STF julga perda de bens de delatores da Lava Jato antes de sentença
Defesas argumentam que a aplicação de cláusulas de perdimento deveria ocorrer apenas após sentença condenatória.
Da Redação
quarta-feira, 9 de abril de 2025
Atualizado em 10 de abril de 2025 11:53
Nesta quarta-feira, 9, em sessão plenária, STF voltou a julgar a legalidade da perda de bens em acordos de colaboração premiada firmados entre réus da Lava Jato e o MPF.
Os casos eram analisados no plenário virtual, mas pedido de destaque do ministro Dias Toffoli, levou-os ao físico.
Durante a sessão desta tarde proferiram votos o relator, ministro Edson Fachin, favorável ao perdimento dos valores antes de sentença com trânsito em julgado, e ministro Gilmar Mendes, que inaugurou divergência.
Devido ao adiantado da hora, o julgamento foi suspenso e será retomado na quinta-feira, 10.
Execução de cláusula
Nos casos, as defesas contestam a imediata execução da cláusula de perdimento de bens, argumentando que só deveria ocorrer após sentença condenatória, dado o contexto de extraterritorialidade dos crimes denunciados e a necessidade de uma decisão judicial específica no Brasil.
Argumentam que a cláusula deveria ser implementada como efeito da condenação, alinhada ao art. 7º da lei 9.613/98 (lei de lavagem de dinheiro), e que o colaborador deveria ter a opção de escolher como cumprir essa obrigação - seja por transferência de bens ou depósito judicial do valor equivalente.
Validade imediata
Ao votar, o relator, ministro Edson Fachin, defendeu a validade e a eficácia imediata das cláusulas de perdimento de bens previstas nos acordos de colaboração premiada, independentemente da existência de sentença penal condenatória. Sustentou que tais cláusulas resultam de um negócio jurídico regular, voluntário e legal, devidamente homologado, cujo cumprimento é vinculante às partes signatárias.
"O perdimento acordado não se confunde com o efeito secundário de uma condenação penal. Trata-se de obrigação voluntariamente assumida pelo colaborador para devolver aos cofres públicos os valores de origem ilícita que confessadamente detém", destacou o ministro.
Segundo Fachin, exigir o trânsito em julgado como condição para o cumprimento da cláusula de perdimento comprometeria a efetividade da justiça penal negocial e afrontaria os princípios que regem a colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro.
O ministro lembrou que a lei 12.850/13 estabelece a recuperação de ativos ilícitos como um dos critérios essenciais para a concessão dos benefícios pactuados.
"Ao se aguardar o trânsito em julgado, permitir-se-ia que o colaborador usufruísse livremente de patrimônio obtido ilicitamente, ignorando a própria confissão registrada nos autos", afirmou Fachin.
O ministro também relembrou que a cláusula de perdimento não depende de condenação, uma vez que a colaboração premiada rompe com o paradigma do processo penal tradicional e se ancora na lógica consensual de cooperação entre investigado e Estado. Assim, cabe ao Judiciário, no ato de homologação, apenas aferir a regularidade, legalidade e voluntariedade do pacto, sendo-lhe vedado interferir nos termos acordados entre as partes.
Fachin apontou ainda a incoerência de se exigir sentença condenatória para perda de bens, quando o próprio legislador autoriza, em determinadas circunstâncias, que sequer haja oferecimento de denúncia contra o colaborador.
O voto também destacou o papel estratégico da colaboração premiada no combate ao crime organizado e à corrupção, apontando que, em processos sob sua relatoria no âmbito da Operação Lava Jato, foram recuperados mais de R$ 2 bilhões entre multas e perdimento de bens e valores de origem ilícita.
Ao final, Fachin reafirmou que o perdimento de bens deve ser imediato e integra o próprio acordo como medida voltada à reparação dos danos e à efetividade do sistema de Justiça penal consensual.
Confira trecho do voto:
Divergência
Ministro Gilmar Mendes, ao votar, divergiu do entendimento do relator e se posicionou de forma crítica à possibilidade de antecipação da execução do perdimento de bens prevista em acordos de colaboração premiada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
O decano da Corte fez crítica incisiva às pressões e constrangimentos que, muitas vezes, permeiam a celebração de acordos penais. Argumentou que, sob a justificativa de celeridade ou obtenção de benefícios processuais, tem-se promovido uma "expansão do controle penal", com risco de erros judiciais e abusos.
A seu ver, a única forma de compatibilizar justiça negocial com garantias fundamentais é por meio de diretrizes rígidas: fortalecimento da defesa, limitação da discricionariedade, observância à legalidade estrita e reforço do controle judicial.
O ministro reafirmou que a colaboração premiada é instrumento probatório - e não substituto do processo penal. Reforçou que, nos termos da lei 12.850/13, os acordos devem ser submetidos à homologação judicial, com análise da voluntariedade, legalidade e adequação. O conteúdo dos acordos deve ser corroborado por provas externas, sendo vedado - por força legal - o oferecimento de denúncia e a prolação de sentença com base exclusiva nas declarações do colaborador.
O voto cita precedentes do STF que consolidam a posição segundo a qual os efeitos penais pactuados só podem ser executados após o julgamento e trânsito em julgado da sentença condenatória. A colaboração, afirmou o ministro, não tem natureza de título executivo penal, tampouco pode substituir a função do juiz em apurar e fixar a culpa.
Gilmar Mendes alertou para os riscos de importar modelos como o plea bargain norte-americano sem adaptações às garantias do sistema jurídico brasileiro. Ressaltou que a barganha, se mal aplicada, pode induzir até inocentes a confessar crimes que não cometeram diante da ameaça de punições mais severas.
"A negociação em contexto de ameaça à liberdade ou ao patrimônio pode parecer conveniente, mas não é livre. Não se negocia sob coerção verdadeira justiça", afirmou.
Lembrou ainda que a presença de advogado não supre, por si só, os requisitos de legalidade e voluntariedade, cabendo ao juiz apurar se houve vício, inclusive por pressão da própria defesa técnica.
Reiterando a necessidade de respeitar o devido processo legal, o ministro declarou que a perda de bens ou a aplicação de sanções acordadas só podem ocorrer após sentença condenatória definitiva, como determina o art. 5º, XLVI da Constituição. Cláusulas que antecipam os efeitos penais sem decisão judicial seriam, portanto, inconstitucionais.
Gilmar Mendes destacou que, caso haja risco real de dilapidação de patrimônio antes da sentença, o MP pode requerer medidas cautelares, como bloqueio de bens ou alienação antecipada - instrumentos previstos em lei e sujeitos ao crivo do Judiciário.
"Admitir a antecipação automática de penas, sem denúncia, processo ou julgamento, por mais popular que pareça, é cruzar a última linha que separa o Estado de Direito do Estado Policial", afirmou.
Veja trecho do voto:
- Leia a íntegra.
Experiência negativa
Ministro Gilmar Mendes criticou duramente os acordos de colaboração premiada celebrados no âmbito da Operação Lava Jato.
Argumentou que os acordos foram marcados por graves vícios de consentimento, revelados pelas mensagens da Operação Spoofing, que demonstrariam conluio entre procuradores e o então juiz Sergio Moro, além de táticas abusivas e arbitrárias como o uso da prisão preventiva para coagir delações e imposições ilegais nos termos de confidencialidade.
Segundo o ministro, essas práticas violaram garantias fundamentais e minaram a segurança jurídica.
Confira o momento: