.
Durante a sessão, os ministros ouviram sustentações orais das partes envolvidas e de diversos amici curiae, que apresentaram posições antagônicas sobre os impactos jurídicos, econômicos e sociais da norma.
Confira a seguir os destaques.
Tecnologia x segurança
A advogada Maria Cláudia Bucchianeri, representando a Abramge - Associação Brasileira de Planos de Saúde, destacou o risco de banalização dos critérios técnicos da ANS caso o rol seja considerado apenas exemplificativo.
Durante a sustentação, apontou o desafio de equilibrar o direito à melhor saúde com a responsabilidade técnica de garantir segurança e sustentabilidade. "A tecnologia avança em passos largos, mas não basta ser eficaz; é preciso segurança", afirmou, lembrando que medicamentos aplicados com base em inteligência artificial, por exemplo, precisam passar por testes em larga escala.
Ela alertou para o risco de judicialização massiva, insegurança jurídica e eventual colapso do sistema de saúde privada. "Se os planos quebrarem, 80 milhões de brasileiros vão para o SUS", declarou, enfatizando que a lei 14.454/22 representaria retrocesso normativo ao permitir tratamentos apenas com base em eficácia, sem exigir avaliação de segurança.
Dizer não à vida
O advogado Gustavo Oliveira Chalfun, da banca Chalfun Advogados Associados, representando a Apepi - - Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal, ressaltou o caráter profundamente humano do debate.
Ele argumentou que a lei 14.454 foi fruto de diálogo democrático e busca corrigir distorções que privam pacientes de terapias prescritas.
"Negar tratamentos porque não estão em uma lista é dizer não à própria vida", disse. Para ele, o rol deve ser visto como referência mínima, não como limite absoluto.
Destacando o papel do STF como guardião da dignidade e do direito à saúde, Chalfun pediu a declaração de constitucionalidade da norma que consagra o rol como exemplificativo.
Malcriação do legislador
O advogado Carlos Eduardo Caputo Bastos registrou que as entidades de autogestão tiveram prejuízos de R$ 2 bilhões no último ano.
Defendeu que o Supremo deve observar a natureza jurídica distinta entre o sistema público e o privado de saúde, destacando que a saúde suplementar é facultativa e contratual, ao contrário do dever universal e compulsório que recai sobre o Estado.
"A saúde é dever do Estado. O particular presta serviço de forma privada, mas não tem a obrigação de atender universalmente. Ninguém é obrigado a se filiar a um plano de saúde."
Para ilustrar sua posição, fez uma analogia direta. "Se eu pago por uma maçã, não posso exigir levar duas. No setor privado, o objeto do contrato precisa ser respeitado", ressaltou.
Caputo também criticou duramente o processo legislativo que aprovou a lei 14.454/22, classificando-o como um "atropelo" institucional. Ele apontou que o projeto de lei foi apresentado durante o recesso parlamentar e aprovado no primeiro dia útil seguinte, sem passar por comissões, sem debate técnico e sem análise de impacto regulatório.
"Esse caso é típico de malcriação do legislador. Se o Congresso quer passar o trator na agência reguladora, ele pode. Mas tem um ônus: o ônus argumentativo e técnico, que neste caso foi ignorado", concluiu.
Lógica perversa
Em outro sentido, a advogada Margarete Brito, fundadora da Apepi, trouxe testemunho pessoal, representando mães e familiares de pacientes com doenças raras e graves.
"Se o rol da ANS for considerado taxativo, estaremos institucionalizando uma lógica perversa", alertou. Ela enfatizou que o tempo é um recurso escasso para quem precisa de tratamento imediato e eficaz.
"Defender que o rol seja exemplificativo não é deslegitimar a agência, mas lembrar que a medicina é dinâmica, o cuidado é individual e a vida não pode ser engessada por burocracia", afirmou.
Loteria de bilhete marcado
O advogado Walter José Faiad de Moura, representando o IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, criticou a tentativa de "zerar o risco" de um contrato que, por natureza, é aleatório. "Transformar o plano de saúde em contrato comutativo é desvirtuar sua essência", afirmou.
Ele argumentou que a lógica do rol taxativo impõe uma espécie de "loteria de bilhete marcado" aos pacientes.
Walter também criticou pareceres econômicos que, segundo ele, ignoram os fatores de obsolescência tecnológica, que reduzem custos com o tempo.
"A vida fora do ar-condicionado é diferente. Quem recebe um diagnóstico grave não pode esperar 180 dias", disse.
- Processo: ADIn 7.265